FERREIRA GULLAR, O POETA
Falece
no Rio de Janeiro, aos 86 anos, o maranhense Ferreira Gullar, um dos maiores
intelectuais brasileiros, nascido numa pacata S. Luís, onde viveu a mocidade,
berço de grandes nomes das letras no nosso país. O pai um homem simples, que
tinha um pequeno comércio, na verdade, uma quitanda, da qual o poeta lembra das
bananas já passadas sobre as quais voejavam abelhas, que delas eu também lembro,
expostas na entrada das vendas da nossa cidade querida. Impróprias para o
consumo humano — bom para as abelhas — as bananas, para as quais o filho de seu
Newton e dona Alzira fez dois poemas e mais um conto. Também nós outros habitante
da rua das Hortas, e ninguém se dava conta de tão nobre existência ao nosso
lado, coisas da vida.
José de Ribamar Ferreira Goulart, ou Ferreira Gullar, muito jovem ainda, escolheu o estudo, o convívio com os livros e, em especial, com os seus conterrâneos intelectuais. E mesmo sem estar de todo preparado para enfrentar a vida sozinho, deslocou-se para o sul do país, levando poucos pertences, ou quase nenhum, mas uma considerável bagagem intelectual, indo logo trabalhar na grande imprensa. Começava uma saga, onde não faltaram percalços, como a prisão por questões políticas, o exílio, e, após a anistia, voltar ao Brasil, livre do ódio e certo da vitória pessoal.
Ferreira Gullar, poeta, ensaísta, crítico literário, tradutor e biógrafo, editou ainda em S. Luís seu primeiro livro Um pouco Acima do Chão , declarado pelo próprio autor como “tateio inicial”, “um livro ingênuo”. Mas foi com A Luta Corporal, editado pelo autor em 1954, que o poeta se revelou em todo seu vigor intelectual. Para o crítico Paulo Werneck, “seria a fagulha de um novo tipo de escrita, que nos anos seguintes mudaria as noções tradicionais de verso, página, livro de poesia — em resumo, a própria poesia”. Com o Poema Sujo escrito no exílio, marcou definitivamente seu nome na história.
Reconhecido como um dos grandes poetas nacionais, o maranhense Ferreira Gullar mereceu ao longo da vida todo respeito e admiração, sendo indicado duas vezes para o Nobel. Resistiu ao fardão, mas há dois anos foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, tendo declarado na ocasião que “a arte existe porque a vida não basta”. A arte que revela o nosso envolvimento com essa consciência superior que existe no homem. Deus o maior artista, e o dom da arte dado àqueles que sabem extrair da vida encantamento e beleza. A arte poética que se constitui de revelações da humana consciência.
BANANAS
PODRES 2
Naquele
canto
em sombra
da
quitanda
a tarde — o tempo
o sol da tarde —
nas bananas virava mel
(aliás
mas água
do que mel)
em outubro de 1938
.............
INFINITO
SILÊNCIO
houve
(há)
um
enorme silêncio
anterior
aos nascimentos das estrelas
antes da luz
a matéria da matéria
de
onde tudo vem incessante e onde
tudo se apaga
eternamente
esse
silêncio
grita sob nossa vida
e de ponta a ponta
a atravessa
estridente
EVOCAÇÃO DE SILÊNCIOS
O
silêncio habitava
o
corredor de entrada
de
uma meia morada
na
rua das Hortas
o
silêncio era frio
no
chão de ladrilhos
e
branco de cal
nas
paredes altas
enquanto
lá fora
o
sol escaldava
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