HUMANO EXTRAORDINÁRIO
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POR DO SOL EM S. LUIS - MA - 2024 |
Diante de uma situação embaraçosa que teve no passado, Maria só pode achar que sofre de autismo, um autismo leve, claro, no que ela acredita, quando pensa no caso. Estava no Mercado Central da cidade onde foi morar logo após seu casamento,
quando uma desconhecida aproxima-se e lhe fala: “Não sabia que o Paulo estava
noivo, eu era namorada dele.” Sem ter o que responder para a
moça risonha ao lado, olha para ela por alguns minutos, antes de seguir adiante nas suas
compras. Maria pensa, hoje, que podia ter respondido o seguinte: “Deixa comigo,
que eu vou acertar as contas com aquele boboca.” KKKKK. Recém-casada, não havia resposta a dar, estava conectada ao ideal de vida da mulher em seu tempo, que era casar e ter filhos. Havia conhecido o marido quando jovens, mas o namoro foi quase
todo por carta, um verdadeiro romance epistolar. Depois de curto noivado,
finalmente casaram-se. E teria sido por milagre que a jovem esposa esqueceu o
fato acima, que agora lhe vem à mente.
Maria não era
autista, e sim uma mulher corajosa, como as mulheres da sua famíli e muitas mais. Essa
coragem estoica, aliada às virtudes maiores da justiça, da prudência e do auto
controlo, e faz com que a pessoa adquira discernimento para reconhecer se está
no caminho certo, mesmo que seja difícil; a ter constância para não esmorecer, e
força moral para suportar os entraves
que encontre pela frente. “Sem
medo não há coragem” diz o psicólogo S. J. Rachman. A coragem que é uma decisão de quem percebe a
dificuldade, e delibera enfrentá-la para atingir seus objetivos. Ter consciência de fazer
a coisa certa, sabendo de antemão como agir. E ser uma pessoa corajosa não é simplesmente fazer o que quer.
Maria sabia
que podia fazer aquele casamente florescer, e os possíveis contratempos ao seu
plano de vida saberia como resolvê-los. E tendo tanto controle da situação
quanto uma garotinha, mesmo assim, foi em frente. Ia fazer tudo certo para atingir seus
objetivos. Havia nascido nos primeiros anos da Segunda Grande Guerra. E em
1945, quando a guerra chegou ao fim, ela podia sentir orgulho de si por já saber
ler e escrever, embora sofresse com a dificuldade em decorar a tabuada, e, pior
ainda, tivesse dificuldade na ortografia, ou seja, distinguir quando era ss ou
ç, e por aí vai. Dificuldades sempre
passam, e Maria gostava de atiçar a imaginação para a composição de um texto, ou descrição de uma paisagem, parte das
aulas de português.
Maria e sua sorte na vida, pelos grandes momentos que ela considera ter
valido a pena viver. Embora não tivesse morrido em combate, nem foi exilada, como
infelizmente aconteceu com os jovens idealistas, que sonharam com um mundo melhor, e talvez estivessem equivocados com os meios para atingir tal objetivo, e sofreram com a Revolução Militar de 1964. Pessoas que ela respeita e
admira, por essa coragem, que não teve de experimentar, Outra saga a dela, e não menos grave. E poder dizer, sem medo de
errar, que a luta pela vida, por si mesma, é extraordinária. O humano extraordinário.