terça-feira, 21 de outubro de 2025

 


    

 

                                              

                    O SAPATEIRO  DA  RUA DAS HORTAS


 
S. LUÍS - MA

 



Havia um sapateiro na Rua das Hortas de nome Marçal, atendia nessa rua, e adjacências, um atendimento ainda necessário na década de cinquenta. Os ofícios na antiga tradição exercidos no sistema das guildas dando ao artesão boa recompensa, e lhe proporcionava uma posição honrosa na cidade. E mesmo na era industrial, com a produção em larga escala, nem tão larga assim, como é agora. Ainda em meados do século XX, os sapatos das crianças e jovens só eram trocados por um novo depois que o antigo par não mais cabia nos pés. E os adultos os tinham por quase uma vida inteira. A sola desgastada era substituída por uma nova, que podia ser a meia-sola, ou a sola-inteira. Maria certo dia foi com a madrinha buscar seu calçado escolar. E o sapateiro, vendo a menina à sua frente, aproveitou para dar-lhe uns conselhos:

— Veja bem, minha amiguinha, seu par de sapatos estava muito feio. Você o recebe de volta “novinho em folha”, e daqui pra frente evite poças d´água. E seu irmão deixe de chutar pedras por aí, que o sapato dele estava em “petição de miséria¨. Dê uma escovada nele quando chegar da rua, e engraxe sempre que for preciso, que ele vai durar ainda muito tempo. E não ande descalça que sua mãe não vai gostar, além de prejudicar sua saúde. Conheço todos dessa cidade e olho primeiro para os pés da pessoa para então dirigir-lhe a palavra, sabendo de quem se trata.

Maria olhou para seus pés descalços, coisa rara de acontecer, mas saíra correndo deixando os chinelos pelo caminho até a oficina do sapateiro, situada no térreo do sobrado em frente a sua casa. Lá chegando com a madrinha teve a oportunidade de ver o trabalho fascinante do sapateiro cortar o couro para fazer a sola depois colar e pregar com tachas no rosto já pronto do sapato, Seduzida até pensou em trabalhar ali como ajudantede do sapateiro. Mas recuou na vontade ao sentir o cheiro desagradável da cola que não lhe ia fazer bem.

Mas as palavras saídas da boca do experiente sapateiro, com gentileza, lhe calaram fundo. É o que a criança, ou o jovem precisa para se sentir importante, ao receber atenção, ser aconselhada. Aconteceu no passado com Maria, que não mais esqueceu essa visita. E ao ver tantos sapatos empilhados nos cantos da sapataria perguntou se tinha gente que esquecia os sapatos, que não vinha busca-los de volta. Ao que Marçal respondeu:

— Sim , tem gente que não vem buscar o sapato e eu aproveito para doar a quem precisa. Acontece poucas vezes. Um par de sapatos é um bem útil, e até mesmo o mais precioso para a pessoa. Ficar sem ele é uma grande perda. Um par de sapatos custa os olhos da cara hoje em dia, melhor que é um bem durável se souberem cuidar bem dele.

Outros tempos, Maria pensa, sabendo o exagero que há de sapatos nos armários das casas hoje em dia. Filhas e netas, por exemplo, não poupam dinheiro quando é para adquirir um novo modelo exposto nas vitrines das lojas seduzindo os consumidores. E tem gente que não consegue resistir. Mas ela mesma tem dois ou três pares que usa o ano todo. Gente antiga tem outra mentalidade, Maria aprendeu isso para nunca esquecer..

 









            


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