CONTO
A TIA LINDA DA MENINA
Início
da tarde, o sol já entrava pela janela, hora da tia da menina colocar o dedal
no dedo, enfiar a linha na agulha, e sobre o tecido esticado no bastidor
começar seu bordado, todo dia era assim, após descanso do almoço. A toalha de
mesa já estava pronta, agora era a vez dos guardanapos, o que escutara a tia
dizer para a irmã, mãe viúva da menina, que veio morar junto. Os balõezinhos encantavam
a menina, que puxava conversa, depois dos estudos, antes de descer à tardinha
para pedalar com a prima, dona da bicicleta. Pensava que seria ainda melhor se
a tia saísse com sua sobrinha querida para um passeio de bonde, dariam uma
volta, até podiam saltar em algum lugar para comprar aquela caixa de lápis de
cor, objeto de cobiça da menina, que a prima já exibia a sua na escola.
Pensamento bobo, as coisas caras, e poucos podiam ter, o jeito se conformar e
continuar observando o ir e vir da agulha no tecido azul cor do céu.
Quem dera fosse um céu o casamento para aquela
noiva, tão tranquila, mas às custas de medicamento para enxaqueca, há cinco
décadas que esperava a realização da promessa de casamento que lhe fizera o
noivo no baile de fim de ano. Ele era um estranho, mas que chegou fazendo
zoeira, e mesmo sob suspeita, despertou a cobiça de algumas moças da redondeza,
o que elas negavam veementemente. Cobiçado, ou não, ninguém podia adivinhar
o caráter de uma pessoa antes de
conviver com ela. Foi o que a menina escutou de uma convicta solteirona, tempos
depois. O certo é que moça alguma queria ficar solteira, ou seja, deixar de casar
e ter filhos, sem o que a vida perdia o sentido, não apenas para a tia da
menina, era assim para qualquer mulher, na época.
Entre namoro e noivado da tia lá se ia
meia década, a avó da menina contando o tempo, enquanto comentava com a outra
filha sobre o casamento que já estava perto de acontecer, e ela não sabia a
razão, mas sentia o coração apertar toda vez que pensava na filha indo embora
de casa com aquele homem. O noivo aceito com reservas, e que chegava para
visitar a noiva vestido como um dândi e trazendo balas nos bolsos, o açúcar
impróprio para as crianças, a menina de antemão avisada. Até que em maio, mês
das noivas, realizou-se o casamento. Erguido um altar naquela mesma sala, o
padre amigo da família dando sua bênção e desejando aos nubentes os melhores
votos de felicidade, em nome de Deus. O
casal ia morar não muito longe da casa onde a noiva nascera e se criara
Hora de ir para o novo lar, local que a esposa
adentraria carregada nos braços do seu eleito, tudo dentro dos conformes. Mas
ainda na calçada, em frente à porta, eis que surge uma figura sinistra, era um
matador de aluguel, que dispara a queima-roupa um tiro certeiro, que foi parar
na coluna do marido da tia da menina, e o deixou paraplégico. O crime fora encomendado
pelo pai de uma moça desvirginada pelo ainda noivo da tia da menina, que fugira
do compromisso de casar. Fato passado, a menina ia visitar a tia na sua nova
residência, e a encontrava sempre debruçada sobre a máquina de bordar, de onde
tirava o sustento dela e do marido, além dos agregados, inclusive a filha que
o marido tivera antes de casar e a mãe morrera no parto.
O
casamento podia ser anulado, por engano de pessoa? Podia, mas não devia, ou devia
mas não podia, tanto faz, no caso em questão. Mas o que é a providência divina,
tempos atrás a tia da menina havia feito um curso de bordado no Ceará. E foi
assim que a moça prendada tornou-se mulher empreendedora. Criou uma grife, e
com sua equipe de bordadeiras, trabalhava sem parar. Já tinha encomenda até do
exterior. Vieram as filhas, só de dois em dois anos, a conselho do médico, também
amigo da família, como o padre. A tia da menina só paria mulheres, que o pai,
caixeiro-viajante encostado, brincava da sua cadeira de rodas, que elas iam formar
um time de futebol quando crescessem. Mas a mãe parou na oitava, quando escapou
de morrer de parto, e formou um time de bordadeiras, só uma seguiu a carreira
de enfermagem. A tia Linda, e ela era linda mesmo, teve sorte de escapar da
morte e da pobreza, contando com sua paciência e seu trabalho, além do amor...
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