PRIMEIRO AMOR
IGREJA DE S. JOÃO S. LUÍS MA |
Quando Mário, lá pelos
nove anos, beijou Rejane, três anos mais velha que ele, os dois estavam atrás de um sofá na sala de TV na casa da vizinha, que comemorava bodas de prata. Criança ainda ele fazia companhia para a mãe nas suas visitas à amigos e conhecidos, quando então ficava o tempo todo em pé ao seu
lado. Dessa vez foi diferente. Alguém chega perto dele, justo ela, que passava
pelo garoto tímido da rua, na maior indiferença. Escuta:
— Você quer vir comigo?
A
voz dela era desafiadora. Ele ficou tragicamente paralisado. E com a cabeça
baixa saiu para realizar o que seria por muito tempo, ou para sempre, o melhor encontro
de sua vida. As demais crianças corriam pelos cômodos da casa e os adultos
conversavam no salão ao lado, as vozes distantes. Inesquecível aquele beijo nos lindos cabelos ondulados de Rejane,
que tinha recebido elogio dos convidados. Ela era a perfeição em pessoa, pensou, boa nos estudos, comportada, a melhor em tudo.
Por
um tempo ficam os dois deitados atrás daquele sofá, a porta fechada, ela de costas fingindo que dormia no tapete, o rosto dele afundado na bela cabeleira dela. Mário sente então que a linda menina ao seu lado estava inclinada a ser sua namorada. E ao ver surgir por entre seus cabelos o diáfano pescoço, aproxima os lábios para beijá-lo. A intenção amorosa é interrompida. Ela salta para o lado e pede para que fossem
andar na calçada.
Saem,
e ao atravessarem o salão Mário perde
Rejane de vista no meio daquela gente toda. E quando topa com ela está ao lado da amiga implicante, que fala alto para ele ouvir:
—Tu
tens coragem de olhar para esse fedelho?
— Eu
queria estar com um menino maior, aqui só tem criança pequena.
Daí
por diante foi estranho para Mário perceber a indiferença de Rejane, que nunca
mais lhe deu oportunidade de estar com ela outra vez. Mas como podia esquecer
aquele momento mágico? Dias depois Mario ia sofrer o que julgou ser sua definitiva
decepção, na frente dele a professora particular do "exame de admissão" disse para sua mãe: Esse menino tem merda no crânio. Como Rejane ia gostar dele, um fracassado?
E ainda tinha as bandalheiras que sabia, e não eram poucas, podia ter um lugar reservado para ele no inferno.
Quando
Rejane fez quinze anos, Mário soube que ela
havia noivado, para logo depois romper com o noivo e casar às pressas com um diplomata
endinheirado. Foi morar no exterior. Enquanto aos quinze anos ele passava a maior parte do tempo na biblioteca lendo numa sofreguidão, devorando dicionários. Aos dezoito já dominava o português e mais duas línguas
estrangeiras. Seu ser tomado por uma feroz ambição, ser escritor.
Precisando
trabalhar para seu sustento, aos vinte e um anos, Mário fez concurso e assume no
BB. E já perto dos trinta anos reservava o início da noite para o namoro com a
jovem Margarida, uma flor de pessoa, que não lhe exigia nada, disposta a esperar
toda vida que ele se dispusesse a casar. Mais tarde, quando fazia lua cheia, visitava discretamente
Almerinda. Continuava a escrever e escrever.
Cinco décadas de vida, Mário já pertencia a duas importantes academias de letras e inúmeras agremiações culturais. Sua antiga namorada, Margarida, cansada de esperar casou com outro. Almerinda havia morrido há algum tempo em um ataque fulminante do coração. Mas ele parecia feliz com sua imaginação, e ainda naquela loucura de ler e escrever, com centena de livros publicados, ou engavetados. Foi premiado mais de uma vez, quando a moda era ter uma escrita de difícil entendimento, escrever coisas que nem o próprio autor entendia, muito menos os leitores. Empolgado, parecia um doido varrido a escrever os disparates que lhe vinham à cabeça, tendo recebido de volta as publicações autorais que enviara a um escritor consagrado para apreciação. Riu do susto que pregara.
Rejane é que não era louca para ficar toda vida andando mundo a fora, foi o que ela pensou certo dia de frio intenso na Europa. E em vez de ir esturricar na África, sua próxima moradia, resolveu voltar para o Brasil, havia passado vinte anos acompanhando o marido diplomata, deu um basta. Tempo precioso de sua vida que aproveitou para escrever, em especial, sobre suas viagens. Mário soube que ela estava divorciada, acabara de publicar uma edição luxuosa sobre o assunto que conhecia muito bem. Quando se encontraram, e tinha que ser numa livraria, quedou-se encantado olhando de longe para ela.
Rejane não o viu? Ou fingiu não reconhecê-lo, e saiu de mansinho? Sumira de repente. A dúvida foi o que restou para Mário. A mulher que vira tirando um volume da prateleira seria real, ou apenas fruto da sua imaginação?
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