sábado, 5 de outubro de 2024

 



                                          O AMOR EM TEMPO DE MEDO

 

 

Maria está caminho da casa, que ficava a algumas quadras do cineteatro Arthur Azevedo. Ela acabara de assistir o filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin, e ia pensando na crítica do cineasta às máquinas, fomentada pelo medo, no início do século XX, época em que foi rodada a película, medo que se neneralizou, tudo no futuro ia dar medo. Passa a jovem por sobrados e casas antigas, ainda habitadas, sem poder imaginar que logo seriam abandonadas, e virariam ruínas. Já estava com uma ponta de saudade,  ia ausentar-se de S. Luís por algum tempo, e nem imaginava o quanto estaria distante desse caminho, tantas vezes percorrido, que parecia lhe ser traçado para todo e sempre. Tarde chuvosa, em que fora desanuviar os pensamentos no cinema, sentindo na pele os recentes acontecimentos, que iam mudar sua vida. Nada parecia mudar, mas tudo  mudaria, e nada seria como fora até ali.

Os pais de Maria e seus três irmãos mais novos moravam na Rua da Inveja. Arranjo comum à época, e ela foi residir na casa da avó, na Rua das Hortas, que naquele momento estava vazia, só restava ela. De repente tudo muda. O gato morre de velhice, o tio casa e vai morar no Rio, o irmão assume o BB no interior da Paraíba, e por fim a avó parte para o Rio afim de receber o apartamento que desalugara para atualização do aluguel, seu rendimento de viúva.  Era a última a partir, depois de um convite inusitado para concluir o segundo grau na Bahia e logo cursar medicina na capital baiana. A oferta veio de uma tia-avó com a ideia formada de fazer sua sobrinha médica, na então considerada a mais importante Faculdade  de medicina do país.  Médica, vocação que Maria desconhecia, mas certamente valeria a pena tentar, além de obter o ganho da convivência com aqueles parentes.

Mas naquela tarde a caminho de casa pensou ainda na surpresa que teria o rapaz vizinho e colega do irmão,  que costumava espreita-la à distância, em especial nas tardes quando Maria ia pedalar na praça com sua amiga, a dona da bicicleta. O outro, colega do seu irmão do Liceu Maranhense, já estivera em sua casa, mas logo depois  partira com a família para Recife, e de lá já mandara uma carta onde escreveu em Francês: “Nos somos feitos um para o outro.” Maria assustou-se com o veredito, era meio desligada, levando sua vida da forma que é para ser vivida, em família e na fé em Deus. A vida em aberto.

Maria não se formou em medicina na Bahia, acontece que a benfeitora, embora maranhense, estava saudosa do solo mineiro, onde morou parte da vida, e para lá quis retornar. A essa altura Maria, após concluir o primeiro grau na capital baiana, já tinha outro destino,  arrumar emprego no Rio, onde a avó estava no seu apartamento, que acabara de desalugar. E, quem sabe, entraria para o BB, como seu irmão? E lá se foi a jovem, sempre confiante. Acostumada a mudanças, mas sempre chorando a cada chegada e partida. Hoje em dia até quando vai passar alguns dias fora da casa. E não foi diferente naquele momento. A alegria vem depois, se vier— e vem—  basta acreditar, e ter coragem.

O amor vence  no final do filme de Charles Chaplie. Na vida, ou vence o amor, ou estamos  ferrados no eterno medo.

 

 



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