MEU TIO JOAQUIM
Lembro bem do tio Joaquim, uma doçura de pessoa, acolhedor,
amigo, bom conselheiro, o que sabem disso aqueles que se hospedaram em sua casa,
os parentes, como eu, solteira, e recém-casados, mais de um casal, que eu saiba.
Tivemos a oportunidade do seu incentivo para os estudos, inclusive, que nos
tornássemos servidores públicos, como ele, que era fiscal do consumo,
concursado. Falo aqui, porque a
tendência é a gente esquecer quem nos acolhe e ajuda em algum momento da vida, por
achar que a gratidão humilha, sendo assim, melhor reclamar disso e daquilo que
sofreu. É o que tenho a dizer antes de contar a história que segue.
Ficou estabelecido pela família que os rapazes iam estudar no Caraça, colégio
católico, que arrebanhava levas de estudantes em todo o Brasil, localizado a léguas
e léguas de distância de S. Luís, a ensolarada cidade praiana dos sabiás nas
palmeiras. Cheios de expectativas lá se foram meus tios-avôs, Antônio e Joaquim,
estudar com os padres Lazaristas, com quem iam se embeber de conhecimento e de fé.
Para tanto, os jovens maranhenses tiveram antes que vencer a Serra das Gerais, para
alcançarem o vale onde se erguia o conceituado colégio. Sacrifício que valia a
pena, de lá saíam grandes homens. Quase um exílio, ainda mais sem internet, lógico,
ainda não existia computador nem televisão, veículos de comunicação que
informam hoje a meninada, quase na mesma proporção que desinforma. O saber
adquirido nas fontes, ou seja, nos livros e na fé cristã. Quanto tempo eles
ficaram no Caraça não sei dizer.
Emergia uma sociedade entre guerras, voluntarista
e naturalista, mais que racionalista, os dois irmãos, ao retornaram à cidade natal, vinham com a
ideia fixa de encontrarem a felicidade na ordem da natureza, iam viver no interior,
longe das realidades e maldades da vida na capital, do que se queixavam. Seria
a fantasia rural dos filhos de dona Amelinha, também os casamentos por amor, ou
simples capricho, oposição à presunção burguesa da família, em especial das
irmãs, que mantinham suas almas urbanas e progressistas? As mulheres na época tendo
como única opção serem escolhidas por um homem, para lhes sustentar e dar filhos
para criar, ao que minhas tias-avós tiveram que aderir, meio a contragosto, quando
teriam sido profissionais exemplares, como foram mães.
Embrenharam-se,
pois, meus tios no interior maranhense, para logo estarem apaixonados, não
tanto pela natureza, citadinos como eram, mas por Flor e Santa, a quem prestaram
juramento, convictos do que diziam ao pé do altar: “Até que a morte nos
separe”. Embebidos de uma pura felicidade, o que seria o elo perdido da
humanidade. Ou felicidade seria simplesmente a paz consigo mesmo e com os outros?
O certo é que as pessoas na época não tinham aquela dúvida que acomete hoje a
maioria dos mortais, uma feliz estratégia da mente, pois ter sempre certeza,
paralisa, ou leva a atitudes, julgamentos e escolhas pouco racionais. A
felicidade que para Aristóteles estaria na virtude, o caso dos meus virtuosos
tios, que tiveram a sorte de suas escolhidas trazerem seus maridos de volta à
realidade, que era a vida na cidade, melhor ainda, na capital, e ali pleiteassem
um bom emprego.
O
certo é que, se há quem queira viver perto da natureza, outros almejam o
contrário, importante é que tudo acabe na santa paz. Quanto à minha avó e tias-avós,
elas nunca deixaram de acreditar na mente evoluída, no cultivo da boa
consciência. Adeptas do progresso burguês, penso que se vivas estivessem elas
travariam uma luta íntima para superar a descrença no “progresso” que se vê
hoje, mais ainda na consciência forjada na televisão e redes sociais. Uma
família abençoada, da qual tenho a honra de descender.
NATAL!
Presto aqui uma singela homenagem aos meus tios-avôs e tias-avós.
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