É PRECISO TER CERTEZA
Maria
Daisy já estava sentada na mesa perto da janela quando a mãe chegou, tinham um
encontro todas quintas-feiras no Café Mirante. Não demorou para o trio se
formar com a chegada da irmã mais nova, Maria Paula. “O celular desligado”, foi
o combinado. E seguiram as três para o Caixa fazer o pedido, que incluía os
deliciosos cookies, um de cada sabor, três, para acompanhar os capuchinhos. Já de volta à mesa, a mãe fez questão de
mostrar as compras que acabara de fazer, estavam na sacola colocada na cadeira
ao seu lado.
—Não
costumo comprar por impulso, mas a cama de casal estava precisando de uma repaginada,
e foi bom eu encontrar essas ofertas, chegaram bem na hora. Vejam a beleza e
qualidade desse conjunto de lençol, e a colcha branca, meu sonho de consumo faz
tempo.
As
filhas de dona Glória confirmaram que a mãe havia acertado em tudo, e iam
aproveitar para fazer uma visita às lojas do shopping, em tempo de liquidações
de meio de ano. No ar o cheirinho agradável do café, o melhor do mundo, o
brasileiro, comentaram, que passaram a saborear com prazer. Alguns goles depois
e deram início aos comentários da semana, cada uma disposta a falar sobre suas
impressões sobre os acontecimentos pessoais, também o que se passava no país e até
no mundo. Maria Daisy falou do seu desagrado:
— Que
coisa mais feia o que ocorreu do outro lado do Atlântico, em um hotel de luxo
em Paris, esses jogadores multimilionários não têm jeito mesmo. Com raras
exceções, Zico, por exemplo, extraordinário craque do Tricampeonato de 70, além
de bom esposo e pai. Enquanto alguns outros jogadores dão raiva pelo que
aprontam. Ronaldo foi o que se viu, mas agora está quieto, dizem que por conta
de uma boa equipe de profissionais que o acompanham. Neymar está precisando, urgentemente,
de ajuda profissional nesse sentido.
— Minha
irmã, retrucou Maria Paula, tanta coisa mais importante para preocupar os
brasileiros, até mesmo boa parte do mundo, que se ocupa com os feitos dos
jogadores famosos no gramado e fora. Mas certos acontecimentos nunca deixam de atingir
a todos. A polícia já está cuidando do caso, se confirmado o estupro, ou o ato
libidinoso sem anuência, crime previsto no artigo 213 do Código Penal.
Manifestou-se a mãe:
— Duvidar é a sina desses nossos dias de muitos
claros-escuros, de tantos subterfúgios e mentiras, pois o que não falta é gente
querendo se dar bem a todo custo. Certeza não se tem de mais nada. Ou são as
evidências que a mente não mais apreende, também o olhar que não enxerga bem as
coisas. A grande dificuldade que há em superar as limitações intelectuais
impostas pela natureza, e o ambiente só faz piorar. E lá se vai o homem chutando
a bola e a vida, tropeçando e caindo sem parar.
Maria
Daisy estava com raiva:
— Parece
que só existe o estômago e os órgãos sexuais para satisfazer certos homens, e
até mesmo mulheres. A fome insaciável que há na espécie hoje em dia.
Maria Paula achou que o tema fome, merecia uma
explanação:
— Problemas
não faltam, pior o da fome, propriamente dita, a pessoa não tendo o que comer, enquanto
sobram apelos os mais esdrúxulos para, supostamente, fazer feliz esse ser
racional e emocional, o homem, que costuma perder a cabeça, em especial, quando
fica famoso. Não estou nada surpresa, é comum ocorrerem fatos como esse, em se
tratando de jogadores de futebol, geralmente, com a ignorância no mesmo nível
da fama, e faz o que faz, mundo afora:
— É o
nosso mundo, minha irmã, que abriga celebridades, jogando-as na fogueira das
vaidades, de onde saem chamuscadas, quando não se queimam de vez. Viver não é o
mesmo que existir. Depende do gosto de cada um, se a pessoa acredita, ou tem
dúvida sobre o valor que tem a vida. Mas é preciso ter certeza. A certeza do amor que dá sentido à vida. Não ignorar que
o banquete servido, com requintes e esquisitices, tem um preço a pagar, não apenas monetário. Tem quem diga que tanto faz o homem chutar uma bola rasgada
no quintal da casa, ou ser um craque dos gramados mundiais; tanto faz alguém
mal saber escrever o nome, ou quem escreve um livro de sucesso digno de um
Nobel, uma simples lápide vai marcar o local da sua última morada. Ninguém
escapa.
— Tem gente, Maria Daisy, que
prefere virar cinza. Por maior talento que alguém tenha, a vida castiga, mas
nunca sem motivo. De repente as pessoas hoje atingem a fama, passam a nadar em
dinheiro, daí pensam que podem tudo, e não hesitam em se arriscar para ser
feliz, ou simplesmente vivenciar uma hipotética e fugaz felicidade. As
facilidades tentadoras, principalmente para aqueles que são
negligenciados, sem uma boa formação, sem orientação abalizada, que lhes deem condições mentais e psicológicas para vivenciarem, sem encrenca, o dinheiro e a
fama que conquistaram nos gramados, ou nos palcos da vida.
Dona Glória voltou a falar:
—Orbitam em volta dos famosos e
endinheirados jogadores, os tais amigos ditos do peito, com a função de providenciar
o que for preciso para a satisfação pessoal do atleta, e disso tiram proveito,
lógico. Ignoram o gravidade de certas atitudes, sempre afoitos para gozarem as
delícias que o mundo oferece de bandeja a quem tem especial talento para
divertir o público. Teve o caso escabroso do goleiro Bruno, quando um de seus comparsas,
Macarrão, quis resolver o caso amoroso do goleiro, e achou que bastava matar a
mãe do seu filho. Os exemplos estão aí, para quem quiser aprender o que é bom,
ou se dar mal escolhendo o caminho
errado, até mesmo do crime. Quando o mais
seguro para viver bem é guardar as leis humanas e as leis de Deus, certo que a
justiça tarda, mas não falha.
Mãe e filhas resolveram mudar a
conversa para assuntos mais amenos, afinal, estavam sendo agraciadas com o
delicioso cafezinho, cientes que o melhor café do mundo era mesmo o brasileiro,
e servido com fartura. No exterior vinha pela metade na xícara, queixaram-se. Comentaram
ainda as festas juninas que já haviam começado a todo vapor, os arraiais montados
em muitos locais da cidade. Chegou a hora da despedida, e a costumeira bênção:
—Filhas,
Deus vos acompanhe!
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