FICÇÃO
VIDAS PASSADAS
FÁTIMA BOUERES - FOTO S. LUÍS-MA |
Maria lembra o
dia em que assistiu o filme “Tempos
Modernos” de Charles Chaplin, projetado no cineteatro Artur Azevedo, local recém-adaptado
para cinema, o que já acontecia em outras partes do mundo. Ela estava só, e fazia
poucos dias que havia participado de um curso sobre a “sétima arte” na companhia
do irmão, que acabara de passar no concurso para o BB, e seu amigo de infância
e vizinho da Rua das Hortas. O curioso é
que daí para frente os dois sumiram de sua vida como em um passe de mágica, quando
até aquele momento parecia que sempre ia tê-los por perto.
A vida para
Maria tem seus mistérios, muda a cada passo, quer se queira ou não. As pessoas, os momentos não são sempre os
mesmos, mudam como o rio, que corre, e nunca suas águas são as mesmas que passam.
É simplesmente a vida, que passa, muitas vidas passadas, e o nome já diz tudo. Saber também que o final feliz pode acontecer
de um jeito ou de outro, confiar nas
mudanças. Permanente só a alma, que está além das coisas que passam. A vida e
seus arranjos, inclusive, quanto ao amor. E se o amor é tudo, pode até mesmo ser
vulnerável e inconsequente, como, ás vezes, se mostra. Apesar de tudo, amar.
— Senti sua falta esses anos todos,
pode acreditar. Você foi embora tão de repente!
Foram as palavras do rapaz para a moça naquele encontro que tiveram na
Rua Grande. Voltavam a se ver depois de alguns anos. Tinham convivido na infância e um pouco mais. Estavam perto da casa da avó de Maria e quando
chegaram à Praça da Alegria, sentaram-se no banco. Ela respondeu ao amigo Hugo:
—Reconheço que é bom ficar quando se tem de ficar, como acontece com você, que sempre esteve aqui, até agora
não sentiu vontade, nem teve necessidade de partir da cidade natal. Mas acho
que nossa história tem redobrada graça quando o destino nos leva para fora da zona de
conforto, e arriscamos conquistar o próprio espaço, foi o que fiz, e me orgulho
disso.
Incentivado por essas palavras, Hugo iniciou seu discurso:
—Posso dizer que no passado conheci uma moça que admirava, pena que
estive menos próximo dela do que eu gostaria de ter estado. Deveríamos ter ficado
mais perto. Nunca fomos namorados, não deu tempo, agora estamos casados com
outras pessoas, e só resta a doce lembrança daquele tempo. Um tempo bom de
viver, e tudo deu certo para nós, não é mesmo? As pessoas do nosso convívio
eram leais, amigas. Hoje sinto falta da empatia, gente que se estranham, mesmo
perto uma das outras. As redes sociais é o espelho disso.
Maria também admira o amigo, o tem em grande conta:
— Você sempre se mostrou como é de verdade, Hugo, sinto falta disso, as
pessoas hoje se escondem, nunca dizem nada sobre elas. Focam sempre nos outros,
e porque isso? Respondo que é para mais facilmente ter com que manipulá-los. Sempre é bom
ser o que se é, e poder confiar nas pessoas. Muito sou grata à minha
família, aos que me acompanharam de perto, pessoas positivas, que prestaram atenção em
mim, para incentivar meus pontos forte, que aliviaram minhas inseguranças. Só
mais tarde soube das más intenções das pessoas. Escapei por sorte delas,
mas eu estava preparado para me livrar
do que pudesse prejudicar minha vida.
—Isso também aconteceu comigo, confirmou Hugo. Gente que vasculha sua vida para tê-la nas mãos, e poder te manipular, até mesmo bater onde mais dói. Sabe de uma coisa, Maria, já estive na mira de gente tóxica, mas nunca deixei que acertassem o alvo. E como foi bom também ter convivido com pessoas do bem, comparadas com a água, aquela que jorra da fonte, ou desce cantando das montanhas. Mas na verdade as pessoas te tratam conforme os interesses delas, não dá para ser diferente. Reconheçamos que o importante na vida de cada um é ser leal a si mesmo.
A hora passou rápito. E foi com alegria que a avó recebeu Maria e seu amigo na Rua da Inveja para um cafezinho com beiju. E mais lembranças vieram à tona, que aquela senhora aos oitenta anos tinha intácta sua boa memória.
Excelente.
ResponderExcluir