HOMENAGEM
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
8 DE MARÇO
DIALOGO BARROCO
Domingo à tarde, como de costume as irmãs têm
um encontro, estão na praça perto de suas casas, já não usam máscara, final de pandemia
do covid19. A preocupação mundial agora é com a guerra na Ucrânia invadida pela
Rússia. A bendita paz que parece não existir para o ser humano. Mariza tem uma
filha com dezoito anos que acaba de sair de casa para estudar fora. A temporã de Inez está com
ela, a saltitar de um brinquedo para outro. Maria chegou quando não mais havia
esperança da mãe engravidar.
Inez pergunta para a
irmã que tomava algumas notas no caderno que tem sempre consigo:
— Ontem sonhei com Berta, te lembras dela?
— Como não lembrar, amiga da avó Josefina, era
professora aposentada, teve um noivo que sumiu dois dias antes do casamento. A
vida toda ela a desculpar o cara: ”Coitado
do Alfredinho!”
— E da Apolônia, lembras?
— Sim,
suas feições já sem rastro algum da beleza que tivera quando jovem. Outra saudosa
do noivo, piloto de avião, que se espatifou sob seu comando. Ele quis exibir-se no ar, coisa dos princípios da
aviação. Pulu sentia remorso, como se tivesse matado o desafortunado homem, a
consciência da morte, reverso da medalha, tão complexa e imprevisível é a vida.
Mulheres que guardaram de seus amores o
melhor de si.
Mariza
fecha o caderno de apontamentos para melhor conversar com sua irmã, afinal estão ali para isso A outra
continua:
— Quantas pessoas por aí vítimas da
fatalidade e dos equívocos. O amor, o prazer, como um enigma para não ser de
todo desvelado por essas mulheres intocáveis, amoráveis, inabaláveis, que foram
educadas na rigidez da religião do amor eterno. Pior são as vítimas do machismo,
que se perpetua no mundo. Os homens no passado “mexiam” com as moças e ficava
por isso mesmo. Hoje elas têm a lei que as protege da violência, os homens
punidos com a força da lei. Inveterados ainda
existem, que o mundo não deixou de ser machista.
E como boa católica
dá exemplo de uma santa:
— As mulheres hoje também estão no comando,
mas não é de agora, Inez. Santa Genoveva,
de grande coragem, conseguiu com heroísmo afastar a horda dos ferozes e
supersticiosos hunos, enfrentando inclusive o pânico dos homens. Firme em sua
disposição conclamou suas companheiras para a resistência à invasão da cidade
de Paris, da qual ela se tornou padroeira. Na entrada do batistério de São
João-de-Rond o seguinte pensamento dela: “Podem os homens fugir; nós mulheres
pediremos a Deus, e ele acabará ouvindo as nossas súplicas.”
Maria aproxima-se para a mãe ajeitar-lhe o
cabelo. E enquanto Inez refaz a trança da filha Mariza, continua o assunto
focado no machismo:
— Mesmo depois das
lutas feministas, os homens continuam a fazer
suas maldades, e há os pedófilos com sua doentia concupiscência. O poeta
Virgílio, na decadente Roma, fazia
versos sobre as meninas que desabrochavam — poeta que gostava mesmo era dos
rapazes. Petrarca platonicamente
apaixonado pela quase criança Laura. Estaria
hoje sujeito à Leis da Infância e Juventude,
implantada na terceira década do século XX na Inglaterra, e só mais
tarde adotadas no nosso país do carnaval e da permissividade. Lewis Carroll foi um célebre ninfomaníaco
e acabou nos tribunais, por conta da denúncia de uma mãe que descobriu cartas libidinosas
endereçadas a sua filha, vindas do escritor, que teria se inspirado na menina
para escrever o célebre livro Alice No País das Maravilhas.
Mariza fala como escritora.
Inez dá suas pinceladas, estuda a arte
barroca, e como a maioria dos racionais está preocupada com o mundo, que avança
a passos largos. Como pintora aproveita para falar de uma arte representativa
do século onde se formou a mentalidade atual:
— Às portas da
modernidade Vermeer, de consciência
calvinista e jesuítica, pintou suas figuras como se estivessem representando no
palco, e os espectadores percebessem os atos humanos e sua moral. Como artista
barroco com o dever moral de instruir
através da sua obra. Época em que surge o interesse financeiro, como se conhece
hoje, mas há uma moral a ser considerada. O pintor de Delft não despreza o interesse
financeiro, e conscientemente faz propaganda de objetos para o consumo, do vestuário ao
consumo intelectual dos livros. Suas figuras femininas são trabalhadoras e
consumistas, focadas na produção e no
consumo, sendo ao mesmo tempo alertadas para que sigam a temperança.
— Como no passado,
persiste essa preocupação, Inez. E nunca se sabe onde o mundo vai parar. Temos
filhas que vão ter de enfrentar o assédio, inclusive, no trabalho, não é mesmo?
Neste momento muitas esposas estão perdendo seus maridos em mais uma guerra. E
tem as moças violentadas pelos soldados inimigos. Mulheres e crianças fugindo
dos seus lares na Ucrânia por conta de uma guerra insana provocada pelo ditador
russo. Não vale mais a diplomacia. Trovoadas anunciam tempestade.
A pintora dá seu
último aparte:
— Os interesses que
permeiam os atos humanos devem ser bem
avaliados. Intriga-me que ainda haja entre os poderosos interesses de conquista
territoriais. Tantas conquistas realizadas para o bem da humanidade, que ficam
apagadas com o avanço da insensatez. O quanto somos contraditórios. Penso quando
tudo possa estar no seu devido lugar. O que fazer no momento senão pintar a
guerra, que vejo à cores pela TV, no momento em que os fatos acontecem.
Maria atende o sinal
da mãe e aproxima-se, hora de voltarem para casa.
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