BERÇO DE PEDRAS
A vida pode
ser como aquela visão carismática de um rio que corre suave e límpido sobre
pedras. Pedras que representam não só as dores, os sacrifícios, mas as alegrias, os prazeres, que tiverem consistência, e vão pavimentar a
estrada, essa corredeira de águas límpidas, como deve ser a vida. No conto
medieval de João e Maria, por duas vezes eles tiveram de partir da casa dos
pais em dificuldade para sustentá-los. Da primeira vez levaram pão seco para marcar
o caminho, migalhas que sumiram devoradas pelos pássaros. Da segunda fizeram um
caminho de pedras. Não havia destino certo naquela floresta medieval para onde
se dirigiram, tornaram-se prisioneiros da bruxa má e sua casa de doces.
Foi com
pedras que os lenhadores forraram a barriga do lobo, após matar o animal astuto,
que habita a floresta, sempre à espreita de uma presa, e que aborda Chapeuzinho com sua sesta de doces para a avó. Doçuras maternas, diferentes das
guloseimas dada por estranhos para seduzir os incautos. A menina devia seguir
pelo rio, caminho mais seguro que a mãe lhe indicou, aberto por doces águas.
Mas ela escolhe atravessar a densa floresta, habitada por aquele animal, o que
há de selvagem na natureza. Um rio caudaloso representa na modernidade
os avanços tecnológicos e científicos, do conhecimento, bem verdade que de
águas poluídas. O consumo que embala a vida moderna, hoje uma floresta
da insensatez, alguns perdidos nessa floresta.
Há os abandonam
o caminho do rio para seguir a estrada enlameada do vício, que leva ao delito,
à destruição, e as pedras hoje são de craque, consumidas como se fossem doces
regalos para alma. Não esqueçamos que sólidos
castelos são erguidos com pedras resistentes às intempéries. Pedras de verdade,
que representam sacrifícios e dores, com que se constroem os mais belos
exemplos de vida.
“De
pedras foi o meu berço.
De
pedras têm sido meus caminhos
Meus versos pedras quebradas no rolar
E
no bater de tantas pedras.”
Cora Coralina
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