ESCURIDÃO
Décadas atrás os apagões eram constantes na cidade, as pessoas dentro das casas sem ter o que fazer no escuro, e mais o intrigante silêncio das crianças. Do lado de fora também escuro, sem lua. Na casa da Rua das Hortas a avó sem poder escutar a novela “O Direito de Nascer”, o rádio estava mudo como uma porta, e de volta para a cozinha, via que crepitava a lenha ainda acesa do fogão, uma tênue luz na escuridão. Mesmo que procurasse dormir, ela não ia conseguir, tinha um sono pesado, e se por sorte conseguisse dar apenas um cochilo ia acordar assustada, melhor ficar de olho aberto. A falta de luz acontecia quando ela começou a ler “Os mais Belos Contos de Terror”, que o tio comprara no Rio, e ficara fascinada com as duas primeiras histórias. Muito segura de si falou para o irmão ao lado, o que ele certamente não queria ouvir, que os mortos podiam aproveitar aquele breu para se libertarem da tumba e vir dar uma voltinha na cidade, até nas casas para matarem a saudade. Foi quando um ruído estranho — o que todos os sons se tornam numa tal ocasião, ou seja, ruídos ameaçadores. Os irmãos saltam do sofá e correm em busca de um local mais seguro, perto da avó, que indaga para si mesma: “Por onde Mariana Rosa andará àquela hora, naquela escuridão?” Medo de ladrão, ninguém tinha, coisa rara, os crimes eram passionais. A tia-avó das crianças chega falando da lua, que não era vista por estar cheia d`água, sinal de chuva. Deu um abraço nos dois, que mesmo assim continuaram imobilizadas no seu medo.
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