FICÇÃO
DAR E RECEBER
Hora do cafezinho, em conversa com Alice,
colega de trabalho, Clara expôs o que a afligiu por um tempo, e ainda a deixa
perplexa:
— Podiam até ter me derrubado, a certa altura
mal sabia quem eu era de verdade, e só senti isso quando pensei em desistir de
tudo. Estava sendo tratada quase como uma pessoa que não merecia atenção. E há quem
goste de provocar situações para que isso aconteça. E como é reconfortante nos
sentirmos aceitos, e não nos coíbam de ser quem somos de verdade, livres de
rótulos e expectativas frustrantes.
Alice
já havia passado por isso, aproveitou para tratar do assunto:
— Eu
também já me senti assim no passado, e sinto revolta até hoje. Procuro, ao
contrário, cultivar o dom de fazer cada um se sentir especial, que mereça atenção exclusiva. É uma delicadeza a
mais nesse mundo em que as pessoas se ignoram, ou se chocam umas com as outras.
Após
dar um gole no café, que acabara de ser servido, Clara foi adiante na conversa:
—Não
somos robôs, embora muita gente pareça ser com uma dessa máquina, criadas por
nós, e nos quer “esmagar”. Temos obrigação de educar a intuição e treinar nossa
mente, se quisermos vencer a batalha do saber contra a ignorância, o que leva tempo
e contínuo esforço. Não sermos limitados pelas expectativas dos outros. As
coisas acontecem, e nem sempre a gente pode ter o controle de tudo. Lembrei
agora quando meses atrás o médico disse que eu estava com câncer, fiquei perplexa
e com muito medo, mas em seguida pensei que ia vencer a batalha. Era uma luta
dura da vida contra a morte, e o inimigo está dentro de nós. Chegara a minha
hora, não de morrer, mas de lutar, e não deixei de acreditar que ia sair
vencedora. Além da fé contei com a ajuda de pessoas essenciais, inclusive meu
marido, atravessávamos um momento delicado no nosso relacionamento. Ter
consciência de que em algum momento a pessoa vai passar por momentos difíceis, seja
uma doença grave, ou coisa que o valha. É questão de arregimentar-se para a
luta que a vitória acontece.
Alice
enxugou os olhos das lágrimas que já escorriam pela face ainda jovem nos seus 63 anos, falou:
—A minha mais dura batalha até hoje foi quando lesionei a coluna, o que me obrigou a interromper um cotidiano, sempre corrido, que enchia meus dias. Fiquei incapacitada até de escovar os dentes, pentear o cabelo, e tudo o mais, totalmente dependente de outras pessoas, eu uma mulher tão amante da minha autonomia. Perguntava a mim mesma: O que eu fiz para merecer esse castigo? O que vou fazer da minha vida daqui por diante? Ansiosa e insegura, pensava que as pessoas podiam se afastar de mim e até deixar que eu morresse a míngua. Já começava a depressão pós-traumática, como falam os médicos. Ao contrário do que pensava, fui bem tratada, e, merecendo, ou não, recebi a atenção necessária para sobreviver. Curada da coluna e da depressão, aqui estou feliz da vida contando minha experiência para você, minha amiga, uma das pessoas que me deram seu indispensável apoio. Sou imensamente grata a você e a todos. A vida é isso, dar e receber.
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