CONTO
MARIA REVIDA OFENSA
Quando Corina chegou de
viagem, ficou pasma com o que havia acontecido naquele mês que passou fora da
cidade, até uma rua foi aberta, quase atinge seu quintal. Saudosa e sedenta de informação partiu para indagar a vizinhança, começou por Delzilia, mãe de Maria, também motivo de sua preocupação. Maria não foi encontrada em casa, estava finalizando seu costumeiro
passeio da tarde, sempre acompanhada com uma ou mais meninas da vizinhança. Já
havia percorrido os locais, que lhe permitiam andar, e só podia ir até a
pracinha ali perto. Gostava mesmo era do balanço e também procurar trevo de quatro
folhas nos canteiros da praça Odorico Mendes.
Dona Delzília recebeu a
visita de Corina, que de imediato passou
a se queixar de uma forte gripe, que havia contraído na estação do trem quando
chegou, e já estava no fim, mas aproveitou para desfiar detalhes da atual doença
e as muitas outras que sofreu, até quando ainda criancinha. Parecia satisfeita com
seus males, companheiros de uma vida, compensação para seus dias de poucas mudanças
e quase nenhuma surpresa, até aquele momento. Detestava mudanças e surpresas. Sem
mais delongas passou a abordar um assunto delicado, a nova administração da
cidade, a cargo de um parente da amiga que visitava. Foi quando Maria entrou
esfogueada, depois do passeio a uma temperatura de mais de trinta graus.
Maria não viu a visitante, passou correndo por
ela e foi até a mãe para contar sua satisfação de ter encontrado uma amiga que
não via há muito tempo, achando chic Aninha ter ganho uma bicicleta. Corina não perdeu
tempo e de pronto repreendeu os maus modos da filha de Delzília, inclusive, seus cabelos
soltos, sem as transas para domar o
desalinho. Acontece que Maria ia para a escola com os cabelos transados, mas
logo os soltava quando chegava em casa. Coisa que a vizinha não perdoou e chamou
a menina de desleixada. Nunca que Maria pensava em ficar tão irada, mas atacou:
— Odeio você, Corina — e desfiou
um rosário de queixas, que estavam abafadas, sabendo o quanto era criticada, por
aquela figura tosca a sua frente.
— Onde já se viu um mau gênio
desses ?!— exclamou Corina, que não esperava tão brusca contrapartida da sua interferência,
que julgava pertinente, mas era de total falta de critério.
Depois daquelas palavras
desaforadas, para não ser vista chorando, Maria saiu correndo da sala. Encontrou o gato da casa no corredor, que ao vê-la miou sem parar, como
em solidariedade. Enquanto na sala Corina continuava seu sermão:
— Delzília, você devia ter criticado sua filha pela
triste aparência, o que hoje em dia é tudo numa moça.
— Não acho que a aparência seja
tudo, Corina!
— Vejo que doravante terei de
tomar cuidado com o que digo para certas pessoas, que a gente pensa que
conhece, mas, na verdade, desconhece. Você pode ter problema com essa criança quando
crescer, se não educá-la para domar seu gênio e respeitar os mais velhos. Mas
estou aqui hoje para pedir solidariedade contra a prefeitura que
anda cortando as terras particulares, dando prejuízo aos proprietários. Quase tiram um pedaço do meu terreno.
— Antes de tudo, digo que minha
filha é estudiosa, solícita, amiga, respeitosa, tem todas as boas qualidades de
uma menina de sua idade. E não é desleixada, não senhora. Ela revidou com razão
seus maus bofes, que hoje se superaram. Quanto a sua queixa da prefeitura
talvez seja pertinente, o que não possa avaliar. Mas se há real necessidade, e
contrapartida financeira, ceder parte do que nos pertence para o bem da
comunidade dá dignidade à pessoa, você não acha, Corina?
Sem obter resposta, e com a
partida da vizinha, Delzilia tratou de falar com a filha sobre a desagradável
ocorrência daquela tarde. Compreendia sua reação diante da falta de tato de
Corina, mas Maria, havia agido errado ao revidar com toda aquela
raiva. E o que a filha devia fazer era perdoar a ofensa, e, na
primeira oportunidade, pedir desculpa, como manda a caridade cristã. Foi o
combinada entre as duas, muito embora Maria não estivesse muito afim de ter que se humilhar para uma pessoa tão afrontosa.
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