sexta-feira, 24 de maio de 2024

 

                                           RECONTANDO A HISTÓRIA



S. Luis Ma


                   Maria gosta de visitar o passado, e   põe-se a imaginar o que poderia ter sido diferente do presente. Transmuda tudo com a cabeça que tem hoje. Vasculha o que ficou para trás: gestos, palavras, ações,  escolhas. Cria outras histórias, e, por fim, outros desfechos. O destino ainda por ser traçado,  bem no começo da partida.  A construção da vida em início da obra, e então verifica as possibilidades. E sem desmerecer o que é, e tem hoje, mas com o olhar atual, pinta uma obra prima, em novas e criativas pinceladas.   

Longe de ser uma visionária, ou vidente, e sem nenhuma especialidade nesse sentido, Maria apenas tendo a vontade de conceber outro enredo para si, também para as demais pessoas, que conhecia de perto.  O quanto de mocidade desperdiçada!  Tantas  dores poupadas, dramas a serem evitados. As coisas são como são, mas Maria tenta alcançar  além  do que a vista alcança.  A inércia do passado a incomoda, um bom motivo para ativar memória e imaginação.

A menina está alegre com a novidade do altar erguido na sala para as bodas e a mesa de doces com o bolo de dois andares. No quarto a noiva recebe da madrinha os últimos arranjos na sua doce imagem, antes da cerimônia. Dia festivo, e porque a tia chora? É quando vê a noiva correr em direção à porta da rua.  Ela fugia do que a angustiava, desde quando recebeu a notícia que seu noivo havia estuprado uma moça, que estava grávida.  Na véspera a mãe da noiva havia queimado velas na cozinha para as “almas santas vaqueiras”, devoção particular, da qual ninguém da casa ouvira falar...  

Mãe e filha encontraram-se dias depois na casa de parentes, e juntas resolveram a mudança para o Rio de Janeiro. Era para onde todos queriam ir, em busca de melhores oportunidades, em especial, para a mulher. Além da maravilhosa paisagem que iam ter diante dos olhos. Não demorou a moça encontrar  trabalho e logo a seguir, um psiquiatra, ideal para lhe dar amor e curar as feridas da alma. Também outro e melhor futuro da toalha pacientemente bordada pela noiva, enquanto esperava pelo noivo traidor.  Uma radiosa descontrução do passado, e nunca mais a agonia das tardes silenciosa da tia de Maria diante da janela, com o bordado no colo.

 


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