OBRIGADO!
Não desmereçamos
o que foi recebido da família, da sociedade, das instituições de ensino, que contribuíram para
nossa formação. A segurança que nos dá a boa educação e cultura, o apoio
financeiro e moral, para o melhor desempenho das responsabilidades impostas
pela vida, e se possa gozar de bom conceito dentro da sociedade. Por tudo que
recebi muito tenho a agradecer!
“Na casa da Rua
das Hortas minha avó Carmen cultivava
seu jardim. Lá para o fim da tarde ela fazia sua lista de compras com um lápis de ponta rombuda, ouvido grudado no
zumbido do rádio, o centro das atenções
na casa, onde a família escutava as notícias, acompanhava as novelas, o que se
vê hoje ao vivo e a cores na Televisão. O país inteiro ligado nesse quase
instrumento de guerra na época do segundo conflito mundial do século XX. O
radinho de pilha foi um grande avanço, que as pessoas passaram a carregar para
onde iam. Não tardou estarmos conectados ao celular, ou diante da televisão
e do computador; do mais pobre ao mais rico, todos sob o poder desses espetaculares
inventos da civilização, também vítimas de sua barbárie, que nunca deixa de
acompanhar o ser humano. A barbárie, das guerras, por exemplo, vistas no
momento em que acontecem. Os aparelhos de transmissão e comunicação
imprescindíveis na vida moderna, imediatista, ansiosa, a tecnologia aos saltos,
que muda as coisas a cada instante, sem
que se saiba se é para melhor.
“Ao chegar do
colégio encontrava os pacotes e pacotinhos de açúcar, manteiga, trigo, e outros
produtos, empilhado sobre o mármore da mesa, à espera da alquimia da avó que ia
transformar tudo aquilo em doces e salgados para festas. Deus lhe teria dito:
“Faz tua parte, que te ajudarei.” Já para Nazária, de meia idade quando me
entendi por gente, “o que o homem põe, Deus dispõe”. Ninguém a se sentir,
mesmo, muito seguro naqueles tempos, principalmente as mulheres; os homens
herdeiros do mundo no comando de tudo. A geração de entreguerras, anterior à
nossa, de resignação para a mulher; a de pós-guerra instrumentada com o
conhecimento para reverter a situação. Findo
o conflito mundial, o mundo ia passar por mudanças radicais, dentro de casa ou
fora. Por enquanto só a falta d’água incomodava a população, minha avó sem água
para as plantas, sua paixão. Não tinha gosto para criar animais, mas avisava que não se devia maltratá-los. O gato
da casa escondido debaixo do
“cantanhede”, o apelido do móvel, vindo da
pessoa de quem ele foi comprado, em estilo indefinido, onde o gato se escondia,
a poucos passos do corredor que dava para a cozinha.
“Meu irmão brincava
com seus soldadinhos de chumbo, em pleno ataque, quando escutamos pelo rádio o
fim de Hitler, consequentemente, término da guerra. Ecoou pela casa a voz indignada
do meu tio João: “Aquele lá era uma besta quadrada”. Encerrava-se no cenário
mundial a ação ridícula e perversa de um louco. Ano especial para mim o de 1945, e eu toda feliz aos sete anos,
com o lápis apontado caprichava na caligrafia do cabeçalho do meu primeiro
caderno escolar. Entusiasmada aprendera a ler e escrever, que tudo de bom
me adviria do grande feito. O trunfo
civilizador da escrita. As crianças sob os cuidados das mães; ora austeras, ora
de uma sofrida benevolência. Mães instintivas, ainda não adeptas de ideologias
permissivas, como a da autodeterminação das crianças, coisa para o futuro, de
pessoas compulsivas, ansiosas.
“A formalidade
do uso do sobrenome para os rapazes no colégio conferia importância ao orgulho
da família. Meu irmão bajulado, e eu jamais tratada como frágil e indefesa,
ainda bem. “Esta menina tem uma saúde de
ferro”, o que ouvia. As crianças bem cuidadas em nossa casa. Os meninos estimulados a progredir, enquanto as
meninas voejavam a sua volta. Aos quinze anos elas dispostas a casar, quando
deixavam para trás qualquer ambição profissional, sem pensar. As que não
demonstrassem desamparo, e sonhassem em
ter autonomia, eram consideradas
ousadas, poucas na verdade! Avisava madre Arruda: “Medo é coisa de satanás!” O
medo abusivo, que ninguém devia jogar com o destino, arriscar no desconhecido
e, sim, aprender a ter vontade própria, a lutar pela vida.
“Os recursos
financeiros da família tornam-se
escassos, depois da morte prematura dos chefes da família em das gerações
seguida, tempo de bonança que se foi. Mas o dinheiro nunca faltou, assim como o
afeto, as necessidades supridas a contento, sem as solicitações que iriam
surgir, com pai e mãe a se desdobrarem para satisfazer os anseios materiais,
deles e dos filhos. Nas reuniões familiares todos pareciam de bem com a vida,
pouco preocupados com a decadência da família, da cidade, do mundo saído da
guerra. Entrávamos em recuperação e tínhamos o futuro pela frente. As
expectativas femininas ainda calcadas na ambição da procriação, o que levaria
aos bilhões de habitantes do planeta, seus vorazes consumidores. “As crianças
tratadas como crianças de verdade, sem se envolverem com os problemas dos
adultos, bem verdade que eram, às vezes, relegadas a um segundo plano.
“Nem tudo um
mar de rosas, não mesmo, mas as mulheres, sempre habilidosas, com afeto e labor
cuidando para que os valores humanos – respeito e afetividade, por exemplo -
fossem preservados. Minha mãe, aluna
aplicada, poderia ter sido uma médica, ou pianista, mas casou com meu pai, sua
grande paixão, com quem foi morar no interior. Ficamos com minha avó, eu e meu irmão mais velho, para ter melhor formação escolar
na capital. Da avó Carmen temos que agradecer a acolhida, sua dedicação, seu
interesse pela nossa saúde e cultura, ela sempre dentro de casa, mas ciente do
que acontecia pelo mundo, notícias que colhia inclusive através das freguesas,
empolgada com a viagem de uma dela ao
Egito; queria saber da Europa, de Portugal, filha e esposa de português,
mas se contentava com o Oriente. Um privilégio conviver com essa avó,
principalmente, em S.Luis, cidade rica em tradição e valores culturais, de grande
desenvolvimento no Império, seu imponente casario eleito Patrimônio Cultural da Humanidade.” (Excerto do livro de contos “Sempre Memória”,
da autora deste blog).
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