CONTO
PACTO
DE AMIZADE
Marina
reflete sobre o fato de ter sido excluída por Celma do seu rol de amigos no
Facebook. Foram amigas do colégio, e não se viam pessoalmente há muito tempo, até
se encontrarem nas redes sociais. A exclusão significava que as duas iam deixar
de trocar mensagens e ver as fotos que postavam, tinham apenas iniciado a amizade virtual. Um carnaval
de ideologias permeia as redes sociais, onde são comuns as dissidências entre seus
radicais defensores. Para melhor entender sua exclusão, a conservadora Marina resolve
convidar Celma, esquerdista de carteirinha, para um encontro no café perto de
sua casa, em frente ao mar. Foram chamadas Luíza e Andrea, também antigas colegas
dos tempos escolares, encontradas nas redes, e que permaneciam fieis em suas
curtidas no face.
Marina
chega ao local no dia e hora combinados, vê uma senhora sentada na mesa de
canto, e logo percebe que ali está sua principal convidada, olhando distraída para o mar. Aproxima-se e
fala sem rodeios:
— Não
é surpreendente que estejamos frente a frente depois de tantos anos, e ainda
mais, que eu esteja aqui para lhe propor um Pacto?
A
outra volta-se, e mesmo intrigada com a palavra pacto, abre seu melhor sorriso, também estende os braços para a
recém-chegada, enquanto responde:
—Pacto?
Depende do que você propõe.
Em
seguida chegam as outras duas antigas companheiras de folguedos da infância. A
alegria é a mesma. Cumprimentos feitos, antes de darem continuidade à conversa,
pedem o café, com os biscoitinhos da casa. “Os mais deliciosos biscoitos que já
comi”, Marina avisa, e toma de volta a palavra:
—Não
vim aqui para provar que estou certa. Mas sei que não vale a pena dar rasteira,
nem chutar a canela do adversário. Diante dos debates atuais, ultrapolarizados
e superpolitizados, o melhor que se faz é um pacto. O que lhes proponho nesse
momento, um Pacto de Amizade. Deixemos de lado o que nos separa e procuremos saber
o que nos une, os valores que cultivamos, o que podemos aprender umas com a
outras.
Luíza
fica animada, fala com um sorriso radiante, o que é sua característica:
—Concordo,
Marina, a falta de entendimento e boa vontade tem dificultado a paz no mundo, provocado
guerras, a começar entre as pessoas. Há divergências que parecem
intransponíveis, quando temos simplesmente de procurar o que há de fundamento
nas ideias que não são nossas.
Andrea
logo está com a palavra:
—Não
querer ser a dona da verdade, jogar pedra no adversário, atirar a esmo, o que é
tão comum no presente momento de radicalização. É melhor que as pedras fiquem
de fora, as armas estejam recolhidas em local seguro. Afinal, estamos em tempos
de paz ou de guerra?
Marina
está outra vez com a palavra:
— Tem
gente que gosta de impor suas ideias, e ainda exige silêncio aos demais. Há
também quem acredite que conversando é que a gente se entende, o que significa
mais respeito e diálogo. É bom saber que as pessoas percebem as coisas de forma
diferente da nossa, o que depende de muitos fatores, ou seja, o lugar de origem
de cada um, como vive, a educação que
recebeu, a fé que professa. Vejam vocês como a coisa é complexa, e ainda hoje ignoramos tudo isso, desprezamos quem não
pensa igual a nós. Por trás das boas ideias há fundamentos morais onde certamente
podemos nos encontrar, e perceber, de antemão, os absurdos espalhados por aí, que
fatalmente causam cruciais desencontros. O fundamental não pode ser contestado.
Celma
esperava a fala da amiga que excluiu de sua amizade na rede social para se
manifestar:
— ...E
que se rompa com todo e qualquer radicalismo. Tem a pessoa, por temperamento,
que é mais capacitada para o diálogo, mas é questão de aprendizado, de abrir
canais para o saber que não é nosso. Opinião é opinião, razão é razão. E a
razão nos informa que devemos aprender uns com os outros. Ter em mente o que o
outro valoriza é um passo decisivo para o entendimento. Peço desculpa a Marina pela
exclusão.
Marina
conclui:
—Eis
o Pacto, queridas amigas, Pacto de amizade. E pelo que conversamos, estamos todas dentro, não é
mesmo? Não mais essas brigas tolas, que desconstrói, e continuemos com esse
nosso construtivo diálogo. Podemos continuar amigas, para sempre, mas nosso pacto
é de amizade, o que requer melhorarmos sempre. Quanto ao mais, inclusive, a
política, é pensar nas próximas eleições. Que vença o melhor candidato, ou a
melhor candidata.
Por
algum tempo, as quatro amigas ainda permaneceram ali conversando, até se
despedirem, depois de combinarem o próximo encontro.
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