MANSFIELD
PARK E O TERRORISMO
O terceiro romance de Jane Austen, de
1814, tem como cenário uma propriedade de Northamptonshire, e acontece como um
conto de fadas. Eram três irmãs Ward: Maria, que adota o título de Lady Bertram
ao se casar com Sir Thomas, dono de Mansfield Park; a Sra. Price, mãe de Fanny
a protagonista da história; e a Sra.
Norris, casada com o reverendo local. O casamento uma espécie de adoções da
mulher pelo homem, o status advindo dessa união, numa época em que a função primordial
da mulher era conquistar um “bom partido”, o que nem todas as belas e prendadas
mulheres conseguiam, o número delas insuficiente. As feias acabavam por escapar
das garras de um marido ruim. A sorte dependendo de certos arranjos, e Lady
Bertram se dá bem, o que não acontece com sua irmã, que está em dificuldades, e
sua filha vai para a adoção. De pronto a Sra. Norris recusa receber a sobrinha, que vai para o lar de Lady Bertram. Fanny Price troca, pois, a
decadente Portsmouth por novo lar, que não é um paraíso, mas onde pode aspirar
a melhor futuro. As mudanças que ocorrem a qualquer um, com obstáculos a
enfrentar, sem dia e hora para acontecerem, o perigo de cair em desgraça.
Jane Austen tem como exemplo a adoção do
irmão pelos Knights, mas a pessoa adotada no seu romance é uma mulher, sem
direito a nada, diferente de Eduard Austen, herdeiro dos pais adotivos. A Sra.
Price chega a estranhar que Lady Bertram tenha escolhido uma filha e não um
filho para adotar, as mulheres pouco valorizadas. Detecta-se a falta de
instinto materno na Sra. Norris, também em Lady Bertram. Intrigante que a
realização da mulher estivesse exclusivamente por conta do matrimônio e
maternidade, quando tal instinto nem existiria, segundo as feministas. Mas o
romance de Austen anuncia a moral vitoriana, uma cultura de respeito humano, em
que a solidariedade são valorizados, e que não se perca o sentido da vida. E nos
perguntamos, qual o bem de uma mãe de família omissa e irracional, como Lady Bertram? E que respeito
tem uma esposa racional e maldosa de um
clérigo, como Sra. Norris, que julga as pessoas por sua origem?
Fanny é a personagem principal de uma
fantasia literária, cujo feminismo é calmo,
moralista, a uma distância considerável das feministas do século XX, que podem
ser herdeiras do feminismo das outras personagens da história de Jane Austen. Maria e Júlia, irmãs de Edmund e Tom, filhos
do dos donos da casa, são ativas e barulhentas, causando estranheza na
recém-chegada. E o quanto faz barulho a instável Mary, irmã de Henry, os intruso no paraíso. É como se
essas personagens dissessem: precisamos aumentar o barulho e andar
mais depressa. São anti-heroínas, conquanto mais simpáticas aos leitores que Fanny,
a heroína da história. São Tomé duvidou da fé dos apóstolos fundadores da religião
dos primeiros tempos. O protestantismo viria dessa linhagem, a qual acredito pertença
Sir Thomas, o senhor de Mansfield. Mas a criação intelectual de Austen não é de
cunho religioso, mas crítica e intransigente. A difusão laica da moral através
de uma obra literária, que transmite aos leitores os preceitos éticos do
protestantismo, responsável pela formação da caráter inglês, assim como a fé
professada. A arte de escrever como meio de expressão e instrução, afinal foi
Lutero quem primeiro traduziu a Bíblia para o dialeto local e imprimiu o texto
sagrado. A liberdade de expressão inaugurada através desse feito heroico. Fanny
pensa como a autora, que a certa altura se parece com a maldosa mulher do
pastor, a Sra. Norris, sua tia e inimiga, até mesmo como Mary Crawford.
Portsmounth é o paraíso definitivamente
perdido de Fanny, pela tragédia que nele se instalou. Uma tragédia pessoal,
assim como existe a tragédia coletiva das divergências religiosas que resultam em
guerras. Mas Mansfield não é também um paraíso, Fanny entra choque com as
fúteis Julia e Maria, que só pensam em aparecer. Também não tem afinidade com
Mary Crawford, que fala mal dos seus antigos pais adotivos. O pior pecado é a
ingratidão para Fanny. No antigo lar Fanny tinha ainda duas irmãs, Betsy e
Susan, que brigavam por qualquer coisa, e chegam a disputar uma faca, um mundo
meio selvagem, o feminismo idem. Os jovens são apresentados como os pares bíblicos: Maria e Julia; Eduard e Tom, filhos
dos donos do paradisíaco Mansfield Park, mas que não são como Caim e Abel, nem
Esaú e Jacó, irmãos que traem e matam, inimigos. A rica e civilizada Mansfield
promove a união entre aqueles que frequentam a nobre residência. Mas quão frágeis
são a educação e a civilidade daquelas pessoas. E com pouca civilidade agem
também os irmãos Crowfords, Henry e Mary, fazendo o jogo do amor que dilacera
corações. Henry é um personagem shakespeariano, que flerta ao mesmo tempo com
Júlia e Maria, a exemplo de Henrique VIII que seduziu duas irmãs Maria e Ana Bolena. Já a
teimosa Mary (a católica Mary Stuart) recebe a afeição de Edmund, herdeiro de
Mansfield, mas que não lhe dá o devido valor, abrindo espaço para Fanny. Jane Austen fantasia a realidade
política e religiosa da Inglaterra à época. Acredita a autora no poder da literatura, da
arte laica, mas seu olhar é nitidamente moralista e religioso.
Em
Mansfield, formam-se e desfazem-se os pares, por conta dos caracteres de cada
personagem envolvido. Edmund, herdeiro de Sir Thomas, a princípio, escolhe Mary
como esposa, com o intuito de convertê-la. Mas a paixão romântica, fantasia teutônica de Henry por
Maria, já casada, atitude apoiada por Mary, que então perde o valor diante de
Edmund. Falta consciência moral em Mary, como em Maria, duas pecadora como
Maria Madalena, representantes do catolicismo romano? A heroína do romance poderia
ser Mary, mas ela se torna a vilã. E quem recebe o título é a virtuosa Fanny,
que no final vai ficar com Edmund a quem desde o início quis conquistar, e
já havia rejeitado Henry, antes da fuga com Maria. Fanny é grata, altruísta,
bondosa, correta, como deve ser uma verdadeira alma cristã. Para os atuais
leitores de Jane Austen a protagonista desse romance é uma chata, mas ela pensa
de acordo com a autora, na sua fantasia literária, sendo filha de um pastor da
igreja anglicana.
O
protestantismo sendo mais austero que o catolicismo, o que seria uma
contradição. O alcoolismo do marido da Sra. Price, assim como o adultério de
Maria Bertram, e ainda a falta de caráter da condescendente Mary, seria para a
autora falhas morais graves na família e na sociedade, culpa do modo de ser
católico, compassivo e supersticioso. Além de suas virtudes pessoais, Fanny, a
heroína da história de Austen é uma felizarda por ter William como irmão, digno
de respeito e admiração, seu pai substituto. Igual a Mary, com seu irmão,
Henry, que não é, todavia, uma boa pessoa, o que contribui para a diferença
entre as duas. Na falta de um pai, ou poder superior confiável, é importante
haver quem o substitua, na vida real, como na imaginação. O nome William remete
a William Shakespeare, crítico da corte elizabetana, de quem Austen seria
leitora assídua, de seu aprendizado literário. Henry, a Henrique
XVIII, um personagem shakespeariano, que flerta ao mesmo tempo com Júlia e
Maria, a exemplo do tirano inglês que seduziu duas irmãs Ana e Maria Bolena. Já a teimosa
Mary (a católica Mary Stuart?) recebe a afeição de Edmund, herdeiro de
Mansfield, mas que não lhe dá o devido valor, abrindo espaço para Fanny. Jane Austen fantasia a realidade
política e religiosa da Inglaterra à época. A autora acredita no poder laico da literatura, da
arte, mas seu olhar é nitidamente moralista e religioso.
As mudanças que ocorrem na vida das
pessoas, assim como nas sociedades, que evoluem. Ou regridem, como acontece com
o país de origem dos imigrantes, que partem da terra natal para melhorar suas
vidas, e podem não encontram o paraíso no lugar adotado, como esperam. Os
foragidos das nações em guerra, por exemplo, que chegam em grandes levas aos
países desenvolvidos e em paz, quando a adoção, ou inclusão, não é assim tão
fácil, principalmente quando não se está ali por vontade, mas por força das
circunstâncias. Uma questão crucial para quem chega, é preservar a bagagem
cultural, ou então assimilar a cultura local. Fora do contexto de uma cultura
universal, alguns acabam por se deixarem seduzir pelo radicalismo, pelo
terrorismo individual, ou em grupo. A literatura laica pode ajudar. Para que não
encontrem inspiração nas células terroristas, do Estado Islâmico, por exemplo,
que matam e morrem alegando que agem em nome de Alá. Uma
das tendências mais perturbadoras da atualidade é o terrorismo, que teve
ascensão abrupta no mundo, e requerer resposta urgente da civilização. O ser
humano é naturalmente violento, e o terrorista não é um ser diferente de nós,
apenas adotaram a violência como modo de vida, em um mundo que se afasta cada
vez mais da paz divina. No romance, Fanny vai ter sucesso ao final por
merecimento e certamente ajuda de Deus, é o que se depreende do texto
analisado. As demais personagens femininas não se dão muito bem. No mundo atual
há os que fazem barulho por nada, que dizem lutar por uma causa, mas não passam
de pessoas movidas, menos pela justiça e mais pelo ressentimento. Dizem ser
contra o racismo, a homofobia, a discriminação, mas querem é se mostrar, e são o
contrário do pregam.
HOJE
FAZ QUINZE ANOS QUE OCORREU O ATENTADO TERRORISTA ÀS TORRES GÊMEAS EM NOVA
YORK, ONDE MORRERAM MAIS DE DUAS MIL PESSOAS.
Nota: Minha interpretação deve, em parte, a A.S. Byatt e Ignês Sodré autoras do livro IMAGINANDO PERSONAGENS.