Maria
está caminho da casa, que ficava a algumas quadras do cineteatro Arthur
Azevedo. Ela acabara de assistir o filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin, e
ia pensando na crítica do cineasta às máquinas, fomentada pelo medo, no início
do século XX, época em que foi rodada a película, medo que se neneralizou, tudo no futuro ia dar medo. Passa a jovem por sobrados e casas
antigas, ainda habitadas, sem poder imaginar que logo seriam abandonadas, e virariam
ruínas. Já estava com uma ponta de saudade,
ia ausentar-se de S. Luís por algum tempo, e nem imaginava o quanto
estaria distante desse caminho, tantas vezes percorrido, que parecia lhe ser traçado
para todo e sempre. Tarde chuvosa, em que fora desanuviar os pensamentos no
cinema, sentindo na pele os recentes acontecimentos, que iam mudar sua vida.
Nada parecia mudar, mas tudo mudaria, e nada
seria como fora até ali.
Os
pais de Maria e seus três irmãos mais novos moravam na Rua da Inveja. Arranjo comum à época, e ela foi residir na casa da avó, na Rua das Hortas, que
naquele momento estava vazia, só restava ela. De repente tudo muda. O gato
morre de velhice, o tio casa e vai morar no Rio, o irmão assume o BB no
interior da Paraíba, e por fim a avó parte para o Rio afim de receber o apartamento
que desalugara para atualização do aluguel, seu rendimento de viúva. Era a última a partir, depois de um convite
inusitado para concluir o segundo grau na Bahia e logo cursar
medicina na capital baiana. A oferta veio de uma tia-avó com a ideia formada de
fazer sua sobrinha médica, na então considerada a mais importante Faculdade de medicina do país. Médica, vocação que Maria desconhecia, mas
certamente valeria a pena tentar, além de obter o ganho da convivência com
aqueles parentes.
Mas
naquela tarde a caminho de casa pensou ainda na surpresa que teria o rapaz
vizinho e colega do irmão, que costumava
espreita-la à distância, em especial nas tardes quando Maria ia pedalar na
praça com sua amiga, a dona da bicicleta. O outro, colega do seu irmão do Liceu
Maranhense, já estivera em sua casa, mas logo depois partira com a família para Recife, e de lá já
mandara uma carta onde escreveu em Francês: “Nos somos feitos um para o outro.”
Maria assustou-se com o veredito, era meio desligada, levando sua vida da forma
que é para ser vivida, em família e na fé em Deus. A vida em aberto.
Maria
não se formou em medicina na Bahia, acontece que a benfeitora, embora
maranhense, estava saudosa do solo mineiro, onde morou parte da vida, e para lá
quis retornar. A essa altura Maria, após concluir o primeiro grau na capital
baiana, já tinha outro destino, arrumar emprego no Rio, onde a avó estava no
seu apartamento, que acabara de desalugar. E, quem sabe, entraria para o BB,
como seu irmão? E lá se foi a jovem, sempre confiante. Acostumada a mudanças, mas sempre chorando a cada chegada e partida. Hoje em dia até quando
vai passar alguns dias fora da casa. E não foi diferente naquele momento. A
alegria vem depois, se vier— e vem—
basta acreditar, e ter coragem.
O amor vence no final do filme de Charles Chaplie. Na vida, ou vence o amor, ou estamos ferrados no eterno medo.
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