quinta-feira, 24 de junho de 2021

 



            
                                  DOS CÓDIGOS

 

 

S. João no Convento das Mercedes S. Luís Ma
         


Ver sua irmã Lindalva completamente devastada pela doença era uma experiência dolorosa para Laurinda. Pensava na covardia do mal que se abate sobre a mente de uma pessoa, fisicamente saudável. Na última vez que foi visitá-la já não falava mais, apenas murmurava uma velha canção, depois apenas se movimentava sem parar, com o olhar distante. Sempre sorria quando lhe acariciava o rosto, por poucos segundos, logo voltava a olhar para o nada.  

Por trás daquele semblante alheio a tudo, havia vestígios da antiga beleza de corpo e alma. Jamais comprometida com coisas banais, circunstâncias não a abalavam, tão simples e ao mesmo tempo de modos refinados. O prazer que tinha de usar uma peça demodé, que lhe caia bem. O espelho era seu amigo, enquanto algumas mulheres nele se mirassem à espera de um milagre.

Por muito tempo acreditou-se que as damas deviam se ver no espelho com certa desconfiança. O espelho como ferramenta de autoengano. Na história de Branca de neve a madrasta falou: “Espelho, espelho meu há alguém mais bela do que eu?” No caso da irmã mais velha de Laurinda, ela não via quem a superasse, era, sim, a bela em tudo.

Tempos dos códigos, e Laurinda lembrava sempre o código gustativo, consistia em enviar iguarias aos amigos e familiares, por nada ou alguma coisa, por exemplo, como pedido de desculpa por falha no convívio recente. Lindalva obedecia à risca os códigos socialmente usados, além dos  próprios. Ainda solteira, encarregou Maria Pretinha de levar uma tigela de gemada para uma tia, que penava com uma forte gripe. Gemas com açúcar batido à exaustão pela própria empregada, acrescido do leite quente e da pitada de canela. A travessia de um quarteirão, sendo entregue menos da metade do produto...

Boas lembranças!...

 

 

 

 

 


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