A NOBREZA DAS BOAS INTENÇÕES
O processo evolutivo começa com a linguagem, a comunicação é oral nas
culturas caçadoras e coletoras. Com
palavra escrita avança a comunicação e a transmissão de conhecimento, que se
amplia e perfeiçoa com a impressão, salto que a sociedade deu para a civilização
moderna. A humanidade evolui por sua inteligência, até o domínio da razão que
passa a impor regras, conceitos, a criar suas leis. Vermeer tem a sorte de
poder registar o momento importante de início dos tempos modernos, dos avanços da
ciência e técnica, da liberdade, principalmente para as mulheres, que nesse
quadros do pintor aparecem dedicadas à leitura, à escrita. A habilidade da expressão, estágio
posterior ao ato da leitura que depende apenas do olho e da mente amadurecida
para a impressão do que está escrito. Jovem Escrevendo mostra a atividade feminina de escrever, que tem
apoio no tripé: mão, olho e cérebro, treinados para a escrita Mas parece que o
intuito da moça ao empunhar sua pena é fazer propaganda pessoal, seu olhar
firme dirigido para quem a vê do outro lado da cena. Foge essa mulher da
simples vaidade, quer ser uma personalidade, dedicada a uma atividade mais
útil, menos fútil.
Na recém-criada República holandesa, da paz e da prosperidade, o desejo
específico dessa mulher da nobreza holandesa é reconhecimento por sua
inteligência. Na mitologia, a deusa
grega Atena, protetora dos sábios e dos artistas e inventora da escrita,
castiga Meduza ao fazer com que seus belos cabelos se transformem em cobras,
seu olhar vire pedra. A jovem no quadro, ao contrário da górgona, em vez de cobra, tem laços de fita nos
cabelos; tem as mãos firmes de escritoras em vez mãos de ferro; o manto de seda
dourada em vez do corpo coberto de escamas. O espírito reformista do artista
inspirado no saber antigo, na tradição, para subvertê-los. O colar de pérolas,
que a mesma jovem exibe no quadro anterior, repousa sobre a mesa, uma vez que
essa mulher tem outro tipo de vaidade, a intelectual, e suas pérolas são do
saber, o que a elite moderna almeja alcançar. Sem relegar a história, Vermeer
mostra a modernidade de uma época, em que se postula um futuro promissor para a
mulher, cuja conduta não visa encantar deuses, ou homens, mas ser uma pessoa importante,
culta. Postula uma nova história.
A mulher condicionada, no sentido de cooperação e respeito, por ser ela a intercessora
no mundo, capaz de insuflar a humanidade em direção ao bom comportamento, à civilidade,
o que constitui o conteúdo didático da pintura barroca tridentina. Arte para
fazer brotar mais vida num mundo, que oscila entre o céu da transcendência e o
inferno da contingência e soberba humana, perigoso para a mulher, que sofre
mais que os homens com tudo isso. Mas nunca deixa de lutar pela vida, pelo que
acredita, pelos seus objetivos. Mulheres aguçadas pela modernidade do
conhecimento e, para tanto, levam nas mãos os instrumentos desse progresso, ou
seja, o papel e a pena, em especial. No mundo contemporâneo, da
interatividade, as mulheres, como os
homens, atuando no mundo virtual nem sempre de modo racional. Tantas pessoas
no trabalho diante do computador, ou mesmo em casa em frente da televisão,
perdendo o interesse pela vida na sua essência. No medievo, a iniciação e
interação, através da leitura, da escrita, e também da música, e mais
precariamente através do vinho.
É evidente no quadro de Vermeer que
essa mulher tem atitude de acordo com a classe da aristocracia. Séria candidata
séria ao sucesso, e não como as moças de hoje, no BBB e na Internet, às vezes
tendo como única meta matar o tempo, mas que se expõem, quase sempre,
indevidamente. “Ironia, ironia, ironia, tudo é ironia” retruca o iluminismo no
século XVIII. A moderna virtualidade, por exemplo, que pode ser perigosa, como
uma forma medieval e infernal de não socialização, de se ficar conectado com
pessoas que não mereçam atenção, muitas vezes alienadas e alienantes, até mesmo
criminosas.
A eletrônica de admirável utilidade no mundo contemporâneo, técnica extraordinária posta à disposição da
humanidade, auxiliar importante no trabalho dos que buscam o aprendizado e
mesmo o sucesso e reconhecimento pelo que são capazes de realizar. As novas
atividades, os instrumentos modernos de comunicação e mídia, que devem ser
usados e não abusados, por exemplo, ao se criar uma personalidade falsa,
diferente da pessoa real, uma vez que sem inteligência nada prospera no sentido
pessoal, muito menos social. Importante que todos que navegam em mar de e-mail não fujam das responsabilidades, já que a tendência atual é a irresponsabilidade tomar conta
de tudo, a exemplo dos invasores de privacidade para cometerem crimes, ou dos
sabotadores que podem levar ao caos a comunicação via internet. A trajetória
humana de excessos cometidos, desde a multiplicação da espécie à proliferação
das mazelas.
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