SALVE
MARIA!
Na Anatólia, nome originário do grego e
associado a Mãe. Hoje faz parte da Turquia, onde ao longo do II milênio a. C. foi criado um grande reino,
encontro da civilização mesopotâmica e a cultura indo-europeia, com várias
divindades convivendo no mesmo panteão, fruto da síntese, assimilação. Esse modelo
retornará na época romana. Na região mesopotâmica foram encontrados em diversos sítios neolíticos estatuetas que
reproduzem uma imagem feminina, a reprodutora, no sentido de fertilidade da terra,
não era uma leitura histórico-religiosa. No panteão mesopotâmico, a deusa Inana (em acádio Ishtar), da fertilidade da terra, faz par com o pastor Dumuzi (Tamuz em hebraico e aramaico). O mito das bodas entre o
pastor e a deusa fala sobre renascimento e morte, fundamentado no ciclo das
estações. O sacrifício de Dumuzi e o desaparecimento da deusa, com sua descida
ás regiões infernais, provoca uma crise cósmica que esteriliza o mundo. A
realeza suméria, também cíclica, estava subordinada aos caprichos da divindade,
que se interrompe com a recusa de Gilgamesh
às ofertas de Ishtar. Na epopeia do rei de Uruk está presente o processo de
separação do homem da natureza, mito da fundação da inevitabilidade da morte,
ao mesmo tempo do limite e da medida da realeza humana.
O Império
Romano incluía a região asiática da Anatólia cuja capital passou a ser
Constantinopla. Faz parte da história de Roma a evocação das divindades “estrangeiras”,
fórmula ritual antiquíssima, pertence ao substrato indo-europeu. Roma republicana orientou-se mais no sentido
de realidade histórica, e não através dos mitos, segundo Paolo Scarpi. O patrimônio
cultural sistematizado e definido pelos pontífices. Os cultos que Roma teve de enfrentar, ou externa superstitio. O culto da Grande
Mãe frígia, Cibele, acolhida por Roma
por sugestão do Oráculo Sibilinos em
204 a. C. Também foi acolhido o culto da deusa Atargatis, envolvido com a revolta dos servos em 134 a.C. O primeiro imperador romano, Augusto (27ª.C. a
14d.C.) proibiu a celebração dos rituais de Ísis,
e Tibério ordenou que o santuário da deusa fosse demolido e a estátua jogada no
Tibre. Atitude análoga em relação à astrologia e à magia, com a suposição de
que o culto retirava do indivíduo a
responsabilidade pessoal e civil, inclusive a jurídica, uma vez que agia com o
próprio encanto, ou veneno. O segredo compartilhado por iniciados torna-se
fator discriminante. Os bacanais do
culto de Dionísio-Baco preocupava
Roma pelo seu aspecto “obscuro”, desagregador, já haviam sido condenados em 186
a. C. Os cultos greco-egípcios sofrem maiores hostilidades no senado
republicano de Roma.
O cristianismo foi
considerado em Roma como culto “estrangeiro”, ocorrendo perseguições as mais
cruéis contra seus adeptos que foram, inclusive, acusados de terem colocado fogo em Roma, coisa de
Nero, que era louco e odiava a própria mãe.
Roma imperial não era mais a Roma republicana (509 a. C. – 27 a. C.) e
diante da expansão tinha que legitimar seu poder diante dos súditos. A ideia era
a eternidade do Império e da própria Roma. O processo de divinização dos soberanos,
uma resposta à crise de valores e de certezas pela qual passava a sociedade à
época. O poder concreto dos senhores
produzia uma dinastia que não garantia uma existência no mundo e abria a
possibilidade para fugas ao esoterismo dos cultos dos mistérios e orientais,
até o ocultismo, a magia, o pensamento filosófico-religioso que de certa modo
prometia salvação para o presente. Constantino (272-337) sonha então que a vitória
sobre os inimigos do Império Romano devia acontecer sob a bandeira do
cristianismo, o que se realiza, dando início a uma nova civilização.
Dentro do
cristianismo o antigo culto à Mãe, ainda
no neolítico, se perpetua e renova,
depurado de toda mácula. Os Padres
da Igreja veem em Maria uma nova Eva, assim como Cristo é o novo Adão. Em vez
do fruto proibido, o fruto abençoado que Maria gerou por obra e graça do
Espírito Santo. A maternidade divina de Maria, uma descendente da casa de
David, consta dos Evangelhos, a partir de suas humildes palavras diante da
vontade de Deus para que ela fosse a mãe
do Redentor: “Faça-se em mim segundo a Tua
vontade.” Em seguida veio a saudação
de Isabel ao ver sua prima grávida:” ‘Bendita
és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre.” Palavras que
formam a “Ave Maria”, saudação que os católicos, que adotaram o culto a Maria,
repetem em todo o mundo ocidental, civilizado e cristão.
O culto à
Maria é especial, uma ritualística que santifica a vida, a família, e vai além
dos cultos anteriores às deusas Mães, das culturas primitivas. Fé que representa
uma modalidade universal de ver o sagrado na vida humana, seu destino ligado a
novos valores, possibilitando uma experiência religiosa mais rica, uma comunhão
divina simultaneamente mais “pura“ e mais completa. A fé na maternidade divina
triunfou após a proclamação dessa
verdade no concílio de Éfeso (431). Todas as prerrogativas que a fé cristã
reconhece em Maria, filha de Ana (o mito de Inana?), celebrada antes mesmo da
definição do dogma, com a festa da
Imaculada Conceição no Oriente, desde o sétimo século, e no Ocidente, desde o
nono. Finalmente o papa Pio IX proclama-a dogma de fé. Com a ressurreição em
Cristo, filho de Maria, se finda o ciclo de nascimento e morte, de reencarnações.
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