GALERIA VERMEER

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020




  FICÇÃO

                

              CASAMENTO À ANTIGA


"ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE."



Até aquele momento Margarida não havia pensado no sofrimento de sua única filha, quando então a viu a caminhar pela nave da igreja levando o único filho, em direção ao altar para casar. Por trás daqueles olhos fundos podia perceber a alma corajosa de sua filha, que nunca se deixou abater, e falava sempre que a realidade, insuportável, que fosse, fazia parte da vida. 

Mesmo magoada pela vida, Eva não era uma derrotada —  refletia  sua mãe, enquanto acompanhava a cerimônia de casamento do neto.  Nunca faltou coragem à moça apaixonada do passado, como também acontecia agora com seu filho. No caso de Eva, teria sido uma resposta a tudo que passara na infância? Disciplinada por um pai controlador, e por uma mãe empenhada, ao máximo, para a "felicidade" da filha, mas que não se esforçavam no amor e carinho, para construírem um lar onde a filha se sentisse feliz.  
                   
                Parecia um amor compulsivo de Eva por aquele rapaz, bem mais velho, que era empurrado para um casamento apressado. Mais que tudo, tinha a moça apressa de se ver livre do que a oprimia. O amor também pode ser opressor, qualquer amor, assim como o desamor. Houve resistência à união, que acorreu, mesmo sem o consentimento dos pais. E quando a filha foi receber a bênção da mãe após a cerimônia,  Margarida disse secamente:

— Espero que você seja feliz.

Eva respondeu:

—Tentarei, sim, minha mãe,  ser feliz.

Essa a relação mãe e filha. Nada de remorso, nada de autocomiseração. Uma aceitação disciplinada da vida, e o compromisso pessoal de viver cada momento, como tinha que ser. Dessa forma, Eva, aos dezessete anos, conquistou por lei o direito à independência. Como mulher, era sua grande, e até mesmo única, chance de vitória na vida. 
 Margarida ficou na sala com o olhar perdido sobre a cadeira vazia à frente, na qual Eva estivera sentada na despedida. Ao ver partir a filha, sentiu quase a mesma dor de um ano antes, quando seu marido, o pai de Eva, sucumbira à depressão. 

Com o tempo as feridas foram saradas. Ah, o abençoado tempo! Esse novo casamento fez a avó rememorar o passado...





quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020






                      CASO DE FAMÍLIA





Joana, completamente de  bem com a vida, chegou do trabalho, vestiu sua melhor roupa, afinal era um jantar, que importava, não tanto para ela mesma, mas um favor para seu pai, viúvo, conhecer sua noiva.  Ia permanecer atenta, mas sem parecer um cão farejador.  E o que adiantava farejar alguma coisa? Estava ali para a noiva conhecê-la pessoalmente, não o contrário, o que, de antemão, comunicou-lhe seu apaixonada pai.  

Depois das apresentações, ainda nos momentos iniciais do encontro, aquela moça, um tanto estranha, que entre outros senões, demonstra saber sobre a futura cunhada, coisas que ela mesma desconhecia. Foi quando Joana escutou sua voz interior falar: "Relaxa, Joana, seria pior se seu pai estivesse apresentando um homem para casar. Acontece".

Entenda-se que a maneira de se refletir os processos mentais é distinguir uma pessoa da outra. E dizem que o amor é capaz de realizar milagres. Em alguns casos, alguém acaba por ter de ceder, e muito. E como não era Joana quem ia casar com tal criatura, lógico, achou melhor deixar para lá.

Só muita ingenuidade que se pode ter uma boa convivência com alguém tão inadequada para o papel de esposa dedicada ao lar, que aquele senhor lhe propunha. Foi o que pensou Joana ao deixar o casal. Saíra antes da sobremesa, precisava chegar cedo na faculdade para terminar um trabalho de grupo. 

O amor, ou a perspectiva de amar alguém, ás vezes, engana. É quase como se encantar com uma paisagem na parede de um bar, ou ficar fascinado pela personagem de uma peça, e querer permanecer ali dentro. A peça O Fantasma da Ópera, por exemplo, quem em sã consciência quer vivenciar tais obscuridades? Apenas assistir à encenação, tão grandiosa quanto assustadora.

Joana estava numa obstinada descrença. Uma experiência bastante perturbadora, por se tratar de amor,  quando nada pode ser feito para evitar o que ia acontecer dali para frente. Sentiu um alívio por estar de volta daquele encontro. Precisava urgentemente certificar-se de sua realidade. 
  

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

domingo, 23 de fevereiro de 2020



         PARA REFLETIR NESTE SÁBADO DE CARNAVAL!





sábado, 22 de fevereiro de 2020






                   AMOR E CORAGEM





Joana acordou, ainda meio aturdida, sem entender bem porque estava naquele quarto estranho, a cama larga, mas dura. Era a segunda noite longe  de casa, o que acontecia a primeira vez em sua vida. Dormira como uma pedra, que os dias anteriores foram extenuantes, provas de fim de ano e a festa de formatura do segundo grau, com direito a retrato no quadro que a mãe fez questão de colocar em destaque na parede da sala.

Não fazia ideia de quanto tempo passaria longe de casa, ia esperar ansiosa a passagem de volta, não sabia quando. Sua mãe achara por bem que sua filha devia conhecer os parentes em Alagoas. Joana via pela primeira vez a esposa de seu tio, e ouvira alguém dizer que ela não tinha grande afeição pelos parentes distantes. De antemão, a tia Olga parecia desconfiar da moça que chegava a sua casa,  “disque” diplomada.

Bem, melhor evitar preocupação, deixar o tempo correr, pensava Joana. Lembrou as palavras da sua professora de religião: ”A cada dia sua aflição.” Não devia atrasar-se para o café da manhã com os tios. Teria outra vez aquele ovo frito com a borda queimadas e gema dura? Preferia cozido como faziam em sua casa. Prontamente contestada:

—Ovo cozido na água, fervido? Não mesmo, e digo mais, gosto não se discute.

Acontecera no dia anterior. Dessa vez a tia aguardava a sobrinha sozinha, sentada na cabeceira da mesa, repleta de patês, bacon frito, e o tal ovo tostado. A dona da casa acostumada a viajar para os States, ia todo ano a Las Vegas, de onde importou o cardápio. Um mingau de aveia seria muito bom, mas paciência, o que Joana logo percebeu que devia ter, e muita.
O café terminou cedo demais, conversar era o que aquela tia não queria, sem a devida curiosidade para com a sobrinha recém-chegada. E logo que viu a mesa vazia, pegou o baralho na gavetinha de um móvel e começou o seu solitário jogo de paciência. Paciência , o que parecia querer insinuava, com aquela garota boba ao seu lado.

Joana pensava no tio, a política lhe caia bem. Era uma pessoa educada, mas com o sorriso um tanto sarcástico. Perfeito para combinar com as sobrancelhas erguidas da sua mulher, davam até medo. Calma e mimada, segura na sua situação de filha única, Olga abusava disso, com seu comportamento de quase terrorista, a quem só faltava oportunidade para atacar. Ninguém ousava contrariá-la.

Só via uma saída para Joana, conformar-se com a situação. Mais um longo dia à frente e mais outro e outro.  Estava com um diploma na mão, e seria bom que pudesse organizar os dias de forma a não apenas deixar o tempo passar? Talvez ela devesse considerar aquele período como de reflexão. Algo semelhante a um retiro espiritual, como costumava fazer no seu colégio de freiras. Um longo retiro de trinta dias, ou mais, pensou.

Mas como sentir-se motivada espiritualmente naquela casa. A pessoa ao lado entretida no carteado, quando não estava na rua fazendo compras. A tia, sem meias palavras, falava para a sobrinha: “Não se ponha satisfeita demais com você mesma, Joana”. Também era lembrada da sua condição: “Pense em seus pobres irmãozinhos, que não estão tendo a mesma oportunidade que você!” Mas Joana não esquecia as palavras de suas queridas mestras: "A alma que se eleva eleva o mundo. "

Ao contrário do que sua tia dizia, Joana sempre pensava nos outros, nunca se colocava à frente dos demais, e se estava ali não era por vontade própria, e não via privilégio nisso. Podia estar tendo uma boa oportunidade, mas era muito jovem, apenas dezessete anos, a vida mal começara, e podia estar, sim, vivendo um bom momento da sua vida. Mas tinha certeza que outros viriam ainda melhores, para ela e para seus familiares.

E assim se passaram trinta dias. Joana já estava pronta para retornar quando recebeu notícias de casa, que seus irmãos mais velhos estavam vivendo momentos difíceis de brigas com seus cônjuges, e podia resultar em separação. Um período difícil para a família na terra natal. Fora do olho do furacão, Joana via a família com outros olhos. Aparentemente tranquilos, Clodoaldo e Conrado  revelaram-se obstinados ao casarem com pessoas, consideradas inadequadas. 

Mesmo que seus irmãos fossem santos, sabe-se que os santos têm suas paixões. E sendo humanos, como tal, estavam vivendo suas emoções, apaixonar-se e sofrer. Diferente a intenção de Joana, que também resolveu se arriscar. Tinha recebido uma proposta de emprego garantido no Rio, onde tinha uma tia querida de sua mãe, não ia desistir. Com coragem redobrada ia em frente, assim como os irmãos levaram seus casamentos corajosamente adiante. Uma vez que seja, a pessoa tem que se arriscar para fazer as coisas acontecerem. 

Fundamental é receber a vida com amor e coragem.