domingo, 31 de outubro de 2021
SEMPRE
MEMÓRIA
Na
época de Ilza, tia de Maria, o gosto das moças para leitura estava focado nos romances de M.
Delly, pseudônimo de um casal de irmãos, livros encontrados na estante dessa tia, assim como outras obras de igual teor. Em maior destaque as obras de José de Alencar. O tio João repudiava leituras melodramáticas, e dizia para a sobrinha, aos onze anos: "Nem ‘Escrava...ou Rainha?’ Nem ‘O Tronco do Ipê’, viu mocinha?” Tais leituras seriam propiciadores
de amores inadequados. Ele tinha um pequena biblioteca, com obras de maior peso literário. Aos quinze anos, quando Maria convalescia de uma tardia
catapora e leu Crime e Castigo de Dostoievski e Anna
Karenina de Tolstoi. Tentou ler Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, e esforçou-se para entender Platão
em O Banquete e a obra Pensamentos de Pascal. Quanto aos livros
de autoajuda, Napoleon Hill e Dale Carnegie, não obtiveram seu interesse.
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Em
quatro cadernos escolares Maria fez seu aprendizado para o exame de admissão ao curso
ginasial, que tinha a dureza de um vestibular. Aprendeu ali a gostar de resolver
problemas matemáticos. Exemplo: A distância entre duas cidades é de
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Procurar trevo de quatro folhas no jardim da mãe Carmem era uma diversão para Maria nas tardes ensolaradas da capital maranhense. Algumas tardes ocupada nessa tarefa, enquanto cantarolava: “Eu vivo esperando e procurando um trevo no meu jardim. / Quatro folhinhas nascidas ao léu / E me levariam pertinho do céu. A meia-morada da família transformada em bangalô, com um pequeno jardim cuidado com esmero por essa avó. S. Luís sendo modernizada, quando ainda não tinha sido elevada a Monumento Universal de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio da Humanidade.
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Por
convenção, modismo, houve a geração de mulheres que jamais admitiu ter saúde.
Gabavam-se de ter a vida por um fio. Obrigadas à inatividade, se faziam de doentes
para legitimar sua fraqueza, para ser interessantes, até para se livrarem dos
assédios dos maridos e só assim evitar sucessivas gestações. Elas escondiam a
fortaleza nos desmaios. Geração após geração de mulheres sem vontade própria,
nem disposição para enfrentar a vida fora de casa, o que não seria nada fácil naquela
época. Discriminadas, aceitavam tudo pacificamente, ou passivamente, antes da emancipação feminina. O que não mais
se vê nos dias atuais, apregoar como real vocação da mulher cuidar apenas da
casa e dos filhos. O certo é que as mulheres das gerações passadas eram uma
fortaleza em todos os sentidos. Só não podiam se orgulhar da capacidade mental
que tinham.
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Naquele tempo não havia Dia das Bruxas...
Feliz Dia das Bruxas! Para quem festeja a data!
domingo, 24 de outubro de 2021
DIA MUNDIAL DAS MISSÕES
24 de outubro - instituída a data pelo papa Pio XI, em 1926
O MOVIMENTO DAS MISSÕES
O quadro Mulher com a Jarra de Água seduz o observador de modo especial por se tratar da representação de uma possível candidata ao trabalho missionário. Representação do humanismo da fé no mundo medieval. Saía a Europa das trevas das superstições e perseguições religiosas, e vendo possibilidades no mundo em expansão. Oportunidade de realização feminina fora do ambiente fechado do lar, ou de algum mosteiro onde muitas mulheres se abrigavam na época, por força das circunstâncias. A mulher e a civilização numa renovação pela riqueza das terras além-mar, e pela fé missionária. A Igreja assume então a missão de preservar a fé e educar os colonizadores, dever que se estendia aos povos nativos, de convertê-los e livrá-los da exploração.
A jarra de prata para água, o que a difere dos vasos fechados de cerâmica vistas em outros quadros de Vermeer, contendo produto destilado, ou oculto. A água do batismo cristão, a pureza da água, onde a vida se origina, sem água e sem luz não haveria vida. O mesmo se pode dizer da fé, que alimenta o espírito, a ponto de não haver bem estar sem ela. A água pura do batismo espiritual, próxima da abstração pela transparência, metáfora para a fé missionária, tridentina, contrarreformista. A mulher segura a jarra mantem o olhar posto no pálido vitral da janela semiaberta de algum mosteiro, de onde irá partir, na esperança que a fé católica lhe transmite. Ela está feliz por pertencer a algo que lhe proporciona segurança material e esperança de uma boa consciência, compromissada com o mundo em que vive. Importa a realidade que vai além da simples vontade e liberdade, tanto para a fé, quanto para o gênero feminino, que goza da felicidade de ter uma missão a desempenhar, fruto da ação católica, que passa a atuar fora dos muros erguidos para limitar seus anseios.
Há um caminho novo aberto pelas Missões em todo o mundo, o que diz o mapa pendurado na parede. A fé renovada, em ação social, após a ruptura protestante e lutas religiosas. Luminoso despertar para quem tem uma fé que a protege, com a qual pode ver o mundo, as outras pessoas, as coisas, como são de verdade. Conjurado o fantasma da angústia, da dúvida, do medo, emerge uma nova mulher, que vai ter consciência de si mesma, e que verá o mundo de modo mais límpido, transparente. Os valores cristãos contrapõem-se ao fogo das guerras, das ambições terrenas, que exacerbam as paixões na alma. Heroico o trabalho das Missões. Em vez de ideias sombrias, de fogos-fátuos, surgem as obras missionárias ancoradas na fonte viva da espiritualidade cristã. A trajetória do espírito em missão evangelizadora aliada à mente em busca do conhecimento racional, científico. As velhas certezas e incertezas se veem diante de novas esperanças, que chegam com a descoberta da natureza pura e exuberante do Novo Mundo. O mundo mágico da América, decantada por Pero Vaz de Caminha em sua carta, sobre as riquezas da terra brasílica, recém-descoberta, “em que se plantando tudo dá”. Já no século XVI o missionário espanhol Bartolomeu De las Casas, ao saber das ações cometidas pelos espanhóis contra os nativos nas Américas, declara: “Todos os homens são iguais no que diz respeito a sua criação.” Os missionários da Companhia de Jesus acusados de irem longe demais ao condescenderem com os povos do Oriente e suas filosofia, que se veem às voltas com as crenças dos nativos do Novo Mundo. Acusação feita pelos jansenistas contra os jesuítas que teriam adotado as superstições com uma boa vontade suspeita.
Vermeer teria absorvido ensinamentos dos jesuíta, vizinhos de sua casa em Delft, que lhe encomendaram um quadro sobre a fé. Fez dois: “Alegoria da Fé” e “Moça com Jarra de Prata”. Heroica a trajetória humana, suas paixões a par de um conhecimento que se quer racional, científico. No limiar dos tempos modernos encontram-se razão e fé. A busca é por uma vida interior rica, ao lado do também rico existir cotidiano, mundano, transoceânico. Grande parte das mulheres europeias boas religiosas, prontas para prestar serviço à Igreja como missionárias, também no exercício de outras funções sociais. O grande missionário jesuíta Antônio Vieira acreditava na conversão universal a cargo da Coroa lusitana, em sua aventura pelo mundo afora, seguindo o desiderato de um destino venturoso, após a derrota na batalha na África em que morreu o rei de Portugal, dom Sebastião, fato que se tornou uma lenda. Em sua “História do Futuro” Vieira, considerado “apóstolo das navegações”, abençoa o trabalho missionário, diz aos maranhenses: “Os homens de quem aqui fala Davi são aqueles que estão nos dois últimos extremos da terra onde nasce o dia e a noite; uns nos confins do Oriente, que são as Índias Orientais, outros nos confins do Ocidente, que são as Índias Ocidentais.” Lá “no fim do mundo”, de onde teriam buscado o papa Francisco para Roma, conforme suas próprias palavras.
Motivo de otimismo os europeus tinham com tanto ouro, prata e pedras preciosas, exploradas na América espanhola, depois no Brasil português, a partir de 1700. “Um Eldorado achado nos trópicos”, como se dizia. A fé caminhando ao lado do poder temporal, onde são travadas lutas tenebrosas na disputa das almas e das riquezas, no mar, na terra e no “céu”. A Europa seduzida pela filosofia oriental. Para o confucionismo, a principal meta da existência é o desenvolvimento do caráter. Na doutrina de Confúcio (600-500 a.C.) o pessoal é o social. O taoísmo de Lao-tsé (VI-V a.C.) prega que o “pessoal é a relação com a cultura”. O caminho do Tao é para que se forme uma sociedade harmoniosa com fé na natureza humana e tolerância para com os homens sem instrução e cultura, pois o que importa é a sintonia com o ritmo da vida, de acordo com o que lhe é próprio. Todavia, o taoísmo discorda da ideia da bondade inerente ao ser humano. Há que distinguir a filosofia oriental e a cultura primitiva dos nativos da Américas. Assimilação houve dos povos nativos; no Brasil, do deus Tupã, tem Iemanjá, já no México a divindade feminina é chamada de Pachamama. Para os católicos é fundamental crer em Nossa Senhora, perfeita e superior manifestação do feminino dentro da religião católica.
Aos
grandes educadores jesuítas no seu trabalho missionário devemos o bom costume da leitura, padre Vieira sendo o pioneiro, ao fazer chegar ao Brasil as primeiras publicações. Grande propagador
da fé católica, defensor dos nativos, contra o massacre cultural e o trabalho
escravo. No nosso país imenso é o legado das Missões, tendo os missionários
fundado o primeiro colégio em São Paulo, dedicado ao “ensino dos rudimentos”,
ou elementar, de ler, escrever e contar, justamente por onde tudo começa. A evangelização efetiva feita através da educação.
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
O PLANO DE DEUS
Ladeira de S. Luís -Ma |
Mês de novembro, a expectativa ainda maior para os festejos desse fim de ano, debelada a pandemia, com a vacinação em massa. Clara, Sofia e Valdete são moradoras do mesmo Condomínio, e juntas compartilham um curso de
decoração para o Natal, oferecido pelo shopping da Barra. É o último dia de aula, a confraternização acontecendo em um dos 16 Cafés existentes no local. As moradoras da zona Norte já se despediram, com votos de boas festas e feliz entrada de
ano, iam pegar o metrô. A três continuam sentadas, Sofia dando início ao assunto que acha ser importante abordar no momento:
— Às vésperas dos 80, constato o quanto mudou o mundo e mudamos
nós. E se há o que comemorar, até abençoar, o caso do feito heroico dos cientistas contra o covid19, também há muita coisa que desmerece esse ser racional. O homem parece que endoidou de vez ao imaginar que pode tudo, e chego a pensar que essas maravilhas tecnológicas podem acelerar o caos em que se vive. E se não cuidarmos enquanto há tempo, esse nosso tempo de vida terrena logo chegará aos estertores. Vocês, o que acham?
Pega
de surpresa, Clara não diz nada, Valdete se adianta:
— Como seres humanos, possuímos o
livre arbítrio, sendo da competência de cada um fazer suas escolhas, e o quanto
de erros a gente comete hoje em dia, como também cometeram nossos antepassados.
Estive pensando sobre o motivo pelo qual as pessoas particularmente optam pelo
plano B, e outros planos mais, em detrimento do plano A, que é o plano de
Deus, e viria em primeiro lugar, no que acredito. Estamos chegando
às últimas letras do alfabeto.
Clara está com a sensibilidade
aguçada, passa por um momento delicado, duas mortes na família pelo covid19. Dá
seu aparte:
— Fatalidades acontecem, e ficamos,
às vezes, sem escolha, não sendo incomum deixar que escolham por nós. Até mesmo
nos deixamos levar pelos planos dos outros, em detrimento dos nossos, acontece consciente
ou inconscientemente. Tem o que nos atropela, tem o que nos escapa...
Valdete responde de pronto:
— Sim, o tanto que nos escapa das mãos, o que nos foge das vistas! Ainda nos iludimos ao
pensar que a escolha é nossa!... Às vezes é melhor assim, deixar irem pessoas e muita
coisa. Mas que fique o melhor de nós mesmas. Complica quando a gente se arvora
em querer resolver tudo, até mesmo ser o que não é. O homem atingiu
o auge da incompetência para viver. Desaprendeu de pensar, e tudo lhe
chega mastigado, através dos aparelhos, que hoje são extensão de si. Informação que não nos serve para nada.
Clara
já havia pedido outro cafezinho, e antes de falar oferece às demais, que vão
também degustar nova rodada da preciosa bebida acompanhada de salgadinhos.
— Queremos
harmonia e encontramos o caos; buscamos coerência e o que nos chega é essa
atual visão de vida desagregadora; almejamos o pertencimento e não encontramos
lugar que nos caiba por inteiro. O que não falta são as vozes contraditórias, que
tentam apagar a chama da fé e fazer brilhar as trevas.
Há
uma pausa, até que Sofia, a mais velha, sempre coerente, conclui:
— Temos que valorizar quem somos de verdade, e não dar muita atenção ao que está fora de nós. Ainda temos tempo. E vocês, que estão com cinquenta e sessenta anos, têm muito tempo. Natal, marco da nossa civilização, preparemos a melhor celebração, mesmo que 2021 tenha sido um ano difícil merece ser celebrado. Certo que, além do que planeja o homem, há o plano de Deus. Dá para iniciar o novo ano tendo em mente a frase: “Ir em frente, e, mais ainda, resistir”.
Hora da despedida, combinam então outro encontro para as compras, e mais um papinho como esse, ainda naquele ano.