domingo, 5 de setembro de 2021

 


                                   QUARENTENA 2020 – UMA SAGA

 parte I

 


 

 

Lydia chega à pequena livraria  inaugurada recentemente por ela, a alegria dando lugar à tristeza com a notícia da pandemia de um novo coronavírus, originário de Wuham, na China. Decretada a  quarentena, o único remédio no momento para evitar a contaminação, que acontece de pessoa a pessoa, além das medidas de higiene, como lavar as mãos constantemente, usar máscara, e só sair em caso de necessidade. Todo o comércio fechado, em funcionamento apenas  farmácias, padarias, supermercados, demais atividades essenciais. Os fregueses apressam-se em deixar o local, após o comunicado do fechamento daquele empreendimento não essencial... 

Com voz desafinada Lydia fala para a professora Norma:

Querida, pode me fazer o pagamento in cash?

 

Queria o dinheiro em mãos para pagar as duas funcionárias, naquele último dia de trabalho. Lembrava que não havia pago todas as dívidas contraídas para a instalação da livraria Aurora, que ocupava um prédio cedido pela prefeitura, um dos imóveis tombados na capital maranhense, para ser reformado, o que foi lindamente feito . Agora com as portas fechadas não sabia se ia poder levar adiante o empreendimento. De volta para casa, Lydia tem a impressão que acabava ali um sonho acalentado há alguns anos, as notícias ruins não paravam de chegar aos seus ouvidos, inclusive, que um vírus desse  podia levar o ser humano a sumir da face da terra.  O homem sempre em perigo de extinção, sendo constantes os ataques dessa e de outras naturezas. Quando não, servia para testar a capacidade humana de reação  frente ao mal. A bióloga pondo a cabeça para pensar se retornaria á atividade, a que se dedicava por amor ao livro, e não tanto por dinheiro. O livro impresso também em perigo de extinção. Lydia reagira a isso.


E lhe foi dito, sem reservas, que ela era uma mulher corajosa ao assumir uma empreitada daquela, os livros facilmente disponíveis na internet, no ebook. “Corajosa, sim”, Lydia, apressou-se em dizer, para não se perder em pensamentos negativos. Agora essa pandemia. E antes do confinamento, resolve convocar suas companheiras do Clube do Livro para um derradeiro encontro. Seria naquela mesma   noite, sem nem imaginar quando as companheiras voltariam a se ver. As idades a partir dos quarenta, e havia algumas  do “grupo de risco”,  e até uma centenária, que certamente ia abrilhantar o encontro, como sempre fazia. Viúvas, casadas, divorciadas, solteiras, e apenas uma jovem senhora na faixa dos trinta e poucos anos, neta da octogenária Cibele. Almas educadas no amor às letras, amantes da prosa e  da poesia, que assim elevavam-se ao plano superior da mente. Ocasião para declamarem suas poesias preferidas, e exporem os trabalhos de criação própria. Concordes que harmonia entre o mundo e o  artista, mente educada no amor s letras.

Naquela noite, a participante mais velha, Maria Eunice, declama versos de Cecília Meirelles, adequados ao momento de solidão e reclusão:

                                  A vida só é possível                         reinventada                           ...

 

Eu canto porque o      instante existe

e a minha vida está completa.

                                     Não sou alegre nem triste,                   

 .                                    sou poeta.

                                

                                ...

       

                              Estou de longe, compadecida.

                                      Minha vigília é anfiteatro

                                      que    toda vida         cerca,  de frente. Não há passado nem há futuro. Tudo que abraço se faz presente.

 

 

As amigas a se despedirem, não da vida, mas das ruas, dos shoppings, de tudo o mais, que a vida oferece for.


                   E ainda sob efeito da poética e do espumante saem para ruas desertas da capital maranhense. Cantando Roberto Carlos, já que algumas têm parceiros encanecidos como elas:

 

Esses seus cabelos brancos, bonitos Esse olhar cansado, profundo

Me dizendo coisas num grito Me mostrando tanto do mundo E esses passos lentos de agora Já correram tanto na vida Caminhando sempre comigo

Meu querido, meu velho, meu amigo.

 Pelo caminho até suas casas encontram bares e restaurantes fechados, quando normalmente estão cheios àquela hora. Os restaurantes já exibem placas funcionamento  delivery.

 

 

   Alguns dias transcorridos e a vida, ou melhor, a comunicação, passa a ser online. A tecnologia de grande ajuda, com suas  várias plataformas na internet para a venda de produtos, para a difusão dos negócios. Igrejas, museus, zoológicos, cenários e tudo o mais, online. Lydia também pensa em adotar esse tipo de venda, que começa a ganhar força, mesmo antes da pandemia. Embora muitos ainda mantenham o gosto por folhear um livro, apreciar a impressão, admirar a  capa, sentir a qualidade do papel, e tudo o mais, que não há como substituir.  Diante do computador Lygia vê na tela as palavras de G.K. Chesterton: “A dona de casa não é, como dizem, um pássaro numa gaiola, mas um pássaro no ninho.” Pensa que, se vivo fosse, o pensador católico ia se valer de todo a sua  filosofia e douta fé para confortar as almas na quarentena, em especial, as mulheres, que haviam deixado o lar, doce lar, para passar o dia no trabalho. Também falaria às chamadas rueiras, que saem só para não ficar em casa, e agora devem ficar recolhidas para se proteger e aos demais.

 

Clica aqui, clica ali, Lydia escuta a fala um douto no assunto do momento: “O coronavírus é uma molécula, nem mesmo viva, um parasita...” A informação seguindo par a par com a desinformação, e se escuta de tudo. É concordar, ou discordar sobre o que se propala sobre esse mortal vírus. E  tem os chamados fake news de poder devastador, tal qual o mortal Covid-19, que tenta fazer do homem uma insignificante criatura. Esse ser inteligente, que pode se valer da sua inteligência e da sua ciência, mas aqui e ali cai na conversa. Os cientistas, diuturnamente, dedicados à suas pesquisas para descobrir o genoma desse inimigo invisível, ainda desconhecido. É da maior urgência a invenção de uma vacina


              O governo, de imediato, concede ajuda financeira emergencial aos desempregados, além de outras medidas para a situação de calamidade. E cada um faça sua parte, como lavar as mãos, sem esquecer de também lavar o coração, a alma, a mente, pensa Lydia. Uma tragédia dessa, e se podia aproveitar a oportunidade do retiro forçado para olhar para dentro de si mesmas, observar a condição humana, sentir o próximo com mais amor e compaixão. E tudo seja feito nesse sentido.

Lydia sente na pele a situação econômica, que não pode ser relegada. E o medo  da queda drástica na economia americana e mundial faz o presidente Donald Trump posiciona-se contra o fechamento radical das atividades, proposto pela OMS como única    alternativa. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, também preocupado com a economia, provoca a discussão sobre a cloroquina, remédio alternativo, que acaba por derrubar dois ministros da saúde, contrários ao seu uso. Não sendo comprovada  cientificamente da eficácia do medicamento, que tem o aval de uma sumidade científica fora do país, no que se apoia o presidente brasileiro.

A ciência brada em alto e bom som:

 

Seguir o que manda ciência por amor à própria vida e em respeito ao

próximo.”


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