sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

 ARTE

             COMENTÁRIO SOBRE O FILME_MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA.

         

          Não li o livro do zautora Tracy Chevalier, que foi adaptado para o cinema por Olivia Hetreed. Não li o livro, mas tenho observações a fazer  quanto ao filme, que concorreu ao Oscar 2004 e ganhou nas categorias: Melhor direção de arte, Fotografia e Figurino, prêmios merecidos, e ponto. Mas para quem gosta dos quadros de Vermeer, e também sabe um pouco de sua vida é quase um tapa na cara do pintor.  Nem de longe pode o espectador ter uma ideia sobre o pintor de Delft, sua vida, sua arte, ou como teria realizado essa sua magistral obra, como se proõe o filme. Falha  em todos os aspectos da vida do pintor, e de como ele realizava suas pinturas. Faz de Vermmer um bobalhão, que vive sob o jugo da mulher, quando na verdade, o pintor teve uma vida tranquila na sua Delft natal, e,  pelo que se sabe,  vivia bem feliz com sua mulher, assim como com seus 14 filhos, a maioria mulheres, que serviam de modelos para suas pintura. E nunca se ouviu falar que a sogra de Vermeer, mesmo sendo uma mulher rica, fosse essa megera do filme, e sim uma católica devotada. A família era vizinha dos jesuítas, o que teria contribuído para a conversão do pintor do calvinismo para a igreja católica. A propósito, vai abaixo um interpretação livre do quadro MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA


                                

                                        MOÇA DE BRINCO DE PÉROLA




Uma luminosa face feminina salta da escuridão no quadro Moça com Brinco de Pérola.  Trata-se da obra mais famosa do pintor Joannes Vermmer, que faz parte a extraordinária pintura  holandesa do Século XVII. Fiel representante do barroco, o artista de Delft trata de informar, ensinar, criticar, aconselhar, e até mesmo fazer propaganda dos produtos da modernidade, o caso do livro, que se vê em  outros dos seus quadros, como nesse está pérola. E como era comum à época o pintor   realizava sua obra artística conjuntamente com os  membros  de uma guilda. No quadro uma moça ocidental está travestida de oriental, e que emerge da escuridão da tela. No passado os cristãos latinos afastaram-se dos ortodoxos, ao fizeram acordo com os invasores bárbaros, ganhando o status de ocidentais, mas teriam entrado na Idade das Trevas. Situação que voltava a acontecer à época da República holandesa, pelos acordos feitos dos ocidentais com a barbárie. O Islã Ocidental chega ao fim, e  Vermeer teria, inclusive, feito uma homenagem aos dominadores, que tiveram seus méritos, mas que partem sem deixar ou levar saudade.  A cristandade reformada vai seguir rumo à modernidade.

                            A ruptura entre as duas Igrejas ocorreu pela primeira vez no papado de Leão I (440-461), a fé ocidental disposta a se libertar das heresias, que assolam a fé oriental. Por sua vez, a ortodoxia deseja ver-se livre dos bárbaros com os quais a Igreja de Roma faz acordos, por força das circunstâncias, dando-se o primeiro cisma. O segundo cisma, permanente, aconteceu em 1054, o Oriente outra vez se fecha ao Ocidente, e o alvo é o peripatetismo árabe. Os latinos queriam evitar  as heresias que pipocavam no Oriente, mas acabaram filosoficamente empobrecidos em relação aos bizantinos. E o Islã em sua cultura nascente ao  tomar conhecimento dos filósofos gregos em esparsos manuscritos preservados pelos monges orientais, os heréticos nestorianos, fizeram os árabes herdeiros do conhecimento, que iriam transmitir  aos latinos com a criação do chamado Islã Ocidental. Oriente cristão e ortodoxo outra vez se fecha ao Ocidente, e o alvo é o peripatetismo árabe. Cristão e dialético, o Ocidente batiza Aristóteles, como, séculos antes, havia batizado Platão. Mas para os bizantinos a filosofia continua helênica e, por conseguinte, pagã. Os monges ocidentais, todavia, daí evoluíram em conhecimento, o que levou seus adeptos a se dedicarem aos estudos, à leitura e escrita, com o que se capacitaram para ciência e tecnologia, que veio a se desenvolver no Ocidente. Mestres na escrita, tornaram-se  também pioneiros na agricultura,  astronomia,  economia, e tudo o mais.

 Alcuíno, monge beneditino, artífice do renascimento carolíngio, dizia que “Grécia e Roma antiga não possuíam a pérola de maior valor que era a fé ortodoxa cristã”. A pérola tradicionalmente associado à ortodoxia. Mas a joia que emoldura o rosto da moça na pintura de Vermeer, e dá nome ao seu quadro,  oculta amplo significado. A pedra preciosa é produzida naturalmente pela ostra após ser invadida por grãos de areia, dando origem a uma rara e preciosa pedra, um processo natural. No avanço da modernidade fala-se na técnica, que se associa às artes e ofícios, e ocorre uma espécie de alquimia. Daí que o objeto translúcido e cristalino, que  orna o rosto da moça pintada por Vermeer , não se trata apenas da luxuosa pérola oriunda da América, do Novo Mundo. E se há o milagre natural, o caso da pérola, há o milagre da técnica, que também faz surgir da areia o translúcido vidro, ou cristal, produto que começa a ser comercializado, qu é visto e admirado em objetos variados, como as taças nas mesas abastadas, nos vitrais das catedrais e nos espelhos dos palácios ocidentais. Imaginar que se pudesse condensar tanta coisa em um objeto, o que fez Vermeer com seu brinco de pérola, ou cristal. O brinco pode, inclusive, representar uma expressiva gota d`água, água pura, transparente, que é o bem mais precioso para a vida, e tem a água pura das nascentes, como tem as águas dos mares, dos rios e, em especial, do canal que corta a Delft  onde vive Vermeer.

 Vermeer foi mais ousado ainda colocando na cabeça feminina do seu quadro um turbante, de uso masculino.  E por que ele fez isso?  O Oriente fora o grande patrocinador do movimento de renovação que ocorreu no Ocidente, através da ortodoxia espiritual, como também através dos árabe que os ocidentais tomaram conhecimento do saber antigo, em especial, de Aristóteles. Época de intenso comércio pelo mar, e são as águas do mar que estão sutilmente representadas na parte frontal do turbante, feito de tecido na cor azul a formar ondas, tal qual o mar agitado da navegação. O azul também uma representação da religiosidade Mariana vinda do Oriente, e que vai se perpetuar no Ocidente.  Um significativo coque, parcialmente desfeito, dá acabamento ao turbante, na cor amarelo-ouro. O ouro da riqueza espiritual, mas também do rolo compressor da dominação, que se desfaz. Amplamente valorizada está sendo a ética protestante e também jesuítica, uma vez que é necessária no contexto cultural da progressista civilização ocidental. Momento em que se anunciam grandes mudanças, possíveis de serem imaginadas, mas nunca dantes realizadas, principalmente para as mulheres.

 Cristão e dialético, o Ocidente batiza Aristóteles, como, séculos antes, havia batizado Platão. Mas para os bizantinos a filosofia continua helênica e, por conseguinte, pagã. Certo que no Ocidente, ao tempo dos mulçumanos, havia disciplina e tolerância entre as crenças, numa convivência pacífica. Na Espanha islâmica havia grande efervescência cultural, um centro de discussões eruditas, de leitura e escrita, onde abundava a poesia cortesã e o número de livros era superior ao volume das maiores bibliotecas do Norte. Na sólida e próspera Holanda o caminho fora aberto para o saber, ainda pouco científico, e em vários aspectos, bizantino, de um passado esplendoroso. Mas o mundo ia avançar em conhecimento, como também em descrença e barbárie, tanto que mais adiante no tempo, o ortodoxo Dostoievski iria dizer, através do personagem Ivan Karamasovski: “Se a alma é mortal e Deus não existe tudo é possível”. A crítica do  escritor russo contra toda forma de moral e ética a partir da imanência, ou seja, do plano da natureza, ou da história. Justamente as armas do humanismo que iriam despontar como força propulsora do progresso alicerçado na natureza e na história. Já para a ortodoxia só há salvação com Deus, na transcendência e não na imanência.

 Com o olhar  voltado para o espectador, a imagem feminina que é admirada em seu precioso colorido no quadro de Vermeer, não demonstra dor ou tristeza. Com os lábios entreabertos  ela parece falar algo incompreensível, remoto. Estaria parafrasear maldições, o que era costume em Bizâncio no enfrentamento com os  heréticos. Ela ainda parece esboçar certo desdém, e seria por esse novo mundo, que começa a ser explorado, mas para ter sucesso requer que saia da encruzilhada em que está. Católicos e protestantes a se matarem em guerras fraticidas. A moça  parece balbuciar algo, e sangrar -– dizem dos males das civilizações sanguinárias, de um lado e outro do mundo. Fala por sua cultura oriental no predomínio da oralidade, com talento para a retórica. Ao contrário da civilização ocidental onde a palavra escrita surge com toda força, após a invenção do livro impresso. E não seria exagero dizer que por estar virada de lado a moça lembra uma vaquinha do presépio católico, a dialogar com o próprio rabo, ideia calvinista. Vermeer era calvinista antes de se converter ao catolicismo por influência de sua esposa. Não é fácil  entender Vermeer, que pinta uma cristã ortodoxia, que poderia, inclusive, estar entoando o Kyrie Eleison para entrar em estado de contemplação, uma das chamadas coroas místicas da igreja bizantina. O Mais certo é que ela esteja a proferir uma prece canônica do islamismo: Allah hu’ Akbar (Deus é grande). Ainda podemos deduzir que aquela moça pode representar uma pseudo-egípcia, a proferir palavra articulada, força dinâmica de certa magia, em contexto cultural específico.

 

 

 


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