ficção
UM CAFÉ NA VELHA PRAÇA
Clodoaldo
está diante do sobrado de azulejo, reformado para abrigar o recém-inaugurado
Café S. Luís. Antes de entrar admira a praça João Lisboa revitalizada, já fazia
tempo que ele saíra da casa velha para morar em apartamento do outro lado da
ponte. As antigas casas e sobrados abandonados a desmoronam, aqui e ali, a
cidade querendo renascer. Naquele sábado tinha um encontro com uma amiga, que
não via há muito tempo. Olga chegou logo depois, estava em visita à cidade,
onde os dois nasceram, e sempre tinham notícia um do outro.
Sentados
à mesa, perto da janela, admiravam a vista da igreja do Carmo, o café já
servido com os docinhos da região, Olga
adotou uma expressão grave, sugerindo que deviam falar em coisas mais sérias. O
propósito tem de estar posto sobre a
mesa, antes que o primeiro manjar seja degustado. Pessoas certas, palavras bem
escolhidas, atitudes idem. Ao seu lado o rapaz está preparado, não quer se eximir
em abordar a questão política que parece envolver a pandemia, que atinge a
todos indiscriminadamente. Só não tem intenção de defender essa ou aquela ideologia,
das tantas que grassam pelo mundo, já que não é “possuído” por nenhuma, acha
tedioso o discurso com qualquer pretensão. É o que de início Clodoaldo expõe
para a moça ao seu lado. Recebe a reprimenda:
— E
não será exatamente esse o argumento de um esnobe?
Ela
lembrava então a fala da avó, que dizia em qualquer situação difícil: “Agora é
que são elas!...” Tenta traduzir para si mesma esse código. Diz ao homem que a
acompanha, e continua:
— Absolutamente
certo você mostrar-se relutante em abordar a questão política, o que parece
envolver a pandemia no presente momento. As autoridades responsáveis ao
controle do mal, como também a população, que deve adotar hábitos de higiene e
deixe de se aglomerar. Regras que têm de ser obedecidas. Deixe-se de lado o que
causa dissidências. E nesse exato momento, queria que você compartilhasse
comigo algumas regras para ser uma pessoa especial na acepção da
palavra.
—Sim,
regras. E há os códigos usados por cada um em particular, que temos de
traduzir.
Disposto
a ser obediente às regras sociais, e decifrar o código da amiga, ele continuou:
— Há
coisas que encontramos em alguém especial, certo requinte das maneiras, como se
portar à mesa, e tudo o mais. E que também sabe se importar com os outros. Temos,
sim, que aprender a não ficar alheios à dor dos que nos cercam. Nesse momento,
por exemplo, há necessidade de uma
conduta apropriada de maior ajuda humanitária.
— Meu
caro, uma postura desleixada pode revelar fraqueza de caráter, assim como a falta
de atenção para com as pessoas. Em compensação a postura certa de empatia é digna
de um ser humano.
Ele
ofereceu um docinho à médica à sua frente. Olga agradeceu, disse que já estava
satisfeita, apenas que a servisse de um pouco d´água, o que foi prontamente
atendida, merecendo elogio:
—Diante
de mim tenho uma perfeita dama. Sóbria ao se servir, educada ao solicitar
ajuda.
— As
pessoas não devem chamar atenção sobre as falhas dos outros, o que você, Clodoaldo,
como psicólogo sabe bem disso. Sem deixar de estimular a que ajam corretamente.
Clodoaldo
entendia os códigos da médica infectologista, e em meio a um sorriso, declarou:
— Acho
que as pessoas podem ser convencidas e
convencer alguém a algo que tenha em mente, sem forçar qualquer situação.
—
Concordo plenamente. Temos experiência de vida para saber seguir em frente, ou
seja, em especial, fazer o que for necessário para minorar o sofrimento alheio.
Dizer sim, ou não, com mais segurança. Você acaba de perder sua esposa para o
covid19, eu me divorciei há pouco, estou aqui como cientista para ajudar nas
pesquisar científicas sobre o vírus.
Estão
no andar de cima do Café, decorrida hora e meia, após pagarem a despesa, descem
as largas escadas de ipê, percorrem a confeitaria, avistando a exposição dos doces
maranhenses, o famoso manuê, também
as delícias portuguesas, afinal, a cidade tem tradição lusitana. Atravessam a
rua, e já na praça comentarem a obra de revitalização, e após andarem poucos
metros param diante da estátua do jornalista homenageado. Despedem-se, ele vai
atravessar a ponte para curtir seu luto recente, ela terá de percorrer alguns
poucos quarteirões até a casa dos parentes, que a hospedam enquanto realiza seu
trabalho na cidade. Programam um novo encontro, e partem esperançosos de um
novo dia, pleno de amor nos corações. Livre da pandemia.
Nota:
Foi revitalizada a Praça João Lisboa na capital maranhense, e há notícia de um
requintado Café para ocupar um dos prédios abandonados, que circundam o local. Torcemos
para que aconteça. É ver para crer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário