FICÇÃO
IDADE E TEMPO
Início de primavera, e Maria declara seu encantamento pela “estação rósea”, ou das flores. “Coisa da velhice a cor rosa”, diz Alice a sorrir, com a blusa na mesma cor. A aniversariante veste azul, sua cor preferida, e já distribuiu as fatias do bolo após apagar as velinhas do "parabéns". Alice está com sua fatia nas mãos, comenta:
— O clima do planeta está mesmo alterado, com um calor intenso, o maior de todos os tempos, e as castástrofes acontecendo, como essa enchente no Rio Grande do Sul. Nós aqui dando grças a Deus de sofrermos apenas pela conta da energia, que está nas alturas, com o ar
refrigerado ligado sem parar, numa casa de cinco pessoas, em três faixas de idade.
Os pais moram com ela, ou ela é quem mora com os pais,
depois da separação, em companhia das duas filhas. Já Cibele é solteira, mora sozinha, e inicia sua fala sobre o que foi programado para aquele encontro:
— Adentramos na velhice, mas na verdade eu ainda me sinto em plena mocidade, com
boa saúde, do que sempre cuidei, e já tomei minhas providências para ganhar
musculatura, a maior protetora dos ossos, que se perde com a
idade.
Maria já se manifestou, mas não esquece o Show da Madona em Copacabana, que viu pela TV na noite anterior e, aproveita para a partir daí entrar no assunto da velhice:
– Vocês viram na TV o show da
Madona? Acredito
que nenhuma de nós esteve lá, ao lado daquela moçada enlouquecida. Dizem que
houve até resgate no mar de fãs da cantora.
Mais de um milhão a gritarem sua paixão pela artista pop. E eu aqui com
saudade de mim mesma, quando escutava no rádio Dalva de Oliveira, e meu maior
sonho era ganhar uma bicicleta, mais tarde casar e ter filhos. Hoje os jovens só pensam em ser uma pessoa
intensa. Mas acho que a intensidade dessa gente em vez de preencher a vida, sufoca.
Rosália confirma que viu a transmissão do espetáculo:
—Vi uma mulher a se superar nos excessos de uma apresentação satânica. Madona mente ao se dizer cristã. Ela não é mais jovem, como são seus filhos, que a acompanharam na excursão
ao Brasil, e fizeram loucuras no palco ao lado de Anita e Pablo Vittar, entre outras jovens “celebridades”.
Felizmente a mocidade não é só isso, tem
gente ainda boa da cabeça.
O show
de Madona torna-se um gancho para falarem da velhice, o que Rosália tenta abordar em poucas palavras:
— Certo que envelhecemos por fora,
mas por dentro estamos vívidas, plenos de vida, basta que se queira e esteja preparado. Já esses moços de hoje, fãs de Madona e outros popstars, parecem desgostosos
do mundo em que vivem, e tem até os que querem a todo custo por fogo em tudo. Gente
que se diz intensa, mas é certo que se o vigor e a vontade forem disperdissados faz a alma envelhecer. Enquanto os de alma elevada se mantêm em boa forma, de acordo com sua idade.
Mas a catástrofe que deixou o Rio Grande do Sul debaixo d`àgua, e sua população ao desabrigo, merece toda a solidariedade. Maria está aflita, e pergunta:
— Castigos para os homens,
em resposta aos seus desmandos? Chuvas torrenciais no Sul, e uma tórrida Madona, que parece ter surgido do fogo do inferno. A cantora já foi embora,
resta esperar essa outra tempestade passar o mais rápido.
Rosália vai fazer 70 anos no próximo mês, e diz sempre que procura manter intacto seu amor pela vida, que ela acredita merecer toda atenção dela, volta a
falar:
— Os idosos podem não ter mais aquele antigo vigor, aquela veemência, nem mesmo aquela antiga vontade,
mas podem ganhar dos jovens em discernimento,
o que lhe promove a experiência, e a ter uma vida melhor. Tempo de vida após a mocidade, a velhice é para ser vivida sem arroubos. ou assombros. Mesmo que haja velhos ridículos, que querem ser jovens. E arrastar uma velhice vazia é o que há de pior. Tem os frutos da
vitalidade, e os frutos de uma vida bem vivida, na fortaleza espiritual, que pereniza a juventude da alma. A mediocridade é que faz a pessoa engolir uma Madona, por exemplo.
Duas horas se passaram, e elas ficam um tempinho caladas, até se despedirem.
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