MULHERZINHAS
Ter treze anos não é
o mesmo que ter onze, doze, a vida ainda uma quase miragem. Aos treze começam a
se manifestar as aspirações, o amor chegando ao coração. Deusdete de olho em
Leila desde o domingo no cinema. O amigo Vicente dedicando-se com afinco aos
estudos, lendo em inglês e francês, o que muito me impressionava. Mas longe
ainda os namoros de verdade. Da rua
vinha aquele cheiro de chão molhado, tardes de chuva, quando então eu ficava a
cismar olhando a água cair das telhas. Lia e relia Louise May Allcott,
autora preferida da minha juventude, após o encantamento da infância com Monteiro
Lobato ora me identificando com a boneca de pano Emília, ora com Narizinho. Da autora americana meu avô trouxe
de Portugal os dois primorosos volumes de capa vermelha, para minha mãe se habituar a ler, o que ela me disse ao me
passar o presente: As Quatro Raparigas e Alguns Anos Depois, atualmente
conhecidos como Mulherzinhas.
Encantadora história das quatro jovens em seus anseios:
Jô, a menina intelectualmente talentosa,
quer ser um menino, por conta do desprezo ao talento feminino na época, e se torna escritora premiada; a doce Guida,
desde cedo com o dom de ensinar, até se casar com um homem de caráter, por ela
mesma escolhido para fazê-la esposa e mãe, ideal abraçado de coração; May, uma
criança voluntariosa, com sua ambição de ser artista, mas que se transforma
numa adorável mulher, se casa com o amigo de infância, Lourenço, capaz de lhe
satisfazer a ambição, menos de sucesso
artístico, por lhe faltar talento, o que ela tinha de sobra para brilhar em
sociedade. No meio da narrativa a fatalidade da morte prematura de Beth, o anjo
da família, quando então chega ao fim, silenciosamente, a inocência,
representada por essa irmã, contraponto ao desejo de realização pessoal e
liberdade das outras. Mostra a dor com a morte desse belo sentimento feminino
de devoção e caridade presentes na irmã Beth em confronto com suas irmãs que
seguem lépidas e fagueiras, desejosas de progredirem. Uma heroína cristã e
católica (a decantada pobreza de espírito). E quem mais admira Beth é a irmã Jô
– o seu oposto – espírito inquieto, que recusa Lourenço, um par perfeito, não
para ela, que se casa mais tarde com o professor alemão
Baher, filho do prático e resoluto país do protestantismo, ou do ideal
racionalista.
Na história das irmãs March, parte autobiográfico, o
sofrimento vem seguido da superação, diferente do que acontecia de verdade com
a autora, oprimida pela insegurança, num mundo complexo para a mulher. A
personagem Josefina devotada à criação literária, à imaginação, numa família
altruísta, o pai de Louise seguidor de uma filosofia de vida numa comunidade
utopista, onde se compartilhava até as esposas, mas era incapaz de dar a mínima
segurança à família. As coisas colocadas no livro como deveriam ser e não como
eram de verdade, e teria sido a autora abusada por um membro da família onde
ela se hospedou em Nova York, quando ao contrário do que acontece no livro ela
encontra ali sua alma gêmea. Há o episódio em que as quatro irmãs montam uma
farta mesa de Natal para se deliciarem, mas resolvem dá-la aos vizinhos pobres,
por sinal, alemãs. A prática filosófico-religiosa do altruísmo, para fortalecer
o caráter, o que no pitagorismo constituía em montar uma mesa de iguarias para
em seguida distribuí-las aos necessitados. No século XIX, John Stuart Mill,
economista inglês, afirma que, na hora da decisão do que deve ser feito, o
altruísmo era tão importante quanto o próprio interesse. O famoso utilitarista
via prazer qualitativo na ajuda às pessoas, sendo um defensor da emancipação da
mulher, por um ideal de direito para todos, não o altruísmo que significa vida
de segregação social, mas ter o que compartilhar através do trabalho, da vida
honesta.
Nota: O livro de Louise May Alcott teve três versões cinematográficas em 1933, 1949 e 1994. Nos papéis de Josefina March representaram, respectivamente, Katherine Hapburn, June Allyson e Winona Ryder
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