terça-feira, 21 de fevereiro de 2017




                                          
                       NOVOS DIAS

        



       O século XXI chegou mandando brasa, literalmente, e em sentido figurado. A temperatura  nas alturas, o clima sufocante, a par de baixarias que  rolam por aí, e nós outros, os velhinhos, a sentirem falta de um tempo bom de se viver. Dias de clima mais ameno, sem tanto asfalto e com espaço para respirar. E ainda que se tenha hoje o ar condicionado para aliviar o calor, e outros meios que o homem busca para supera as adversidades, criadas pela natureza e as por ele provocadas, a vida hoje não está nada fácil. Já foi melhor, inclusive para as jovens mulheres, que estudavam em boas escolas femininas, e quando adultas passavam a trabalhar na sua indústria caseira, cercadas de crianças e animais domésticos, cultivando suas flores no jardim da casa, que não era de boneca, intriga do dinamarquês.
        
           O “estado natural” da mulher e da família, constituída de pai, mãe e filhos. Ah, a família, o quanto ela perdeu nos apertos de hoje!  Não só pelos apartamentos em que se vive nas cidades média e grande, uma selva de pedra, ainda com há o perigo da extinção. Em vez de paz e tranquilidade um atordoamento, o tanta que se destrói em nome do progresso. E a sensação é que fomos novamente expulsos do paraíso terrestre, e a ordem agora é não olhar para trás, e seguir em frente, tudo bem, se não fosse a gravidade de certas questões, que se nos apresentam como avanço. E não esqueçam que no passado é que foram feitas as maiores descobertas da ciência, a vacina, a penicilina, e tudo de mais de útil para a humanidade.
        
           Queremos hoje um retrocesso ao estágio selvagem, de animais irracionais. Reagir, ou aceitar viver no inferno, eis a questão.  Os gêneros eram apenas dois, com os quais se nascia e morria, uma construção cultural calcada na vida natural e digna, com o homem e a mulher buscando a felicidade no casamento com um parceiro do outro sexo, e consequente a procriação, já com a pílula para o planejamento da natalidade. Na atualidade os desconfortos a que somos submetidos, alguns ditames moderno que são insuportáveis, e será para o bem de todos olhar para frente nos novos dias. Também sem apego espiar os velhos tempos. Ficar de olhos bem abertos para um progresso que nos querem impor, mas que nega a civilização, como um processo evolutivo, que segue o princípio aristotélico do equilíbrio. O contrário desse raciocínio é o homo demens, um ser ridículo, capaz de ser soterrados por um tsunami de lixo.  


sábado, 18 de fevereiro de 2017






                        MÁSCARA, PARA QUE TE QUERO? 

       



       Tempo de carnaval, e os mascarados saem às ruas, conquanto digam as más línguas que é também quando caem as máscaras. Nossa condição de civilizados a nos impor usar máscaras o ano todo, em especial, as mulheres, que  pintam  o rosto, seguem com paixão o figurino da moda, o que seria esconder, até mesmo distorcer uma imagem real. A natureza, na sua irracionalidade, alheia à ética e estética. E sendo quem somos, ditos racionais, achamos por bem corrigir as imperfeições, e realçar as perfeições, o que todos têm.
      
       O construtor, o artista faz brilhar a imaginação ao criar o belo, mesmo que haja quem se esmere em pintar figuras distorcidas, ainda assim dignas de admiração, como arte. A construção de cada um como pessoa em sua aparência externa, sua estética, assim como guarda na alma sua ética, tudo o que diferencia uma pessoa da outra. O prazer que se tem de revelar quem se é de verdade, ou imagina ser. Além do prazer moderno em ser diferente. Máscaras, para que te quero? 
        
        Evitar ferir o bom gosto, ou melhor, o bom senso, causar polêmica, atoa. Muita coisa sem valor pelas quais se luta, quando não se deve perder o foco com bobagens, para dizer o mínimo. E temos a catarse do carnaval, que surgiu na idade média, os dramas teatrais que foram para as ruas. A civilização no seu auge, mais dramática que trágica, ou mágica. No carnaval vestimos a fantasia, colocamos uma máscara, ou não, e vamos celebrar, em especial, a alegria de viver, no que é permitido ao ser civilizado fazer nessa breve concessão à barbárie.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017




                                                 ATREVIDA

           



                  Era o cúmulo do atrevimento a sobrinha querer sair fantasiada de colombina no carnaval, e a pirralha só tinha quatro anos. A tia e madrinha ficava apavorada, coitada, pouco se atrevia a sair de casa. Nascemos, todavia, com o desafio bíblico de crescer e multiplica, e para tal desiderato temos que ousar. Nos Evangelhos há o milagre da multiplicação dos pães, e é quase isso que temos de realizar para que se cumpra a ordem divina. O homem que tem fé e segue os mandamentos, além da obediência que deve às leis civis da sociedade a que pertence. Nossa espécie animal que evolui como indivíduo, civiliza-se, instigada pela fé e pela razão, das quais ela pode dispor com livre arbítrio.
             
             Se somos filho, neto, pai, primo, amigo, membro de uma família humana, se somos todos irmãos, por nossa herança biológica, também somos irmãos em espírito. Triste a sensação de orfandade, de vazio, abandono, solidão. Pior de tudo é estar fora de si mesmo. Ninguém que tente fugir dos limites impostos de per si e pelo espaço vital. Evitar ficar de fora, ser esquecido,  mesmo se estiver por baixo. Quem se isola pode ser vítima das contingências, e mais ainda das incoerências pessoais. Sábia natureza, e em cada etapa da vida - da infância à velhice – ressurgimos renovados, mesmo na idade avançada.
            
              Ser perseverante no ideal de renovação, reagindo contra a moderna cultura da negação, que faz a pessoa ser menor do que é, e ter menos que de direito.  Nem se iludir pela ambição, achar que pode tudo, acontece ao homem moderno, no domínio da tecnologia e da ciência, com possibilidade de agir de maneira equivocada na aplicação das riquezas extraídas da terra, e, em especial, da mente. Garimpo necessário, mas requer todo cuidado para não degradar o ambiente, esgotar os veios, provocar o fim de tudo...
             
            Em um tempo não muito distante - quando a menina quis brincar de princesa - almejava-se a imortalidade, que viria com o livro, o filho, a árvore. Realizações que se confrontam com as inúmeras possibilidades atuais. Mas sabemos que o mundo está em grave crise, talvez, irremediável, a ponto de ser preferível o esquecimento, a ter de criar, procriar, conservar. Com alarde fala-se em pós-civilização. Se ainda almejamos a felicidade no amor, é o desamor, o ódio que parece mover o ser humano no presente momento.

           
            
             Atrevamo-nos a uma nova vida, mas que ela seja abundante de acertos e bênçãos! 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017



CONTO


               GRATA SURPRESA!
            
                   Homenagem aos que enfrentam a vida com coragem!





Geovana desceu do carro com seu precioso vestido de organza florido, e de pronto recebeu a ajuda do marido para livrar-se das poças d´água, consequência das chuva de verão na rua sem calçamento. Ser amparada por tão atento cavalheiro era o máximo de felicidade, depois de ter dançado com ele, na sua festa de formatura, um encontro que acabou por conduzi-los ao matrimônio. Abandonar o palco da vida pública e todo o sucesso que pudesse dele advir foi para ela um acerto honroso. Vicente também deixava o Rio de Janeiro, onde cursava medicina, para  retornar a S. Luís, cumprir a missão que tinha em sua terra natal. Antes de chegarem ao Casarão — herança do casal na pacata cidade — prestes a completar quatrocentos anos, passaram por casinhas miseráveis, piores que as favelas no Rio. Geovana teve a sensação de empobrecimento. Mas, como mulher, renovava na família suas esperanças de felicidade pessoal e de sucesso social.

As circunstâncias internas e externas — familiares e mundiais — no momento, a exigir plena atenção, que se avaliasse com justiça as mudanças, as que podiam ser negociadas e as inegociáveis. Findo o primeiro dia ao lado do marido já adormecido, o sono não vinha para aquela jovem esposa, que resolveu atiçar mais um pouco a imaginação. Podia ser covardia querer proteger-se, lembrar de como era sua vida até aquele momento e não devia alimentar suspeitas quanto ao futuro. Tinha de olhar sua vida daí para frente com a paciência que lhe era peculiar. Amadurecia, e a sensação era de ser alçada a uma situação particularmente distintas da que até então experimentava, ares nunca dantes respirado. Uma certa angústia era natural que sentisse. A terra natal, a rotina de jovem dependente dos pais havia ficado para trás. Por fim, Geovana deixou-se embalar por uma feliz indiferença, além do que lhe fosse permitido questionar, e adormeceu, para acordar no dia seguinte, cheia de energia.

 Era uma jovem cuidadosa que iniciava o dia a dia de uma nova vida ciente de que por mais cuidado que se tenha, ou se receba, pouco serve de garantia, mas é provável que não aconteça o pior. A vida é sempre justa para quem não se atrapalha nos detalhes, aquele rosto ressentido pela felicidade do outro, que se deve ignorar. Entender que os impulsos são simples pretextos para desafiar a vida, que é convincente como vida e não como mero acaso. E o desafio para qualquer mulher à época, também para Geovana, não era apenas administrar a casa, mas acompanhar o que acontecia no mundo, um novo tempo que se impunha, as coisas acontecendo de forma acelerada. Mas a função do amor, além de construir, não seria também conservar, restaurar, promover, e até fazer milagres? A família pedia que fosse assim, como aquele casarão, ainda firme, apesar de séculos de vida, erguido muito antes dos dois recém-casados  terem nascido. O chamado pé direito bem alto, para dar livre trânsito ao ar, as pinturas nas paredes, belas paisagens tropicais, suas folhagens, com lindos pássaros empoleirados, que pareciam cantar para os moradores do local. Espectador de gerações, se aquele canário pudesse falar!... Mas iam continuar calado, como as árvores que circundavam o local, pensou a nova habitante. Já na cama, depois de tudo inspecionar, Geovana deu graças a Deus por aquele homem ao seu lado,  por aquele sono que chegou tranquilo, na segunda noite de casada.
           
                No dia seguinte Geovana olha pela janela e avista a igrejinha lá mais acima, quase no fim da rua uma linda igrejinha, grata surpresa! Acredita que ela está ali para aliviar seus temores, consolar sua possíveis dores. A fé que ia fortalecer as decisões futuras do casal, desde o início cada um com o sentimento de estar no lugar certo, ao lado da pessoa certa. E sem a angústia de serem politicamente corretos ela ia agir com bom senso, era da sua natureza. Cumpria com o marido a lei da reciprocidade, e nada mais importante que dar alegria a quem se ama, dar afeição ao que se quer, o que aumenta sua própria alegria, e maior é o que se recebe em troca. O caráter imprevisível e incontrolável da vida, mas para os que se deixam jogar para um lado e para o outro. A desonestidade das atitudes em particular, assim como das realizações dos governos, das pregações dos religiosos, o que cedo ou tarde se revela, e os infratores punidos. E o quanto é desonesta a modernidade quando ela frustra até as mais simples expectativas das pessoas. Pensando assim, a esposa de Vicente, avessa a todo e qualquer radicalismo,   deu graças a Deus pelo terceiro dia de casada, como haveria de ser os demais dias no casarão.
                 
                   Cinco anos depois.
                  Caía a tarde, e Geovana escreveu a sua querida irmã Marli: “Vou ficar longe de Vicente, o que é normal na profissão dele, mas não esperava tão cedo e que ele fosse para tão longe. Mas ele havia se alistado para atuar na ONG Médicos Sem Fronteira, e acaba de ser requisitado para um trabalho na Síria com os refugiados, prontamente aceito. Ele vai cumprir essa missão   espinhosa, além de perigosa. Não sei por quanto tempo vamos ficar separados! Ele já partiu, e estou com as malas prontas, vou deixar o local onde vivi dias produtivos e felizes. Fica a sensação do dever cumprido no casarão, as paredes, o teto, o assoalho preservados, toda a fachada restaurada, os insetos peçonhentos mantidos longe de qualquer ataque. Entramos em outra etapa de nossas vidas. Compete agora aos novos moradores continuarem a preservação, que não alterem sem necessidade. De longe acompanharei tudo.”
              
                   A notícia da partida não foi de todo uma surpresa para o casal, que não sentia medo dos desafios. As realizações e boas lembranças no Casarão iam com eles, em especial o casal de filhos, a menina ainda amamentando. Ela ia ficar com os pais, enquanto aguardava a volta do marido. O Oriente a pegar fogo, o que originou à questão dos refugiados. Um mundo distante, mas tão perto, das guerras por questões religiosas, o que era um mero pretexto para o selvagem extravasar sua sede de sangue. Cristãos sendo degolados por sua fé, um absurdo! A atenção de  Geovana se estendia agora para além da família, do seu país, do Ocidente.  E pediu a Deus que olhasse para seu marido, seus filhos, para todas as famílias. E logo pegou sono, na sua última noite na linda cidade do nordeste, que aprendera a amar. 

                   No rio de Janeiro, na casa dos pais, Geovana aguardava notícias do marido, um cristão no meio de radicais mulçumanos, o que era motivo de sobra para inquietar uma esposa. Pensava por quanto tempo a humanidade ia sofrer com a facção religiosa, autodenominada Estado Islâmico, e sua paranoia de querer explodir a civilização ocidental e cristã. O facão oriental a degolar cristãos diante das modernas câmeras de televisão. Medo têm os ignorantes de conviver com a civilização. E antes de adormecer Geovana rezou: Mãe abençoa teus filhos e nos livre de todo mal. Amém!  Foi assim até a volta do marido são e salvo, após cumprir aquela sua missão de paz com sucesso, tendo ainda muito o que fazer. Mas estavam preparados para enfrentar os desafios que se lhe apresentassem.