terça-feira, 10 de outubro de 2023

                                                                

                                                               O CAFETINO

     








         

 

              O prêmio Nobel da paz de 2023 foi concedido a Narges Mohammadi ativista iraniana pelos direitos das mulheres. Mesmo na prisão foi uma das vozes  femininas que se levantou contra a recente morte de Masha Amini por ter deixado escapar os cabelos ao usar o véu obrigatório pelas leis repressora do seu país, onde as mulheres vivem sob leis rígidas quanto a sua autonomia e não podem nem estudar. No Ocidente não há essa  repressão, as mulheres, hoje, com maior liberdade que no passado recente, quando eram desrespeitadas, e mesmo  vilipendiadas pelo machismo reinante, o que ainda perdura, haja vista a grande quantidade de feminicídios. No passado as mulheres ou eram casadas ou putas, salvo as solteiras abrigadas nos conventos, ou que viviam agregadas na casa de parentes. Em S. Luís o Convento das Mercês, inaugurado em 1654, ficava ao lado da Zona do meretrício, quem sabe para facilitar a travessia de um lugar para o outro. O conto a seguir, baseado em fatos verídicos, é uma contribuição ao movimento de promoção das mulheres no mundo.

           Segunda metade do século XX, no salão uma mulher de cor indefinida, azinhavrada, conversava  com outras mulheres. Logo que o homem chega ela vem recebê-lo, com a garota ao lado dele. A dona da pensão toma um susto por estar diante de uma criança. Sim, Genoveva, o mesmo nome da santa padroeira de Paris, e acaba de completar 14 anos,  tinha ido para a capital morar numa casa de família, para brincar com duas crianças pequenas, foi o que lhe disseram. Ela havia perdido a mãe naquele ano e o pai deixou que uma amiga  levasse a filha para a cidade, devido à  seca rigorosa, ocorrida no ano anterior, a fome rondando o vilarejo, perdido no sertão.

                     Durante o caminho percorrido pelas pedras antigas, que já haviam visto de tudo, o patrão de Genoveva tentava convencê-la da necessidade de ir morar na pensão da sua amiga Dalva, já que não era mais virgem. Virgindade que ele lhe havia tirado na noite anterior, enquanto a esposa dormia, coisa que costumava fazer com as moças chegadas do interior para trabalhar. Pelo caminho fazia questão de dizer para Genoveva que aquele trabalho, que nem era um trabalho, mas diversão garantida, a dona da pensão seria como sua segunda mãe. Nenhuma das garotas que ele havia levado para a pensão da Dalva quis sair dali, afirmava.

                     Acontece que uma garota havia escapada da mão do cafetino, a pretinha Sulica, que tinha a mãe ao seu lado quando foi trabalhar  na casa da sogra do dito cujo, e quando percebeu o perigo que a filha corria, sumiu com ela, tratando de casá-la o mais rápido possível. A pobre Genoveva não teve a mesma sorte, ele a insistir, que não ia faltar cliente, era novinha e de uma beleza rara, com os cabelos negros, a pela alva, tal qual a Branca de Neve, história que a garota nunca ouvira falar, vinda lá dos cafundós. O cara dizendo ao pé do seu ouvido que ela ia ganhar bom dinheiro e ainda ter prazer garantido, o que ela já  experimentara, e gozara muito bem, estava aprovada. Havia escapado de morrer no aborto que ele pagou. E não se preocupasse, ele viria vê-la sempre.  O pavor estampado no rosto de Genoveva com essas últimas palavras, ditas por um homem a quem tomara aversão.  Mas estava perdida, tinha que aceitar esse destino. 

                    Na capital maranhense onde os fatos ocorreram, sabia-se de um padre que fazia um trabalho social com as “mulheres da vida”, e já havia avisara às freiras do Serviço Social para não querer convertê-las, pois muitas estavam naquela vida por gosto. Bastava oferecer o serviço de ajuda para elas cuidarem da saúde, da segurança, e tudo o mais que precisassem. Inclusive, deixar a prostituição, mas não era coisa a exigir delas.  Voltando ao cafetino, certa ocasião ele invadiu uma casa, onde havia uma bela jovem recém-chegada de Pindaré. Uma moça bonita e pobre se arrumasse um homem para casar, tinha de se prostituir. Mas a família, que abrigara Solange, já havia providenciado estudo para ela, que ia adentrar em um novo tempo para a mulher, livre para estudar e trabalhar. Depois do susto com a cruel investida, tratou de escorraçar o indigno aos gritos, sendo acudida por vizinho, enquanto o tal se dizia inocente e partiu sem dar explicação. O cara tinha conseguido levar ao altar uma bela e exemplar mulher, por ele estuprada dias antes do casamento, e ainda se orgulhava do feito.  Não merecia ninguém ao lado dele. Parece absurdo, mas é a realidade de tempos atrás. E será que a coisa acabou? Hoje a mulher felizmente pode contar com rígidas leis em sua defesa, e os agressores punidos.  

                 A premiação na Suécia é em razão do trabalho ainda a ser feito para consolidar a paz, que só existe se houver respeito aos seres humanos, indiscriminadamente.











 

Nenhum comentário:

Postar um comentário