QUARESMA
Entramos
no tempo da Quaresma, para o catolicismo, os quarenta dias que precede a
Páscoa. Finda a folia do carnaval, bom fazer um balanço dos acontecimentos, as
Escolas de Samba do Rio e São Paulo deslumbrando a plateia com seus luxuosos desfiles
de reis, rainhas, deuses, demônios, palhaços, bichos de espécie variadas, celebridades
e anônimos de todas as camadas sociais. A Mangueira ganhou o título de campeã
carioca, merecidamente. A verde e rosa esteve impecável, e com respeito apresentou
um inédito sincretismo: santa Maria católica ao lado da deusa do candomblé, Oiá.
Abandonada a nudez, característica dessas apresentações de uns tempos para cá, o
que só merece elogio e mais palmas. Em todo o território nacional, o povo
brasileiro - no papel de super-homem em saúde e animação - brincou sem parar, ninguém
preocupado com os problemas financeiros, nem com medo do mosquito Aedes
aegypti. Mas chegou a hora de retornar ao comedimento, ao pão nosso de cada
dia, ao trabalho, cada um com sua fé. Com tal espírito dou continuidade ao meu
blog.
Nem
tudo que aumenta o prazer está isento de perigo, ao contrário, são coisas perigosas,
na maioria das vezes. O que é normal, ou anormal, dependendo da cultura, do
conceito que se tem da natureza humana. A fé cristã e sua concepção de
santidade, diferente do assolamento eufórico que pode levar a pessoa, no
mínimo, a uma ressaca, igual um ébrio depois da bebedeira. Nos Evangelhos, exemplar
a santa e sóbria ceia, com o pão distribuído irmãmente entre os apóstolos, que
iriam continuar a missão do Mestre. Pão e vinho que alimentam o corpo, como a
fé piedosa alimenta a alma cristã. A espiritualidade como meio de elevar a alma,
não adoecê-la, nem rebaixá-la. Não querer banquetear-se, os desejos atiçados e
as possibilidades intelectuais e psíquicas exploradas sem comedimento. Há
crenças que faz apologia da morte, um crime grave. Até mesmo a prática de simples
transgressões, meras travessuras, mas de péssimas consequências para a vida
pessoal e social.
A Bíblia, livro sagrado do judaísmo, conta
a história de alguns homens de espírito superior, José, por exemplo,
personificação da supremacia moral, não a racial. O filho de Jacó obediente ao
seu Deus. Diferente do super-homem idealizado por Nietzsche, que bendiz o
eterno retorno, com a afirmação dionisíaca: ”Eu te amo ó eternidade!” Teria o
autor de Assim Falava Zaratustra dado
força a Hitler e sua ideologia racista. Mas é pela boca do demônio que fala o
visionário niilista Kirilov: “E então surgirá um novo homem e tudo se
renovará”, no livro Os Demônios do
ortodoxo Dostoievski. Para o escritor
russo o eterno retorno é “tédio obsceno”. Modos díspares de sentir a vida, o
religioso e profano. E antes que vençam as trevas e morra a espiritualidade,
sejam as almas tratadas das alteração do espírito, ou doença saúde mental e
psicológica.
Comedimento,
sobriedade, do que o mundo atual precisa, tão cheio de apelos, de coisas, no
mínimo, badulaques. Deixamos de amar as pessoas como elas são de verdade, de apreciar
nossa casa e a beleza do lugar em que vivemos. Perdemos até o amor pela vida, e
passamos a esconder nossa própria natureza humana. Temos que reaprender a amar,
a distinguir o que é bom, daquilo que nos assola, e desse modo possamos ter paz
na terra como no céu, e consequente felicidade.
Nem retornar, nem avançar, sem antes fazer um balanço de tudo, ver a situação
do nosso tempo. No momento atual, em constantes guerras. O extraordinário avanço
tecnológico, todo o progresso, nada foi capaz de promover a concórdia entre os
povos, a paz mundial. Um sério exame de consciência é o que de melhor pode ser
feito para seguir em frente. Individualmente refletir, confessar os pecados ao
padre antes da comunhão é um bom começo. Fazer contrição de fé em Deus, cultivar nossa humanidade.
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