Sonho de uma Noite de
verão V
Filóstrato,
mestre de cerimônia de Teseu, avisa que o Prólogo inicia a apresentação dos
atores e personagens da peça, que trata de dois amantes ao luar, separados por
um muro: Fio fará o papel de Píramo, Flauta vai de Tisbe, Trombudo de Muro,
Faminto de Luar e Justiceiro de Leão. Muro entra logo depois do Prólogo, com Trombudo,
que jura ter uma fresta no Muro “por onde Píramo e Tisbe se falam secretamente,
e só por uns instantes.” Teseu recomenda aos nobres: “Píramo chegou ao muro,
quietos!” Aporta ás margens do rio Tigre a civilização bárbara
dos descendentes de Enéas, Príamo, para dialogar a civilização, a romana,
Tisbe. O encontro apaixonante do
Ocidente com o Oriente, como também do Novo com o Velho mundo. Píramo, contudo,
teme que a amada tenha se esquecido do encontro: “Ó noite que sempre acontece,
quando não é dia! E tu doce e lindo Muro que te ergues entre as terras do meu
pai e as do pai dela! Mostra-me tua fenda! Mas que vejo? Tisbe é que não vejo.
Muro mal que não mostra o paraíso. Maldigo tuas pedras que me enganam!” Ambas
as partes estão enganadas uma com a outra, conforme consta do texto. Teseu interfere:
“O Muro, dotado da razão devia também maldizê-lo.” Tisbe é que devia dizer “que
me enganam” e não Píramo, que passa a palavra à amada em protesto contra Teseu.
As artes e
artimanhas da vida faz com que permaneçam separados os amantes, ou as civilizações,
os saberes. Na política, a dissidência que havia entre o aristocrata Cícero e
democrata Catilina. Ou entre a política de Sólon e a filosofia de Pisístrato,
como diz Plutarco, eles se comunicavam através de uma brecha no muro. Muro
avisa antes de ir abaixo: ”Eu já desempenhei a minha arte”. Teseu dá o seu
aparte: ”Caiu o Muro entre os dois vizinhos.” Hipólita, transportada da
Tragédia, aproveita a queda do muro para criticar os atores: “Isto tudo é a
maior estupidez.” Mas aconselha que haja compreensão com o que está ocorrendo
naquele momento. Teseu anuncia: “Se não imaginarem deles o que eles próprios se
imaginam, passarão por artistas excelentes. Aí vem duas bestas soberbas, um
homem e um leão.” Diante daquela figuras elucubra a “bravura e discernimento”
que o personagem marceneiro/Leão pensa ter. Drama, não tragédia, o que
doravante vai ser a utilização da arma da astúcia, coisas de que passam a se
valer a política e o comércio.
Teseu, um leão
guerreiro, comenta do Leão personagem do drama que assiste junto com o nobre bárbaro
e o ateniense: “Uma fera muito conscienciosa”. Ao que Demétrio acrescenta: ”A
melhor fera que já se viu.” Lisandro dá seu parecer: “O Leão é uma valorosa
raposa.” Teseu: “... e discernimento de um ganso”. Demétrio conclui: “Quem
sempre ganha é a raposa.” Em seguida vai ser ouvida o homem/Lua que entrou em
cena junto com o Leão dizendo que a lanterna que carrega são os “cornos da
lua”: Ao que Demétrio aconselha que o alfaiate/Faminto a coloque na cabeça, ficando
em melhor situação que a do tecelão/Fio com sua orelha de burro. Teseu é mais
cruel: ”Ele não é crescente, os cornos desaparecem dentro das circunstâncias.” A
lua redonda, ou cheia do burro, desaparece, ou suas superstições. Um saber que
pode causar admiração, mas são “luz de vela”, ou “pavio queimado”.
O homem medieval
que possui matéria inflamável, muito instinto e apaixonado pelo absoluto, Píramo,
num ato extremo convida Tisbe: “Vamos nos encontrar na tumba de Nini”. Nini ou
Nino, rei da Babilônia. O sincretismo babilônico, ou do helenismo que retorna
ao mundo com as conquistas marítinas. O que faz o Leão rugir e Tisbe fugir
apavorada. “Bem rugido, Leão”, aparteia Demétrio. E quando Leão fuça o xale que
Tisbe deixou cair, diz Teseu: “ Bem fuçado Leão”. Enquanto o Leão ruge e fuça, a
Lua ilumina a cena para gáudio de Hipólita: ”Bem iluminado Lua”. Continuam,
todavia, separados Píramo e Tisbe , o que é uma ameaça para o mundo latino,
romano, que Tisbe representa, assim como o foi pra o troiano, quando Atenas, ou o saber grego, derrotou Troia. Também
houve o incêndio da biblioteca de Alexandria. Crimes praticados contra as
civilizações mal assimiladas. Píramo diz então: “Minha alma sobe ao céu.” Uma
farsa tal suicídio. Hipólita se manifesta: “A mim me parece que, por um Píramo
desse, a paixão não deve se prolongar muito. Espero que seja breve.” É quando
acontece a ruína de muitas civilizações.
Puck, que no
Sonho é a lenda, o poder intermediário, dá sua versão final ao drama encenado
pelos bufões: “Crepita já no fim a lenha, enquanto a coruja pia estridente,
recordando ao culpado sua mortalha”. A paixão que se apaga com a racionalidade.
Prossegue o espírito natural: ”Esta é a hora sem lua, em que dos túmulos
abertos saltam espectros errantes.” Um tempo de descrença que a alma atravessa.
Continua a fala: “ Nós duendes, que corremos atrás do carro da Hécade, fugindo
da presença do sol, que esquecemos no sonho da escuridão, vamos brincar, nem
ratinho vai perturbar nosso ninho. A vassoura na frente vai varrer para trás o
pó”. As lendas afastam as superstições, mundo da infância da vida, quando a
realidade se esconde até o amadurecimento. Dá-se o fim do Sonho com a saída de
Puck, a transição, pedindo que o aplaudam como amigo que foi, por ser benfazejo sonhar e acreditar nas lendas.
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