MINICONTO
Deia
compartilhou os oito primeiros anos de vida com uma tia, irmã de sua mãe, e a menina
escutava a tia falar coisas importantes. Até que um dia lá se foi a tia. Mas o
casamento não deu certo, e a tia voltou para casa. Disse então para a sobrinha
que a vida dava ”tapa na cara”. Não demorou a tia arrumar outra vez a mala, e antes
de partir pela segunda vez falou para a sobrinha que a pessoa tinha de evitar, ou
contornar, uma situação difícil, em respeito à vida e também aos mortos, herança
recebida, e não há vida, nem morto algum que não inspire respeito.
A satisfação que a pessoa deve ter pela vida, e que se ratifique a herança, e as ambições sejam retificadas em seu benefício e da coletividade. As demandas individuais dos primeiros anos de vida estendem-se quase ao infinito. E a menina Deia nada tinha ainda que retificar, só ratificar seus sonhos. Sonha Deia! Dizia a tia, muito sábia, mas avisava que a sobrinha podia alcançar o que queria, sim, mas para concretizar seus desejos tinha que ter os pés firmes na terra, como ela, depois daquele grave erro. E não faltassem nunca motivação para a pessoa continuar, e até mesmo ter que arrumar motivo para aumentar suas expectativas.
A tia de Deia contou para a família que se
sentia na outra casa como uma passageira clandestina ou mesmo uma prisioneira, e
a intenção dela era valorizar o contrato social, e ter respeito, o que era
impossível fazer numa tão precária situação. Inimigos sempre estão à espreita, prontos
para atacar, seja por ciúme, inveja, desprezo. O que a família e a coletividade
exigem de cada membro é o interesse não egoísta, e se possa confiar
individualmente nas instituições. “Não dar a outra face para o tapa”, falou a
tia para a sobrinha na última vez em que se encontraram, e acrescentou: “Não engrosse a maré do descontentes, que afrontam
a vida em um mundo desalmado” — ela prestes a deixar a família pela terceira
vez, dessa vez vítima do mal de Alzheimer.