"MEU CORAÇÃO DE CARNE E SANGUE"
Todos
nós temos alguma coisa, ou várias, que deveríamos ter feito na vida e não
fizemos. Uma, em especial, me deixa triste, não ter dado condições à minha avó voltar
para sua casa na Rua das Hortas. A filha mais velha, minha mãe, casara muito
cedo e morava no interior, o que fez com que a certa altura eu fosse morar com
essa avó, junto com meu irmão mais velho. Íamos em busca de melhor estudo na
capital, e como não lembrar da alegria que tive ao encontrar tantas coleguinhas
do jardim de infância no Grupo Escolar Alberto Pinheiro? Do curso primário até o segundo grau fiz no
Colégio Santa Teresa, onde recebi a melhor formação que alguém possa ter, minha
eterna gratidão. Foram anos tranquilos, com pais substitutos, meus tios antes de
se casarem, e nem senti o tempo passar, tanta coisa que acontecia, o caso da
Segunda Guerra, presente em nossas vidas, embora não diretamente, mas junto com
a Grande Guerra de 1914, mudaria radical e definitivamente a face da
civilização. Do primeiro conflito surgiu o comunismo para infernizar o
capitalismo norte-americano, URSS e EUA, as duas grandes potências do século XX,
inimigas, cercados de anarquistas e outros bichos.
O período que antecedeu às duas guerras
mundiais era de progresso nunca visto e de paz, o que as pessoas pensavam duraria
para sempre, e de repente tudo mudou. Havia o interesse de cada nação, e quanto
eles são conflitantes, nem sempre entra em jogo a conversa, a diplomacia, boa
vontade, ao término das contendas tudo
está bem diferente, para o bem e para o mal. Nas famílias, acontece quase o
mesmo, o orgulho, o egoísmo, mesmo guerra declarada. Os filhos se tornam adultos
e vão ter sua própria vida, defender seus interesses. Todos partem e os pais se
veem só, às vezes sem recursos. Minha avó perdeu parte de suas rendas e teve
que viver longe de sua casa, que ficou abandonada até ser vendida pelos herdeiros.
Teria pensado em retornar? Como disse, tenho mágoa de mim mesma, por não ter feito
algo para que minha avó permanecesse na casa, que herdara dos pais, para onde
se mudou assim que ficou viúva, uma casa menor que a anterior, onde ela
mantinha o seu jardim sempre florido. Uma pessoa dedicada às coisas do lar,
caprichosa em tudo que fazia, inclusive, na educação dos netos, que bateram um
dia à sua porta. A gente pensa que não pode fazer nada, mas pode, sim, o que
vai depender de que se faça o que deve ser feito.
Uma reflexão que faço há algum
tempo, e agora me reforça o sentimento ao assistir no Telecine o filme de ontem
à noite, “Volta Para Casa”. A protagonista aceita uma oferta de emprego na
cidade grande, deixando para trás pessoas que resistem em se mudar, a mãe dona
de um pequeno negócio, e o noivo construindo uma pousada para turistas. Pouco
tempo depois, em visita à cidade, um acidente e perde a memória, o que faz com repense
a vida que leva longe do seu lugar de origem, e acaba por lhe dar oportunidade
de solucionar o problema da cidade, juntamente com o da sua família, que iam
perder a tranquilidade e o meio de vida para a expansão imobiliária, justamente
da firma onde é grande executiva. Entende que o sucesso não significa relegar o
passado, a consciência que se deve ter quanto ao progresso, às vezes, duvidosos,
mas que pode dar melhores condições na solução dos problemas, sem destruir o
que existe, principalmente em se tratando da verdadeira felicidade, que é a
família. Acontece também no filme, “Um Homem de Família”, com Nicolas Cage,
onde um certo dia um alto executivo retorna em sonho para refazer o passado,
quando então se vê já casado e feliz na cidade pequena, de onde partira para uma vida solitária, esquecido do real
sentido da vida.
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