Não são de hoje
as dissidências entre povos, atualmente a Europa em estado de prontidão contra
o terrorismo. Cresce a islamofobia, o antissemitismo e ataques ao
catolicismo em sua origem. A onda de preconceito que varre o Ocidente,
como também o Oriente, principalmente contra a moral de uns, que seria incompatível
com a de outros e suas liberdades. Os europeus queixam-se dos estrangeiros, com
poucas chances de serem absorvidos. Seria tudo isso, ou nada disso, a causa dos
atentados perpetrados por extremistas islâmicos no último dia 7 de janeiro em
Paris à revista Charlie Hebdo e ao supermercado judaico Huper Casher,ao todo foram trucidadas 17 pessoas, entre eles os 4 maiores cartunistas da
atualidade. Todos mortos à queima-roupa, por esses animais, que carregam ódio
mortal ao oponente. Terroristas apenas, e não como eles dizem, adeptos de uma
fé que, na realidade, repudia tais atos. Os extremistas assassinos sem fé, educação, sem nada. Uns loucos!
Bem verdade que a ocasião é imprópria
para críticas tão azedas, quanto as da revista francesa, que critica as religiões, quando elas
sofrem uma onda de preconceito, atitudes que os líderes do terror aproveitam
para atiçar o ódio daqueles que só querem ver a desgraça. Para os mulçumanos radicias, Maomé não pode ser retratado, muito menos sua fé
criticada, e ponto final. Mas não há como aceitar que se mate em nome da fé. O
intuito de domínio e de mais e mais poder, o que fazem através da intimidação,
do medo. Os católicos também atingidos pelas críticas da revista, e não se enfurecem, apenas protestam. A nova capa do Charlie Hebdo continua mexendo no vespeiro e traz a
figura de Maomé. Bom que seja sem timidez, mas no sentido de conciliação, a
charge menos agressiva, mesmo assim corajosa, onde aparece o Profeta com uma
imensa lágrima na face e carregando a frase adotada mundo afora, “Je suis
Charlie”. Palavras de solidariedade para
com as vítimas do terrível atentado. Encabeçando a charge da capa lemos a
frase: Tout est Pardonné. Tem gente
que não gostou, de um lado e do outro.
Vermeer tem algo a
nos dizer sobre as antigas dissidências entre Oriente e Ocidente.
No quadro Moça com Brinco de Pérola pintado
por Jean de Vermeer em cores luxuriantes dá crédito à cultura oriental,
em especial à ortodoxia religiosa. Além de ser uma homenagem um tanto irônica
que o mestre de Delft faz ao Islã ocidental, terminada a ocupação mulçumana. O
Oriente em parte responsável pelo
movimento de renovação que ocorreu no Ocidente, inclusive, o Renascimento. Grande
a efervescência cultural na Espanha islâmica, centro de discussões eruditas, de
estudo e leitura, pleno de poesia cortesã, onde o número de livros era muito
superior ao de volumes das maiores bibliotecas do Norte. Por tudo isso havia disciplina e tolerância entre as crenças, numa
convivência pacífica. Sendo Vermeer um cristão reformado, podemos observar,
pois, a ironia doartista, que pinta uma moça ocidental travestida de oriental, criação
de um mestre, cuja intenção, em especial, é informar, educar, instruir, o que é típico da
arte barroca.
A luminosa figura feminina
parece saltar da escuridão das trevas medievais. “Às trevas do Ocidente trazem os irmãos a luz do Oriente, e aos rigores
do fim das Gálias o fervor religioso do antigo Egito, por um viver solitário,
espelho do tipo de vida do céu.” Palavras ditas por Giullaume de
Saint-Terry ao amigo São Bernardo. E como declara em público o abade Alcuíno,
expoente da renascença carolíngia: “Grécia e Roma antiga não possuíam a pérola
de maior valor que era a fé cristã”. O Ocidente necessitando de se recristianizar, o que de início acontece
através da ortodoxia espiritual, representada pelo brinco de pérola da Moça,
que ainda leva na cabeça chamativo turbante. Uma peça masculina que o
pintor coloca com ousadia artística sobre a cabeça da nossa “oriental”. A parte
posterior do turbante em forma de coque de seda, parcialmente desfeito, na cor
ouro antigo, o ouro do conhecimento que jorrou do Oriente para o Ocidente. Na
realidade, um rolo compressor, e que se desfaz. Completa o adorno uma faixa em
azul, dando ideia de mar, as ondas formadas pelo tom mais escuro do azul. O mar
por onde navegam os europeus de cá para lá e de lá para cá, chamado de mar tenebroso.
Ainda o azul da religiosidade Mariana que haveria de se perpetuar no Ocidente,
após a separação das igrejas do Oriente e a do Ocidente, em 1054.
A pintura de
Vermeer nos remete ao célebre medalhão de Constanzo da Ferrara, cunhado em bronze para
divulgar o poder do sultão Mehmed, que passeava com desenvoltura pelos dois
lados do mundo, e fez de Istambul um centro de estudos ptolomaicos, que influenciou Copérnico. A escultura colocada a serviço dos
poderosos, do poder masculino, ditatorial. Mas o momento é outro, o metal
substituído por papel e tinta, para melhor facilitar a comunicação e promover a
palavra escrita, o progresso da civilização ocidental. A intenção da escrita e
da pintura diferente da escultura. O cultura oriental ainda no predomínio da
oralidade, afeito ao poder ditatorial, à crueldade, ironizada por Vermeer na
sua pintura. Os lábios entreabertos da Moça parecem balbuciar algo, e sangra,
por falar de uma civilização sanguinária, que em sua despedida estaria lançando
impropérios contra hereges, escravocratas, anunciando castigos. Parafrasear
maldição era costume em Bizâncio, no enfrentamento entre heréticos e ortodoxos.
Ou a moça entoa o Kyrie Eleison para
entrar em estado de contemplação, uma das chamadas coroas místicas da igreja
bizantina? Ou salmodiando? E quem sabe profere a prece canônica do islamismo:
Allah hu’ Akbar (Deus é grande)?
O Ocidente havia
evoluído em direção ao progresso, contando com a fé reformada, livre do
obscurantismo, emperrando o progresso no Oriente, que ia ficar para traz.
Avança, pois, o Ocidente em direção à modernidade, sendo de importância capital
a ética protestante, bem como a dialética jesuítica. O que sempre será, haja
vista as iniciativas do papa Francisco, que parece querer recristianizar a fé
católica. No passado os monges ocidentais haviam recebido auxílio do sábios
árabes, mas evoluíram em conhecimento, ao se dedicarem aos estudos, à leitura e
escrita, o que passaram aos seus adeptos, capacitando-os para ciência e
tecnologia, como ela veio a se desenvolver no Ocidente. Mestres na escrita
tornaram-se os monges também pioneiros na agricultura, na astronomia, na
economia, e tudo o mais, que fará avançar o Ocidente em direção ao progresso,
contando com a fé reformada.
Conclusão - O obscurantismo que emperrou o Oriente no
passado e ainda sobrevive no presente, em especial, nas células terroristas que
infernizam o Ocidente, como acaba de ocorreu no atentado em Paris. O mundo moderno,
avançado, racionalista, mundo globalizado, mas que vive um momento crucial,
difícil, com problemas a serem superados.
O caso do materialismo, a descrença em tudo e em todos, onde grassa a
maldade. O papa Francisco, aposta, todavia, na
convivência pacífica entre as diversas formas de cultura, de crenças, que tem
uma origem comum de paz e fraternidade. Como disse o papa em sua recente visita
ao Sri Lanka: “ É preciso vencer as desconfianças.” Diferença há, que devem ser
respeitadas, para que haja entre os homens de boa vontade uma convivência
fraterna, para que o bem vença o mal.