ARTE
COMENTÁRIO SOBRE O FILME_MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA.
Não li o livro do zautora Tracy Chevalier, que foi adaptado para o cinema por Olivia Hetreed.
Não li o livro, mas tenho observações a fazer quanto ao filme, que concorreu ao Oscar 2004 e ganhou nas categorias: Melhor direção de arte, Fotografia e Figurino, prêmios merecidos, e ponto. Mas para quem gosta dos quadros de Vermeer, e também sabe um
pouco de sua vida é quase um tapa na cara do pintor. Nem de longe pode o
espectador ter uma ideia sobre o pintor de Delft, sua vida, sua arte, ou como
teria realizado essa sua magistral obra, como se proõe o filme. Falha em todos os aspectos da vida do pintor, e de
como ele realizava suas pinturas. Faz de Vermmer um bobalhão, que vive sob o
jugo da mulher, quando na verdade, o pintor teve uma vida tranquila na sua Delft natal, e, pelo que se sabe, vivia bem feliz com sua mulher, assim como com seus 14 filhos, a
maioria mulheres, que serviam de modelos para suas pintura. E nunca se ouviu falar que
a sogra de Vermeer, mesmo sendo uma mulher rica, fosse essa megera do filme, e
sim uma católica devotada. A família era vizinha dos jesuítas, o que teria
contribuído para a conversão do pintor do calvinismo para a igreja católica. A propósito, vai abaixo um interpretação livre do quadro MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA
MOÇA DE BRINCO DE PÉROLA

Uma luminosa face feminina salta da
escuridão no quadro Moça com Brinco de Pérola. Trata-se da obra mais famosa do pintor Joannes Vermmer, que faz parte a
extraordinária pintura holandesa do
Século XVII. Fiel representante do barroco, o artista de Delft trata de informar,
ensinar, criticar, aconselhar, e até mesmo fazer propaganda dos produtos da
modernidade, o caso do livro, que se vê em outros dos seus quadros, como nesse está
pérola. E como era comum à época o pintor realizava sua obra artística conjuntamente
com os membros de uma guilda.
No quadro uma moça ocidental está travestida de oriental, e que emerge da
escuridão da tela. No passado os cristãos latinos afastaram-se dos ortodoxos,
ao fizeram acordo com os invasores bárbaros, ganhando o status de ocidentais, mas
teriam entrado na Idade das Trevas. Situação que voltava a acontecer à época da
República holandesa, pelos acordos feitos dos ocidentais com a barbárie. O Islã
Ocidental chega ao fim, e Vermeer teria,
inclusive, feito uma homenagem aos dominadores, que tiveram seus méritos, mas
que partem sem deixar ou levar saudade.
A cristandade reformada vai seguir rumo à modernidade.
A ruptura entre as duas Igrejas
ocorreu pela primeira vez no papado de Leão I (440-461), a fé ocidental
disposta a se libertar das heresias, que assolam a fé oriental. Por sua vez, a
ortodoxia deseja ver-se livre dos bárbaros com os quais a Igreja de Roma faz
acordos, por força das circunstâncias, dando-se o primeiro cisma. O segundo
cisma, permanente, aconteceu em 1054, o Oriente outra vez se fecha ao Ocidente,
e o alvo é o peripatetismo árabe. Os latinos queriam evitar as heresias que pipocavam no Oriente, mas acabaram
filosoficamente empobrecidos em relação aos bizantinos. E o Islã em sua cultura
nascente ao tomar conhecimento dos filósofos
gregos em esparsos manuscritos preservados pelos monges orientais, os heréticos
nestorianos, fizeram os árabes herdeiros do conhecimento, que iriam
transmitir aos latinos com a criação do
chamado Islã Ocidental. Oriente cristão e ortodoxo outra vez se fecha ao
Ocidente, e o alvo é o peripatetismo árabe. Cristão e dialético, o Ocidente
batiza Aristóteles, como, séculos antes, havia batizado Platão. Mas para os
bizantinos a filosofia continua helênica e, por conseguinte, pagã. Os monges
ocidentais, todavia, daí evoluíram em conhecimento, o que levou seus adeptos a
se dedicarem aos estudos, à leitura e escrita, com o que se capacitaram para
ciência e tecnologia, que veio a se desenvolver no Ocidente. Mestres na
escrita, tornaram-se também pioneiros na
agricultura, astronomia, economia, e tudo o mais.
Alcuíno, monge beneditino, artífice
do renascimento carolíngio, dizia que “Grécia e Roma antiga não possuíam a
pérola de maior valor que era a fé ortodoxa cristã”. A pérola tradicionalmente
associado à ortodoxia. Mas a joia que emoldura o rosto da moça na pintura de
Vermeer, e dá nome ao seu quadro, oculta
amplo significado. A pedra preciosa é produzida naturalmente pela ostra após
ser invadida por grãos de areia, dando origem a uma rara e preciosa pedra, um processo
natural. No avanço da modernidade fala-se na técnica, que se associa às artes e
ofícios, e ocorre uma espécie de alquimia. Daí que o objeto translúcido e
cristalino, que orna o rosto da moça pintada
por Vermeer , não se trata apenas da luxuosa pérola oriunda da América, do Novo
Mundo. E se há o milagre natural, o caso da pérola, há o milagre da técnica, que
também faz surgir da areia o translúcido vidro, ou cristal, produto que começa
a ser comercializado, qu é visto e admirado em objetos variados, como as taças
nas mesas abastadas, nos vitrais das catedrais e nos espelhos dos palácios
ocidentais. Imaginar que se pudesse condensar tanta coisa em um objeto, o que
fez Vermeer com seu brinco de pérola, ou cristal. O brinco pode, inclusive,
representar uma expressiva gota d`água, água pura, transparente, que é o bem
mais precioso para a vida, e tem a água pura das nascentes, como tem as águas
dos mares, dos rios e, em especial, do canal que corta a Delft onde vive Vermeer.
Vermeer foi mais ousado ainda
colocando na cabeça feminina do seu quadro um turbante, de uso masculino. E por que ele fez isso? O Oriente fora o grande patrocinador do
movimento de renovação que ocorreu no Ocidente, através da ortodoxia
espiritual, como também através dos árabe que os ocidentais tomaram
conhecimento do saber antigo, em especial, de Aristóteles. Época de intenso
comércio pelo mar, e são as águas do mar que estão sutilmente representadas na parte
frontal do turbante, feito de tecido na cor azul a formar ondas, tal qual o mar
agitado da navegação. O azul também uma representação da religiosidade Mariana
vinda do Oriente, e que vai se perpetuar no Ocidente. Um significativo coque, parcialmente desfeito,
dá acabamento ao turbante, na cor amarelo-ouro. O ouro da riqueza espiritual,
mas também do rolo compressor da dominação, que se desfaz. Amplamente
valorizada está sendo a ética protestante e também jesuítica, uma vez que é
necessária no contexto cultural da progressista civilização ocidental. Momento
em que se anunciam grandes mudanças, possíveis de serem imaginadas, mas nunca
dantes realizadas, principalmente para as mulheres.
Cristão e dialético, o Ocidente
batiza Aristóteles, como, séculos antes, havia batizado Platão. Mas para os
bizantinos a filosofia continua helênica e, por conseguinte, pagã. Certo que no
Ocidente, ao tempo dos mulçumanos, havia disciplina e tolerância entre as
crenças, numa convivência pacífica. Na Espanha islâmica havia grande
efervescência cultural, um centro de discussões eruditas, de leitura e escrita,
onde abundava a poesia cortesã e o número de livros era superior ao volume das
maiores bibliotecas do Norte. Na sólida e próspera Holanda o caminho fora
aberto para o saber, ainda pouco científico, e em vários aspectos, bizantino,
de um passado esplendoroso. Mas o mundo ia avançar em conhecimento, como também
em descrença e barbárie, tanto que mais adiante no tempo, o ortodoxo
Dostoievski iria dizer, através do personagem Ivan Karamasovski: “Se a alma
é mortal e Deus não existe tudo é possível”. A crítica do escritor russo contra toda forma de moral e
ética a partir da imanência, ou seja, do plano da natureza, ou da história.
Justamente as armas do humanismo que iriam despontar como força propulsora do
progresso alicerçado na natureza e na história. Já para a ortodoxia só há
salvação com Deus, na transcendência e não na imanência.
Com o olhar voltado para o espectador, a imagem feminina que
é admirada em seu precioso colorido no quadro de Vermeer, não demonstra dor ou
tristeza. Com os lábios entreabertos ela
parece falar algo incompreensível, remoto. Estaria parafrasear maldições, o que era costume em Bizâncio no
enfrentamento com os heréticos. Ela
ainda parece esboçar certo desdém, e seria por esse novo mundo, que começa a
ser explorado, mas para ter sucesso requer que saia da encruzilhada em que está.
Católicos e protestantes a se matarem em guerras fraticidas. A moça parece balbuciar algo, e sangrar -– dizem dos
males das civilizações sanguinárias, de um lado e outro do mundo. Fala por sua cultura
oriental no predomínio da oralidade, com talento para a retórica. Ao contrário
da civilização ocidental onde a palavra escrita surge com toda força, após a
invenção do livro impresso. E não seria exagero dizer que por estar virada de
lado a moça lembra uma vaquinha do presépio católico, a dialogar com o próprio
rabo, ideia calvinista. Vermeer era calvinista antes de se converter ao
catolicismo por influência de sua esposa. Não é fácil entender Vermeer, que
pinta uma cristã ortodoxia, que poderia, inclusive, estar entoando o Kyrie Eleison para entrar em estado de
contemplação, uma das chamadas coroas místicas da igreja bizantina. O Mais certo é que ela
esteja a proferir uma prece canônica do islamismo: Allah hu’ Akbar (Deus é grande). Ainda podemos deduzir que
aquela moça pode representar uma pseudo-egípcia, a proferir palavra articulada,
força dinâmica de certa magia, em contexto cultural específico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário