Alegres Campos, Verdes Arvoredos
Luís Vaz de Camões
Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de
cristal,
Que em vós os debuxais ao
natural,
Discorrendo da altura dos
rochedos;
Silvestres montes, ásperos penedos,
Compostos em concerto desigual,
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.
E, pois me já não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.
Semearei em vós lembranças tristes,
Regando-vos com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.
Comentário de Murilo Carlos Veras.
Diz Aristóteles que a percepção que
naturalmente mais agrada aos homens é o visual, mas a percepção “auditiva”,
o saber ouvir e compreender, é que permite melhor alcance das coisas
universais e perenes.
O homem facilmente se vislumbra com
a grandiosidade e solidez de montes majestosos, com a delicadeza de
verduras deleitosas e a rapidez e fluidez de águas cristalinas; ou se
atemoriza com a aspereza e inconstância de campos agrestes e rudes penedos.
É da fraqueza de meu eu vacilante
que brotam percepções de inconstância, veleidade e superficialidade, são
percepções que fazem meus olhos ledos, que se desmancham nas primeiras
provações, nas vicissitudes da vida.
É da robustez do nosso eu mais
interior que emergem atitudes universais de serenidade, coerência e
firmeza.
Por entre a dissipação das coisas
sensíveis, superando-as, o nosso ser interior ao poucos carrega e
transmite, ainda que entre lágrimas, fontes perenes de fidelidade,
persistência, fortaleza e nobreza.
É daí que podereis “ver” as
verdadeiras fontes, as autênticas lembranças, de um bem maior que um dia se
revelará em frutos de saudade interior e eterna.
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