terça-feira, 29 de junho de 2021

 

ficção

          UM CAFÉ NA VELHA PRAÇA

 






Clodoaldo está diante do sobrado de azulejo, reformado para abrigar o recém-inaugurado Café S. Luís. Antes de entrar admira a praça João Lisboa revitalizada, já fazia tempo que ele saíra da casa velha para morar em apartamento do outro lado da ponte. As antigas casas e sobrados abandonados a desmoronam, aqui e ali, a cidade querendo renascer. Naquele sábado tinha um encontro com uma amiga, que não via há muito tempo. Olga chegou logo depois, estava em visita à cidade, onde os dois nasceram, e sempre tinham notícia um do outro.

Sentados à mesa, perto da janela, admiravam a vista da igreja do Carmo, o café já servido  com os docinhos da região, Olga adotou uma expressão grave, sugerindo que deviam falar em coisas mais sérias. O propósito tem de estar posto sobre a mesa, antes que o primeiro manjar seja degustado. Pessoas certas, palavras bem escolhidas, atitudes idem. Ao seu lado o rapaz está preparado, não quer se eximir em abordar a questão política que parece envolver a pandemia, que atinge a todos indiscriminadamente. Só não tem intenção de defender essa ou aquela ideologia, das tantas que grassam pelo mundo, já que não é “possuído” por nenhuma, acha tedioso o discurso com qualquer pretensão. É o que de início Clodoaldo expõe para a moça ao seu lado. Recebe a reprimenda:


— E não será exatamente esse o argumento de um esnobe?

Ela lembrava então a fala da avó, que dizia em qualquer situação difícil: “Agora é que são elas!...” Tenta traduzir para si mesma esse código. Diz ao homem que a acompanha, e continua:

— Absolutamente certo você mostrar-se relutante em abordar a questão política, o que parece envolver a pandemia no presente momento. As autoridades responsáveis ao controle do mal, como também a população, que deve adotar hábitos de higiene e deixe de se aglomerar. Regras que têm de ser obedecidas. Deixe-se de lado o que causa dissidências. E nesse exato momento, queria que você compartilhasse comigo  algumas regras  para ser uma pessoa especial na acepção da palavra.

—Sim, regras. E há os códigos usados por cada um em particular, que temos de traduzir.

Disposto a ser obediente às regras sociais, e decifrar o código da amiga, ele continuou:

— Há coisas que encontramos em alguém especial, certo requinte das maneiras, como se portar à mesa, e tudo o mais. E que também sabe se importar com os outros. Temos, sim, que aprender a não ficar alheios à dor dos que nos cercam. Nesse momento, por exemplo, há  necessidade de uma conduta apropriada de maior ajuda humanitária.

— Meu caro, uma postura desleixada pode revelar fraqueza de caráter, assim como a falta de atenção para com as pessoas. Em compensação a postura certa de empatia é digna de um ser humano.

Ele ofereceu um docinho à médica à sua frente. Olga agradeceu, disse que já estava satisfeita, apenas que a servisse de um pouco d´água, o que foi prontamente atendida, merecendo elogio:

—Diante de mim tenho uma perfeita dama. Sóbria ao se servir, educada ao solicitar ajuda.

— As pessoas não devem chamar atenção sobre as falhas dos outros, o que você, Clodoaldo, como psicólogo sabe bem disso. Sem deixar de estimular a que ajam corretamente.

Clodoaldo entendia os códigos da médica infectologista, e em meio a um sorriso,  declarou:

— Acho que as pessoas podem  ser convencidas e convencer alguém a algo que tenha em mente, sem forçar qualquer situação.

— Concordo plenamente. Temos experiência de vida para saber seguir em frente, ou seja, em especial, fazer o que for necessário para minorar o sofrimento alheio. Dizer sim, ou não, com mais segurança. Você acaba de perder sua esposa para o covid19, eu me divorciei há pouco, estou aqui como cientista para ajudar nas pesquisar científicas sobre o vírus.

Estão no andar de cima do Café, decorrida hora e meia, após pagarem a despesa, descem as largas escadas de ipê, percorrem a confeitaria, avistando a exposição dos doces maranhenses, o famoso manuê, também as delícias portuguesas, afinal, a cidade tem tradição lusitana. Atravessam a rua, e já na praça comentarem a obra de revitalização, e após andarem poucos metros param diante da estátua do jornalista homenageado. Despedem-se, ele vai atravessar a ponte para curtir seu luto recente, ela terá de percorrer alguns poucos quarteirões até a casa dos parentes, que a hospedam enquanto realiza seu trabalho na cidade. Programam um novo encontro, e partem esperançosos de um novo dia, pleno de amor nos corações. Livre da pandemia.

Nota: Foi revitalizada a Praça João Lisboa na capital maranhense, e há notícia de um requintado Café para ocupar um dos prédios abandonados, que circundam o local. Torcemos para que aconteça. É ver para crer.

 

 


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