HAGIOGRAFIA
MÍNIMA
Nascidos de carne e osso, os
santos vivenciaram dores e alegrias, do nascimento à morte, como qualquer um de
nós. Mas, diferente de você e eu, alçaram as alturas no ideal cristão que
abraçaram, fé que os fizeram plenos de graça e chegarem aos altares, após
testemunho dos milagres concedidos por sua intercessão. Os santos constituem um
legado da igreja católica aos seus fiéis, que a eles recorrem, para os acudirem
em suas fraquezas, seus medos. Não se trata de idolatria a devoção aos santos. Cria-se
um vínculo entre os santos e seus devotos, que podem escolher o intercessor para
que os acuda em momentos particulares de angústia, ou na busca por elevação
espiritual. Não confundir os santos com gurus, psicólogos, nem procurar seus
ensinamentos em livros de autoajuda. Tem que vivenciar a crença verdadeira em
Deus e acreditar na capacidade humana de superar a dimensão trágica da existência
para alcançar estágio mais elevado da vida terrena e gozar a paz eterna.
Há os santos doutores da igreja, como
Santa Tereza D`Ávila, canonizada em 1622, conquanto outros, não canonizados, também
gozem de grande prestígio. Alguns esquecidos no tempo e que retornam, a
depender do local em que, de algum modo, são chamados às batalhas terrenas. A
seguir cito algumas santas, que adentraram as esferas celestiais, tendo
ultrapassado a tibieza humana. Mulheres extraordinárias, a começar por Santa Eufêmia,
nome que vem de eufonia, que significa “som agradável”, ou “boa
mulher”. Filha de um senador, foi com grande pesar que soube das perseguições
sofridas pelos cristãos no tempo de Diocleciano, e resolveu ir até o juiz
Prisco para confessar publicamente sua fé cristã, sendo aprisionada e martirizada.
Dos suplícios por que passou saiu a
santa ilesa de todos, como conta Santo Ambrósio em famoso escrito: escapou da
fornalha ardente, reduziu a pó as pedras atiradas contra ela, amansou feras,
até que achou por bem sucumbir traspassada por uma espada, indo juntar-se ao
coro celeste.
Santa Catarina (d.c.300), nasceu em uma família
nobre, e tornou-se uma jovem instruída em todas as artes liberais. Admirável
pela sabedoria e eloquência, exprimia-se com
belas palavras e clareza raciocínio, sendo eficiente e hábil na
conquista daqueles a quem se dirigia. Herdeira de pais de grande fortuna
“Catarina com dezoito anos de idade vivia sozinha em um palácio cheio de
riqueza e de escravos”, o que se dizia. Mas nunca sucumbiu à abundância que
amolece, nem à liberdade que tinha para fazer o que queria, não lhe faltando oportunidade
para pecar. O que fez como boa cristã foi ir em defesa dos irmãos de fé
ameaçados de morte em Alexandria, por não adorar os ídolos pagãos. E ao enfrentar
o tirano Maximino foi mandada para o suplício. Admirável em seus privilégios,
inclusive na hora da morte, como muitos santos supliciados, do seu corpo santo decapitado
jorrou leite em vez de sangue.
Estamos em pleno Renascimento,
acabaram-se os martírios, quando então surgiram
exemplos de santidade, que brotaram do espírito de solidariedade cristã. Santa
Ângela de Merici (1470-1540) nasceu às margens do lago Garda, em Desenzano. Órfã
aos treze anos, e sentindo-se penalizada ainda mais por uma ordem social
acentuadamente masculina, resolveu ir em peregrinação à Terra Santa, onde teve uma visão de uma escada por onde jovens mulheres
subiam rumo ao Céu. Com a inspiração divina fundou em 1535 a Companhia de Santa Úrsula, para a instrução
laica e religiosa das meninas para que pudessem assim escapar de um destino de
subordinação. Essa foi a primeira escola feminina na Itália. Através da santa o
espírito renascentista da confiança no saber e no conhecimento promovia consciência,
emancipação e igualdade nas mulheres.
A renúncia ao casamento e o convento foram
para muitas mulheres imposições familiares, quando não lhes era concedido o
devido respaldo da sociedade machista, para elas existindo “lugares de
recolhimento e de refúgio para situações adversas, até conflitos com o marido e
ameaças de parentes ou situação de perigo da própria honra”. O espirito de
solidariedade cristã para com essas pessoas desamparadas foi que moveu Santa
Francisca Romana (1384-1440) a fundar uma congregação, que recebeu o nome de Oblatas Olivetanas de Santa Maria Nova,
depois de ficar viúva. A santa nascera numa família abastada no bairro romano
de Parione, e sua congregação arregimentava mulheres dispostas a empenhar-se a
fundo nas questões sociais no contexto urbano e sua gritantes contradições.
Inúmeras ordens religiosas foram fundadas
no século XIX por iniciativa feminina, que de início visava apenas dar assistência
aos doentes, mas logo surgiram muitas instituições criadas para tratar os
problemas das mulheres pobres e trabalhadoras. A emancipação feminina tornava-se
questão das mais relevantes na sociedade, até os nos tempos atuais. Na época uma
abertura avançada, a solidariedade do sexo, que fez Madalena de Canossa
(1774-1835) fundar a ordem Filhas de
Caridade em 1808, em Verona, para assistência hospitalar e também cuidar
da educação e instrução das jovens. Já Maria Josefa Rosselo (1811- ), que não era tão afortunada quanto a jovem
anterior, mesmo assim, empenhou-se em fundar com duas companheiras de fé as Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia,
para dar hospitalidade à jovens negras resgatadas da escravidão, dentre outras iniciativas.
Uma geração de mulheres essencialmente devotadas à assistência, à instrução e às missões, entre os séculos XVIII e XIX, teve triste encontro coma Revolução Francesa, que investiu contra a religião católica com especial violência. Desses tristes acontecimentos destaca-se o martírio das 16 beatas Carmelitas de Compiège, acusadas de fanatismo pelo tribunal revolucionário de Paris e guilhotinadas em 17 de julho de 1794. Na guilhotina também morreram as onze beatas ursulinas de Valenciennes , condenadas, também em 1794, por terem reaberto sua escola apesar da proibição imposta pelos revolucionários.
Depois da unificação da Alemanha em
1871, o “chanceler de ferro” Otto van Bismarck atacou a autonomia católica, e
estabeleceu um rígido controle das instituições educativas. Muitas ordens
religiosas foram expulsas do território alemão, como a Ordem das Irmãs Pobres das Escolas de Nossa Senhora para a educação
de moças fundada pela beata Maria Teresa de Jesus Gerhardinger (1787-1879). O
banimento que também sofreu a ordem da Irmãs
da Caridade Cristã criado para dar assistência aos pequenos cegos e à
juventude em geral. Vítimas da fantasia teutônica de uma superioridade racial e cultural, que ia
dar no gênio do mal que foi Adolf Hitler.
Tantas outras mais santas mulheres, filhas de Maria, mãe de Jesus, que neste 25 de dezembro celebra-se o nascimento ocorrido há mais de dois milênios. E cada vez mais o mundo necessita da fé cristã, que redime e eleva o ser humano.
Bibliografia:
Legenda Áurea, Jacopo de Varazze. Companhia das Letras, 2003.
Dicionário dos Santos, Jorge Campos Tavares. Lello&Irmãos- Editora Porto, 1990.
Os Cinco Minutos dos Santos, J. Alves. AVE-MARIA, 2002.
Santos e Beatos, de ontem e de hoje. Globo, 2003.