GALERIA VERMEER

domingo, 14 de julho de 2024

 



 

 

                             FELICIDADE  2



S. LUÍS - MA



            Todos falam em felicidade, dizem que querem ser felizes, mas quem sabe seu significado? Penso em uma mãe que dizia: “A felicidade para mim são meus filhos”.  O sentido que essa mulher especial dava à felicidade, o que certamente acontece com quem é realmente feliz. Certo que a felicidade não estaria longe, mas bem perto, ou melhor, dentro de nós. Vou tentar interpretar as palavras de minha mãe, que viveu um tempo de grandes mudanças no mundo, ultrapassando em 5 anos um século de vida. Daisy Dias Muniz passou grande parte do seu século de vida em meio aos acontecimentos dramáticos de duas grandes guerras, em contrapartida, vendo surgir os inventos que deram à modernidade o aspecto que tem hoje. E se parecia que o mundo havia virado de cabeça para baixo, também as pessoas passaram a experimentar o conforto, a saúde, a comunicação e o entretenimento,  como jamais se sonharia em tempos atrás.

Como minha mãe podia imaginar sua renúncia em escrever  cartas com aquela bela letra, da qual tinha o maior orgulho? Mas como boa comunicadora, adaptou-se muito bem à comunicação feita por telefone, paulatinamente instalado em todas as casas. Logo depois chegou a era digital, da comunicação com uma velocidade inimaginável, e lá estava ela pronta bater palmas, mesmo que lhe faltasse empenho para tal, mesmo com boa visão após a cirurgia de catarata. Leitura só as bulas de remédio, o que não dispensava a cada receita médica. Também lia as orações para netos e pupilas. A revolução de Gutemberg havia dado oportunidade às pessoas  adquirirem conhecimento pela leitura do texto impresso no papel, que há séculos  havia surgido na Ásia. Foi quando o conhecimento lentamente acumulado  passou a se difundir numa tão grande velocidade.

Para as donas de casa o fogão à gás foi libertador, que chegou quase ao mesmo tempo que a pílula anticoncepcional. Quanto a limitar por conta pópria o número de filhos, minha mãe nunca pensou em tal coisa, mas que viessem quantos Deus quisesse. Teve cinco, sempre dizendo que foi forçada a parar de engravidar por questões que iam além de sua vontade. Ter uma filosofia de vida nunca passou pela inteligente cabeça da minha mãe, que adotara a filosofia legada pela fé católica, que havia filtrado a máxima verdade do saber existente. Nunca esquecer que a vida era dádiva divina, e confiar na Sua providência.

E dona Daisy Dias Muniz tivera um século para pensar, ou para questionar muita coisa, inclusive, como seu pai morrera tão cedo abatido por uma depressão pós-operatória. Mas deixando-lhe o suficiente para confiar em si mesma e em que lhes pudesse ajudar na condução de sua vida, após suas apaixonadas escolhas. Sim, era apaixonada, em especial, pela vida, temendo a morte, que via acontecer à sua volta, quando não havia como prolongar a vida, sem os meios trazidos pela ciência, dos antibióticos e das vacinas. Os filhos bem tratados e medicados por Dr. Egídio, que receitava a dolorosa injeção de Cebion para as crianças, assim como o horripilante óleo de fígado de bacalhau. E todos sobreviveram, em especial, pela graça de Deus, como ela afirmava.  

A tristeza pode estar ao nosso encalço, mas, como dizia Daisy Muniz, tratemos de afastar mágoas, ressentimento e tudo o mais que nos possa entristecer. E dos encontros inoportuno com a tristeza minha mãe se livrava com a dádiva humana do riso. Uma ariana autêntica, boa de comando, tendo o riso como aliado, e nos encontros com os irmãos costumavam falar a língua do P, deixando os demais confusos, compondo charadas com eles, criando apelidos para as pessoas conhecidas, e por aí vai. Quando chegou aos noventa anos e comemoraram o evento com pompa, não achou muita graça na festa, que denunciava sua idade, e aos cem virava o rosto nos retratos com a parentada em volta, a  exibirem alegremente sua mocidade.  Além do mais estava viúva, título que a desagradou, mesmo que já estivesse com a idade avançada e o marido morrido perto dos cem. Com os filhos criados e cheia de netos e bisnetos, costumava receber festivamente todos em sua cas. Dizia sobre genros e noras: Quem beija a boca de um filho meu, a minha adoça   


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