CONTO
A HERANÇA DE LUÍZA
A mãe
de Luíza e seu pai costumam conversar em família, e ao notarem certa ansiedade na
filha, que ia completar quinze anos, iniciaram um diálogo esclarecedor. A mãe
foi quem primeiro falou:
—É bom
que nunca te percas de vista, filha, que os bens que possuímos nos chegam por
nosso trabalho, além da herança que recebemos e deve ser preservada. Somos
herdeiros de Deus, que investiu seu poder divino ao criar o ser humano, assim
como a natureza, que investe muito em nós, fornecendo o alimento de que
precisamos. Tem ainda nossa herança cultural, além da que recebemos de nossos pais através
da genética. E como é triste sermos, em vez de herdeiros e sucessores, gastadores
e perdedores. Sempre perdemos quando agimos com desperdício. Perdemos nós
mesmos em particular e também coletivamente, assim como perde a natureza. Quantos
jatinhos que chegam para as festas!...
Logo
a seguir o pai deu seu aparte:
—E
tem mais, filha, não podemos considerar direito nosso apossar-nos dos bens
existentes para desperdiçar. Nada é exclusivamente nosso, sequer os
pensamentos. Se pensamos, temos prova da própria existência, mas através das experiências
pessoais e do aprendizado, com que evoluímos e somos quem somos. Em
contrapartida ao que recebemos temos que fazer por merecer, o que não acontece
na atualidade. Deixamos de investir em nós mesmos, e nos tornamos pobres de
espírito, fragmentados. A humanidade de tanto que esbanja energia anda cansada,
é o que acho.
A filha ao lado escuta. Agora sua mãe estava com a palavra:
—Filha,
com uma linda valsa sua mãe iniciou sua vida social, i quando participei de uma
linda festa, sem grandes gastos, simplesmente para que os jovens presentes, aprendessem
a dançar conforme a música. O ritmo é o da vida, da civilidade, que tem o poder
de levar adiante os melhores ideais, que não nos deixam retroceder, mas avançar,
em lealdade e amor. Do contrário seremos simples gastadores, e até manipuladores
dos bens herdados. Nunca devemos perder-nos na violência e na vaidade, e desistirmos
de ser quem somos de verdade. Se há tristezas, há também alegrias que nos
confortam a alma. A alegria da fé em Deus, da confiança na sociedade a que
pertencemos. Que assim seja. Amém!
Sentindo
que era hora de falar, Luíza manifesta-se:
—Queridos pais, sou
bem jovem ainda, mas já aprendi que o ser relapso e irresponsável, que não
cuida de sua vida, até desiste de si mesmo, é um fracasso. Como outros jovens,
sinto que os mais velhos estão cansados, e nós, os mais jovens, desencorajados.
Para nosso bem e também para nosso mal, temos uma herança, e o que não devemos
é ficar engessados. Nossa mente é plástica, dinâmica e mutável, que pode
adaptar-se, modificar-se, recompor-se, indefinidamente, até a morte. Tenho no
momento um dilema, sim, como comemorar essa minha idade tão linda. Sei que minha
família tem recursos, e como sou filha única, podia esnobar, o que não diz
respeito a nossa tradição familiar, de sobriedade. Mas nesse mundo em que vivemos,
ou se faz uma festa de arromba, por pura ostentação, ou periga ninguém
comparecer. Assim já decidi que basta uma missa de agradecimento pelos bens
recebidos e um jantar para os familiares e alguns amigos, nada que favoreça a
vaidade, nem para agradar quem quer que seja.
O pai
conclui a conversa daquele dia:
— O
mundo precisa de ti, minha filha, nunca te esqueças disso! O Senhor tem
necessidade de pessoas, que sirvam de exemplo a tantos que perdem a esperança e
precisam de coragem para prosseguir sua caminhada com mais amor e confiança. E o que tens de fazer, Luíza? Segue tua fé e tua consciência, a maior herança!
NOTA: Dedico este conto a minha sobrinha-neta, Luíza, que completará quinze
anos no próximo mês.
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