quarta-feira, 30 de julho de 2025

 



                     “ATELIÊ DO PINTOR”- A BELA E A FERA



 

 

Não confio em meus olhos quando considero o homem, pois tenho um critério melhor e mais seguro para distinguir o verdadeiro do falso, cabendo ao espírito encontrar o bem.” Palavras de Sêneca, que faz pensar se teriam inspirado Vermeer ao pintar o belo rosto feminino que posa como modelo para um feio e desajeitado pintor em seu ateliê. Tempo dramático de virada para a modernidade. No quadro "Ateliê do Pintor" a modelo representa Clio, a musa da história, bela e luminosa, luxuosamente vestida e carregando um grnde livro e também uma mitológica corneta. Já a figura do pintor remete às lendas,  e está diante do seu cavalete, sentado num banco, dando início à sua pintura. A especial arte de Vermeer,rodeado de coisas, que lhe dão inspiração, maior ou menor, tudo junto e misturados num caldeirão, que fala da postura eclética da sociedad em que vive. como mestre em Delft. No quadro a representação alegórica do conto "A Bela e a Fera"de Challes Perraux, (1628-1703), expressão da arte barroca, e revela as intenções do pintor, eclético em sua arte, e por conta disso está de costas, apenas vista sua cabeleira gorgônea. Esconde o rosto de “fera” ao lado da “bela” uma vez que há dúvida sobre o que se anuncia  de mudanças, o que expressa apintura. A “bela” por estar posando para o artista, uma “fera’, do qual desconfia e trata de fechar os olhos, como se não quisesse ver o pintor, nem o que está exposto ali, e assim volta-se para o interior de si mesma, lugar mais seguro. O próprio pintor estaria em conflito com ele mesmo e poderia estar em dúvida sobre o julgamento que podiam fazer dos seus quadros, alguns feitos de encomenda, sua obra observada corretamente, ou provoque no observador ideia diferente da sua intenção.

O trabalho artístico na largada para os novos tempos, tempo do gato preto da bruxaria, que cede lugar às ledas, também as histórias infantis como “Gato de Botas” história também escrita por Perraux. Volumosas meias saem do elegante escarpam, design moderno,  para dar ideia de uma bota, as “botas de sete léguas” que na lenda protege os pés do gato em peregrinação para fazer propaganda dos seus senhores, no caso do pintor, seus patrocinadores. Ressaldo um vermelho,, sinal do sofrido esforço para percorrer o chão minado da criação humana. O fundador da Nike, Philip Kiniglt: falou :“Ainda tenho os pés no chão, mas uso os melhores calçados.” Já o também bilionário americano Warren Bufett, considerado um dos maiores filantropos do capitalismo,  aconselha que não se use grife, mas apenas as coisas em que se sinta bem e confortável. Quanto ao artista, uma de suas mensagens parece ser para as pessoas prosseguirem na busca pelo conhecimento, pelo trabalho, mesmo sofrido, que pode dar a proteção  financeira através do comércio, cmo do calçado. Assim caminham juntas a arte e economia em Vermeer, como um mago, mas no sentido de acreditar no que faz, nos negócios. O interesse financeiro e tudo o mais que a arte é capaz de proporcionar proteção ao homem, contra as arbitrariedades do poder obscuro, do absolutismo, no momento em que o iluminismo  dava seus primeiros passos, com o iluminado e ao mesmo tempo iluminista Vermeer

Em Pádua o renascentista Donatello fez a estátua equestre de Erasmo de Narni, apelidado de Gattamelates, ou “gato melado”, erguida na praça central da cidade, dando “respeitabilidade clássica ao mercenário”.  No quadro de Vermeer o pintor está sentado num simples banco, como sua  montaria de pintor. Nada sacerdotal, mas felino e equestre, diante do cavalete onde exerce seu ofício de pintar, de algum modo a lembrar o misterioso “gato melado”, ou até mesmo o lendário gato de botas. A arte do pintor  seria superior à clássica escultura, que enaltece os homens poderosos. Vermer procurando dar destaque à mulher em pintura, no desejo de imprimir o ideal de feminilidade e humanidade, mesmo humildade. Observa-se que sobre a mesa ao lado do artista está a clássica escultura de uma máscara mortuária, representando o poder político, em contraponto com a máscara do mistério que o pintor inspira com sua cabeleira gorgônica. A história do progresso material, que mesmo rude é necesário,  e sendo assim, deve ter o respaldo da arte. Tudo por conta do homem moderno, sua ciência e ambição, a sente-se poderoso, quase divino, mas que deve ter cuidado para não sucumbir ao demoníaco.

A alegórica personagem feminina parece que olha com desdém para o pintor de estranha aparência, que pinta uma nova mulher para o mundo, conta uma nova história do feminino, da mulher, para que possa ser admirada, tenha modernidade e respeito. Misteriosa arte, misterioso mundo feminino, que não se revela total e claramente, como a própria natureza e seus mistérios. Soberba  natureza, e seria uma ilusão afirmar que a mulher, assim como a natureza é possuidora de total beleza e simetria, assim como não há unidade no Universo. Muitas são as diversidades pessoais, sociais, culturais, sendo limitada a capacidade humana para entender e criar condições de amenizar de todo as diferenças entre as pessoas, as nações, culturas, e, em especial, entre o homem e a mulher. A imagem da moça que representa a musa da história, parece desconfiar do pintor em seu aspécto, que faz com que carregue o volumoso livro, e ainda tocar a corneta anunciando um novo dia para a mulher. O volumoso livro pode, inclusive, conter folhas em branco, uma vez que os saberes do passado sairam das cabeças masculinas, e por imensa que seja sua importância, há dúvidas sobre elas. E não há dúvida da superioridade do feminino na história diante da ambição, da vaidade e da fama perseguidosa pelo gênero masculino, tudo que representa a  história, não apenas do passado, que estão a sua frente e atrás dela, no caso, o mapa das Províncias Unidas,  seu  significado econômico, político e religioso.

Sobre o chão do ateliê está posicionado o banco onde o pintor está sentado, estrategicamente colocado sobre uma cruz, feita com as peças negras do ladrilho, em contraste com as brancas. Uma representação da Cruz de Malta, das navegações de Vasco da Gama?  Ou seria a cruz do sofrimento prvocado por Lúcifer,, em contraste com a  luz divina? No templo de Apolo, no lugar onde a pitonisa fazia suas revelações, existia uma falha na rocha em forma de cruz por onde escapava um gás natural, alucinógeno. O poder que emana da natureza, do sonho humano de se deduzir todo o conhecimento pela revelação, anterior à fé cristã e à ciência, que veda pela cruz essas manifestações do subterrâneo, que não se deixe vagar pelos meandros da imaginação e das paixões,  que levam a pessoa a cair no abismo da loucura e da morte. Tales de Mileto absorto em suas reflexões para conhecer a origem do mundo cai em um buraco no caminho. Empédocles pula no Etna, quando intimado a provar-se divino. Nietzsche cai na escuridão da mente. Profundidades que alucinam, assim como a modernidade mercantil e utilitaristas, que pode conter uma maldição. 

A análise do pintor calvinista é calcada na síntese, enquanto a antítese levou ao nazismo e à Segunda Guerra Mundial. O místico Santo André foi crucificado de lado, como a Cruz  de Santo  André, que está gravada no chão do Ateliê, para vedar a superstição, as ambição desmedida, e tudo o mais que racha o chão em que atua o artista, como o do místico, do empreendedor, e pode vedar até mesmo uma herética ciência, sem compromisso com a vida e a moral. O chão em que pisa o homem de ciência, o artista, o artífice e o negociante, deve ser bem pavimentado para que não escape alguma maldição. certo que o lucro, a riqueza, serve de amparo contra a miséria material e social, e mesmo que a arte seja negociada, serve de proteção para o artista livrar-se da pobreza material. E no quadro, as duas figuras humanas, assim como os objeto, representam a pessoa e a coisa em si e serve de metáfora,  no sentido  mítico, mitológico, místico, histórico. O pintor como o Fausto da  história de Christopher Marlowe (1564 -1593), filho de um bem sucedido sapateiro, também ele lembrado no calçado, como bem “calçado” estaria o personagem faustoso, conforme o texto popular alemão,  onde um sábio insatisfeito com seus conhecimentos de medicina, filosofia, direito e teologia, busca caminhos alternativos. Fausto de Marlowe faz então um pacto com o demônio, com tempo determinado para acabar, e que logo se esgota, deixando-o mais frustrado ainda com os resultados obtidos, sendo impossível satisfazer sua curiosidade intelectual, ter plenamente realizados seus desejos. O desfecho é a danação de Fausto que a jurar nunca mais querer ler um livro, enquanto é levado pelo demônio.

 Alquímicos e cabalísticos poderes, mágicas idéias, desejos de toda natureza, a arte barroca como expressão maior de um tempo e suas ideias. O conhecimento, que a instigar a humanidade, e, em especial, as mulheres nos quadros de Vermeer, em seus embates cotidianos, que não deixam de ser sublimes. Saberes elementares, e abstrações de maior alcance, até que o conhecimento torna-se científico, e a história, como uma ciência social, observa os fatos cientificamente. Da dúvida à certeza, e volta à dúvida, sem que se possa superar de todo a ignorância, que nunca deixou de ser santa, a Santa Ignorância de que fala São João da Cruz. Pecadores e homens sábios - entre eles os santos – habitantes desse mundo que parece nunca superar a adolescência e chegar à maturidade. Os jovens hoje mais confortavelmente instalados na casa dos pais, em dedicados e inocentes, mas também em perigosas caçadas no computador. Ou navegando em mares nunca dantes navegados, sujeitos à intempéries, borrascas, sua frágil embarcação até mesmo ser enngolidos por algum tubarão. Afinal é preciso correr perigo para ir longe, como nossos ancestrais, todavia, mais conscientes do inimigo, o que os moços de hoje ignoram. O ser humano contemporâneo, tendo assesso a uma tecnologia avançada, vendo-se na fronteira entre o selvagem e o civilizado, mas  por acredita na sua condição de ser superior acha que não deve prestar contas do que faz, nem pedir auxílio da força divina. E sem recorrer a Deus a vida fica mais difícil.

 


terça-feira, 29 de julho de 2025

 

VERDADE!



 

ARTE- JEAN VERMEER


                                      "ATELIÊ DO PINTOR" - A MODA 


FERNANDA TORRES COM O SEU CHANEL NO OSCAR 2025

 

O estilo solto das vestes femininas passa a ser adotado para livrar as mulheres dos apertados corpetes até então na moda, o que Vermeer mostra em seus quadros, a par dos tecidos preciosos como o da modelo, que  representa Clio no quadro Ateliê do Pintor. O barroco Vermeer, cuja arte visava difundir conceitos, e não teria feito uma simples ilustração de moda, como a dos célebres irmãos Bonnart em Paris, que “faziam propaganda das pessoas e roupas, na mesma proporção”, segundo o escritor Jean Dejean, que informa ter sido justamente a moda que fez as mulheres tornarem-se empreendedoras no passado, já no tempo de Vermeer. As costureiras em seus ateliês de alta costura, as cabeleireiras com seus penteados, verdadeiras obras de arte em Paris e adjacências.  Já no século XX surge o nomeado mantô, que libertou as mulheres dos espartilhos vitorianos. Roupa mais decente e saudável, ao esconder as formas do corpo e libertar as mulheres dos apertos, e Chanel, a grande stilista parisiense teria criado a veste inspirada nas roupas usads pelas meninas do orfanato onde morou.  Paris que ia ditar a moda no mundo ocidental séculoas depois. Uma abordagem que nos leva a Machado de Assis, aliado dos ideais da elite liberal do seu tempo, e que se valeu da revista de moda “A Estação”, para publicar “O Alienista”. Ambos, escritor e o pintor, difundindo sua arte de escrever, ou pintar, ao lado da elegância, do progresso, quando  então se passou a utilizar as riquezas, o que se pode dizer, superficial. Vermeer e Machado, aliados das mulheres, para que elas fossem cultas e também elegantes, assim como chamavam atenção para que tivessem parcimônia nos gastos. O escritor chega a internar no hospício a gastadora mulher de Bacamarte por sua exagerada vaidade. 

Restabelecida em 1806 a monarquia nos Países Baixos ressalte-se a elegância de Máxima, rainha consorte da casa Orange-Nassau, casada com o rei Guilherme  Alexandre. No quadro de Vermeer um suntuoso tafetá cobre a Musa, assim como há chalés de seda caindo da mesa do Ateliê, o que representa os produtos comercializados pelo avô do pintor através da cobiçada Rota da Seda entre a China e a Europa. O mesmo esmero encontra-se nos trages das demais imagens femininas pintadas pelo artista de Delft, desde as mais simples, até as de grande esmero, luxo, o que leva a imaginar que pode, inclusive, ser  propaganda de algum ateliê de costura. Mas a intenção de Vermeer como pintor barroco é alertar as mulheres sobre o papel ético feminino, além do bom gosto e elegância, que devem ser cultivados no momento em que o consume se introduz na sociedade. A propaganda que Vermeer faz é do ideal de sociedade que quer exorcizar os demônios da irracionalidade, assim como da racionalidade exaltada, que teimavam em corromper os costumes. A vida liberta das  obscuridades, e possa propiciar uma modernidade com pessoas compromissadas principalmente com o trabalho, além do consumo, o que é diferente e questionável o desejo de agradar, ou desagradar, de gozar a vida sem freios. Vermeer está afinado com as melhores cabeças do seu tempo, no desejo que homem e  mulher sejam modernos e feliz, ressaltem o bem e o belo em cada um, e se tenha as melhores ideias, adotem-se os bons costumes, que evitam o desalento. Lógico que surgiu o que de longas datas já se temia, uma geração de deslumbrados diante dos grandes avanços científicos e tecnológicas, de uma produção de bens materiais para o consumo.

E ao fazer tombar a máscara sobre a mesa do seu Ateliê, estaria Vermeer assumindo uma postura frente à história, anunciando o fim de um ciclo, abandonando, inclusive, o ideal renascentista, clássico, de endeusamento dos poderosos, cujo expoente é a arte de Donatello. Entra em jogo a pintura artística, que passa a ser considerada superior à escultura, de visão limitada, conforme afirmação do próprio Leonardo da Vinci (1452-1519). A clássica máscara mortuária no quadro se confronta com a máscara do pintor, evidente em sua cabeleira gorgônica, que esconde sua face, por conta das afinidades infernais que orientam as investigações nas profundas águas da racionalidade, também da irracionalidade. O duplo papel do artista de cultor e desbravador, como também de sentinela dos lugares proibidos.

 O piso onde trabalha o pintor no Ateliê lembra um tabuleiro de xadrez, jogo que acabara de ser inventado, com ladrilhos brancos alternados com os pretos. Muitas coisas estão em jogo, com na antiga Grécia dos jogos píticos foram instituídos para celebrar Apolo, o deus sol, da luz do conhecimento, vencedor na competição com a serpente Píton, das obscuridades. Os jogos transformados em festival musical pan-helênico, com os vencedores recebendo coroas de folhas da árvore sagrada do deus do sol. E Píndaro, para homenageá-los, criou odes píticas executada na flauta, acompanhada por cítara e salpinge, espécie de trombeta. Aristocratas e burgueses  devotados à música e às artes, dedicados à caça, meios de aprimoramento, ou sublimação dos desejos primários, também afeitos ao conhecimento. Principalmente, se dedicam à navegação, com a qual  expandiam seus negócios e enriqueceram. Theodor Adorno (1903-1969) fala sobre a ilusão do ser humano que para não sucumbir ao vazio, em tempos de enlouquecer qualquer um, apela para a ascese através dos jogos, uma barbárie como que para reconstruir o não-bárbaro.

Vermeer num jogo de paradoxos, em sua metamorfose, parece pisar chão minado em busca de inspiração para seu trabalho, e faz sangrar. É o que insinua o vermelho das meias do personagem, que sofre com suas buscas. O jogo louco, mas loucura no sentido de paixão pelo que faz, na produção da arte, que negocia, sim, sendo que o dinheiro pode levar à usura, o que se teme. O drama da civilização, ou da própria vida, que é um jogo perigoso, quando se pode fazer pacto com o diabo. O jogo da modernidade, que aposta no progresso, sabendo que o tempo é limitado, que o momento de felicidade é curto. Acontece com a alma que busca a felicidade nas profundezas do irracional, onde  reencontraria a unidade espiritual, o caso da alma alemã, gêmea da holandesa, mas em certos aspectos totalmente diferentes uma da outra, como disse o argentino naturalizado canadense Alberto Manguel, que nos faz entender um pouco mais de Vermeer. O pintor mira na História, que, segundo o escritor  é capaz, sob certas condições, de curar, iluminar, indicar caminhos, sobretudo mostrar nossa condição, romper a aparência superficial das coisas, ou das correntezas e abismos subjacentes: “A história que pode não nos dizer quem somos, mas que existimos, e com histórias para contar, confrontar”. Um dilema para quem se dispõe a verificar as coisas a fundo, no que diz respeito à natureza humana racional e também irracional. O fator econômico e o político entram como coringas no jogo, em que o interesse financeiro é importante, mas que haja bom senso nas decisões.

 

 


segunda-feira, 28 de julho de 2025

 

ARTE - VERMEER


            "ATELIÊ DO PINTOR" - O LIVRO E A  TROMBETA  




 

No quadro Ateliê do Pintor a figura feminina, que representa  Clio, musa da História, tem nas mãos  uma trombeta. Estaria anunciando um novo destino para a história humana, que pede socorro da história, batizada ou coroada pela natureza. A História representada por uma jovem que posa para o artista, e está vestida com um luxuoso tecido azul-celeste, cuja intenção seria dar maior distinção àquela moça, uma simples camponesa com sua corneta alpina. O toque da trombeta em alerta contra  a heroica e herética modernidade, ou tocada a seu favor? O sopro da civilização, que também trás a baila o trabalho feminino, a exemplo da “sopradora” de vidro em outro quadro do pintor? Ou o toque da trombeta é de silêncio? Que se escute o que anuncia o presente, onde se vive um renascimento das ideias, a par dos avanços da técnica e da ciência. E não esquecer o som estridente do instrumento de sopro que pode ferir os ouvidos, ensurdecer, sendo preciso  compatibilizar as diferenças, não exacerbar o que incita a modernidade.

Glória e também tragédia das civilizações no passado de guerras, que na presente civilização europeia sai esfacelada das guerras religiosas para anunciar um novo tempo. No que tange ao político, a trombeta teria o sentido de toque de recolher, e se referir ao Sacro-Império Romano-Germânico. Luzes que se apagam, como as luzes do candelabro no mesmo quadro, com as três águias dos Habsburgos. O pintor sentado à frente da cartografia das ricas províncias sob o governo da Casa de Orange, e de costas para quem o observa em seu trabalho de propaganda barroca da reformada República holandesa. E o pintor vai mais além, mas esconde o rosto, uma brincadeira, e se possa imaginar, por sua vestimenta, o artista espirituoso e jovial, típico dos antigos camponês burgúndio, os primeiros povos católicos, característica herdada pelo povo holandês, seu espírito aberto e desinibido.

Após a invasão da Burgúndia por Átila, rei dos hunos, surge lendas sobre fatos e feitos heroicos do mundo pagão e cristão ao mesmo tempo, quando os monges eremitas eram apelidados de marmotas, erguendo  tendas entre árvores ao longo do Reno, como os pequenos seres habitantes da floresta, e fundaram mosteiros, onde se cultivava o vinho,  tornados ricos e famosos, enquanto a civilização se consolidava. Foi no século VI que o irlandês rude São Columbano, independente de Roma, realizou a missão de converter os povos, em missões espontâneas pregando ao longo do Reno, e funda o primeiro mosteiro de Luxeil. Independente e vitorioso São Columbano seria precursor de Lutero. No século VIII outro missionário, o inglês São Bonifácio, que comungava sua fé com Roma,  investiu nas missões na região da Frísia de férreo paganismo,  que acabou vítima fatal dos frísios, convertidos, mas que retornaram a suas antigas crenças e costumes. Glória e também tragédia do passado, enquanto no presente a civilização europeia sai esfacelada das guerras religiosas para anunciar um novo tempo.

No último canto do Paraíso de Dante, a metáfora para o universo é um livro, justamente o Livro Sagrado, chave para o conhecimento da história do espírito, também a história das primeiras experiências humanas. O momento era especial, em que o Ocidente parece sair da barbárie para a vida civilizada, ou passa do macrocosmo da guerra, do poder absoluto e hegemônico, para o microcosmo da família, da individualidade e civilidade. O livro impresso como arma para enfrentar o perigo de retorno à barbárie, ao absolutismo e obscurantismo. Daí para frente que se ignore o que não estiver no livro impresso, e até mesmo se desdenhe dos que não estudam as ciências, nem aprendem nas universidades. No quadro, o volumoso livro que Clio tem na mão tem a cor do sol, do saber, mas que ainda da ideia que suas páginas estejam com as folhas em branco. Uma nova história o mundo vai contar daí para frente, tal qual a mente de um recém-nascido – uma folha em branco para John Locke(1632-1704)onde novas experiências e sensações vão ser registradas. 

O luminoso livro nas mãos da musa da História, que pode ser ainda uma coletânea dos lendários, dos contos de fadas, águas doces e tranquilas na aparência, a fazer parte do jogo, vindas do paganismo, de tradições não ortodoxas, que faz contraponto com o volume de aspecto envelhecido, que está semi-aberto sobre a mesa, e pode conter, por exemplo,  as obras clássicas, de Virgílio, Tito Lívio e Cícero, entre outros autores dos primeiros séculos. Caudalosa fonte, como a que jorra da mesa sobre a qual além do livro antigo, há uma escultura de Aquiles. Na fonte grega do Estige a mãe de Aquiles mergulhou o filho, a fim de torná-lo invulnerável. O antigo culto à natureza coexistindo com outras formas antropomórficas de religiosidade. 

Os olhos semi-serrados de Clio é de humildade, ou desdém? A história, ou o feminino, que, todavia, vai se beneficiar do saber cientifico e tecnológico, do conhecimento, ainda incipiente. A mulher até então apena dedicadas à caridade, e às causas humanitárias  passa a contribuir para o progresso de modo efetivo, como membro atuante na sociedade moderna, que tem para a mulher um projeto liberal. Vermeer certamente por suas filhas torna-se  mensageiro desse ideal, que está assentado no valor econômica, em colaboração com a ética protestante de que fala Max Weber. O trabalho propulsor do progresso, e os holandeses tenazes trabalhadores para salvar o seu solo das águas. A tenacidade também da fé protestante naquele país ainda afogado no paganismo, e tudo o mais que atrasa, principalmente, a vida da mulher.

Em 1648 foi impresso em Amsterdã o livro intitulado História Naturalis Brasiliae, contendo 429 desenhos, em grande parte retratando a fauna e a flora, bem como os nativos do nordeste do Brasil, obra do médico Willem Piso e do botânico Georg Maregreve. Para Francis Bacon o conhecimento viria da experimentação, tanto no sentido interior quanto exterior, o que marca claramente o fim do saber antigo e o início do moderno. E em livro, o fabuloso Novum Organum, trata o ser humano como ser biológico e cultural, filho da natureza e da cultura. O livro dourado de Clio conteria ainda os sermões e cartas do padre Antônio Vieira (1608-1697), lido e admirado em muitos países. O visionário autor jesuíta de História do Futuro, adepto da cabala judaica, da mística milenarista, e outras fontes, que esteve em visita à Holanda, e logo depois exilou-se no Maranhão, onde passou a defender os índios da exploração dos colonos, instruindo e educando tanto uns quanto outros. Vermeer, peculiaríssimo artista dos pinceis, como Vieira é da pena.

 

 


domingo, 27 de julho de 2025

 


                                                   ATELIER DO PINTOR

 



A palavra ateliê, segundo o dicionário, significa uma “reserva de material produtivo, dando ideia de desordem, sucata de fecunda inspiração”, tudo o que mostra o quadro Ateliê do Pintor, onde uma jovem modelo posa para ser pintada como a figura mitológica de Clio, cercada por objetos-símbolos, as antiguidades vistas ao lodo dos produtos modernos, o que constitui a matéria prima utilizada pelo artista, inclusive, para divulgação comercial. Não é sem motivo que o faustiano pintor está de costa, dando início à sua pintura pela coroa da musa da história, feita de folhas, representando a natureza, e os poderes medicinais dos produtos naturais, o que a botânica começa a desvendar os segredos. A modernidade, que começa no humanismo naturalista. O naturalismo renascentista, por onde se inicia a grande virada para os tempos modernos. E muito se fala na época sobre a alquimia, o que pintor faz com os materiais extraídos da natureza para produzir as especiais cores com que pinta seus quadros. O Ocidente parece querer fazer pacto com os demônios, e sendo assim as coisas passam a ter valor monetário. O sentido é que tudo que se faz, ou produz, é para ser negociado, e Vermeer não foge à regra.

 A apropriação que o pintor faz da história e da natureza, acrescida do sal filosofal que seria o conhecimento, também o trabalho. Uma alquimia que Vermeer-Mefistófetes, coloca no caldeirão do seu ateliê, onde tudo se mistura. Por força da dúvida cartesiana o quadro fala das coisas do passado, que serve de guia na viagem para um novo tempo de liberdade e progresso, até certo ponto na contramão da história. O mundo prestes a ser dominado pelo poder econômico, os fins a justificarem os meios, o que pode ser fatal. A dúvida que paira sobre essa nova idade de ouro para o homem, inclusive, para a arte, a famosa arte holandesa do século XVII. É patente a apreensão do pintor ao tentar fugir do artificial, quando então apela para a beleza natural das cores, que ele mesmo fabrica. A cor dourada do volume que Clio carrega como um filho, um volume impresso, tendo ainda uma trombeta na outra mão, tudo o que a modernidade representa a liberdade para a mulher. O valor que o livro tem, onde se adquire o ouro alquímico do conhecimento, que se difunde em maior escala através do livro impresso. Um suntuoso tecido ressalta a beleza e também a riquezada musa, o que expressa os costumes e gostos que começam a se sofisticar, ao mesmo tempo em que enche os bolsos de mercadores e comerciantes, com a produção intensa para o consumo e exportação. Assim como o luxo do conhecimento, que enriquece os bolsos e as cabeças renascentistas, desde o conhecimento bíblico, filosófico, mitológico e lendário, até chegar à ciência, tudo como presente dos deuses, ou de Deus, seguindo os ditames da história, ou mesmo fora dela.

As artes e ofícios que levam as pessoas a se integrarem a algum ateliê, ou guilda, onde fazem e vendem sua arte, e expõem seus objetos. Dentro dessas estruturas corporativas reúnem-se recursos, colaborações, adquire-se conhecimento, onde também são tratados os dilemas de natureza transcendental. As habilidades transmitidas dos mestres para os aprendizes, estimulados pela competição entre estilos, técnicas, o que beneficia a produção e respectivo desenvolvimento técnico, propiciador do sucesso social para todos os envolvidos. No século XVII é intensa a produção de bens, e os trabalhos realizados em conjunto nos ateliês, ou nas oficinas, nunca são deixados a cargo de uma única pessoa, mesmo dos mestres, segundo Richard Sennett no seu livro “O Artífice”. Cada projeto, o custo da obra - do começo ao fim – a cargo das corporações que tinham convicções também fora da área material. O perigo que corre a imaginação, cuja tendência é se desviar da realidade para percorrer caminhos obscuros, como aconteceu na nacionalista Alemanha de Hitler, segundo Peter Gay para quem “a realidade histórica não tinha como concorrer com a fantasia teutônica”. Mas a modernidade encena uma nova história, real, globalizada, onde a  participação feminina é fundamental, quanto à sua emancipação, num novo contexto, calcado no ideal burguês e liberal, de trabalho e progresso.

Estava sendo dado o grande salto rumo ao futuro, conquanto a humanidade sofresse, como ainda hoje, com obscuridades. Drama, não uma tragédia grega, o que o pintor encena, em consenso com instrutores e patrocinadores na recém-fundada República holandesa. O mundo em expansão territorial, sendo olhado no sentido de transformá-lo, principalmente através das ideias, dos costumes, outra alquimia, sob os auspícios da produção crescente, tanto local quanto a que chega do outro lado do mundo. Sedas e especiarias vêm do Oriente, produtos para comercializados, assim como a produção nacional, com os quais as pessoas enriquecem individualmente, assim as cidades e as nações. Resta conviver com essa nova realidade, acatar o avanço tecnológico, sem ferir a primitiva natureza, de onde se extrai todo essa riqueza, aliada do homem, não uma inimiga a ser explorada à exaustão.  A ética reformista e o ideal progressista da burguesia passam a ditar regras. O trabalho como mola propulsora do processo.

 

 

    

terça-feira, 22 de julho de 2025

 

QUE ESPETÁCULO DE MEZANINO!



 

PURO  ACONCHEGO! 



 


                              A MORTE



 

 

Morrer é inevitável, resta enfrentar esse destino, do qual ninguém pode fugir, e sendo assim, viver um dia de cada vez, com suas dores e alegrias, até mesmo o vazio, que tudo é merecimento, e nada mais. Lembrar sempre que temos uma vida, que nos foi legada, com o dever de levar adiante o plano divino, que está além do nossa compreensão. Aproveitar os momentos bons e superar os difíceis, simples assim. Certo que tudo fica mais fácil, se não complicarmos as coisas, tendo como resultado numa vida longa, e morrer igual passarinho, o ideal de morte, do qual falava minha avó, ou seja, dormir, e não acordar, lá pelos cem anos e mais. Pode isso? Sim, o que acontece com quem fez por merecer. E a Preta Gil, que teve uma vida privilegiada, por seu nascimento, por seu incomparável charme, viveu intensamente, e se foi a contragosto, lógico, que ninguém quer partir tão cedo, afinal estamos aqui nessa terra gostosa de viver. Partiu rodeada de fâs e amigos que conquistou com seu incondicional amor or todos, um imperdoável câncer. Lembro a professorinha amiga da minha mãe, que morreu aos 100 anos, antes cercada por alunos e gatos lá na pequenina São José de Ribamar, depois na capital aos cuidados de parentes a ela apegados, e parecia sorrir  em seu último suspiro, a lembrar a bela moça, que fora um dia abandonada pelo noivo, após anos de compromisso, ou de submissão. A Preta, pretinha, livre, leve e solta, sua vontade sendo respeitada até o último momento, igual à outra, mas que viveram e morreram em tempos diferentes.  Deus as guarde sempre em seu regaço, que elas merecem.


segunda-feira, 21 de julho de 2025

 


 

                                                            TRAIÇÃO

 

 


 

Não foi apenas um fragrante, foi prova do que alguém é capaz de fazer, quando não tem consciência do que é certo e errado. Hoje em dia é comum a pessoa achar que pode tudo, principalmente, quando alcança o sucesso profissional, tenha conquistado uma estabilidade financeira, acrescida da afetiva, no amor conjugal, com uma família.  E foi assim em fragrante traição que um CEO acaba de perder o cargo e a própria família, por estar no lugar errado, com a pessoa errada, quando então uma câmara fotográfica, dessas que acompanha os famosos se divertindo para tornar público, o que os famosos adoram é aparecer. Mas lá estava um homem casado aos beijos com uma colega de serviço, mulher também de sucesso, uma dessas poderosas mulheres, mas descompromissadas.

                   Acontece a traição quando o ego fala mais alto em algumas pessoas, que, na realidade, perderam a fé na vida, deixaram de acreditar, no amor, já que para ele vencer  profissionalmente é tudo na vida. Noivo, ou casado vai tirar a aliança  para continuar a paquerar,  sair flertando com as amigas, como se não tivesse compromisso algum, quer mais é aproveitar o momento, viver o aqui e agora. Não admite é ciúme, já que não acredita realmente no amor, na fidelidade. Mais cedo ou mais tarde será desmascarado,  o que aconteceu dias atrás durante a apresentação de uma banda no Rio. Em casa tem que haver um anjo para suportar seus deslizes, ou quem pense como ele, faça o mesmo, do contrário, a cobra vai fumar. O tal CEO perdeu tudo. A liberdade tem limites, e ninguém suporta uma traição sem reclamar, se não estiver em conformidade com esse comportamento delituoso de pessoas que só acreditam na sedução, na boa e passageira vida.

                    Entre a ética e o ego vence o segundo para o conquistador inveterado, que acha estar tudo bem, obrigado.  Afinal sempre há uma mulher que suporte ser enganada, simplesmente para levar adiante um sonho de felicidade na companhia de uma pessoa, em um lar, que aprendeu a amar mais que tudo.  Coisa do passado? Sempre vai haver pessoas irresponsáveis, que  cedo ou tarde, vão sofrer as consequências dos seus atos delituosos, por ser fiel aos compromissos assumidos, em especial, com a pessoa com quem está casado e pretende viver. Certo que o traidor não escolhe o alvo, começa por trair a si mesmo, e, cedo ou tarde, vai trair profissionalmente, como vai trair sua esposa, sua família. Como confiar num ser sem caráter, sem as qualidades essenciais para a vida. O caráter vem do berço, o que, dizia minha avó, se aprende em casa. desde pequeno, a começar pelo exemplo dos pais, que também são fieis a Deus, à sua igreja.


domingo, 20 de julho de 2025

 

                                                                   A  CASA

 



      Vida longa tem essa casa, e que não tenha morte súbita, como tantas outras, preservada em seu formato singelo, que remete a um ideal, que ficou fora de moda. Joia arquitetônica de um passado não muito distante, lembrança do lar doce lar, abrigo, onde o homem encontrava o merecido descanso, após seu trabalho de provedor da família. Para a mulher espaço sagrado do amor, que certamente floresceu nessa casa, na dedicação da esposa e mãe à família. O respeito que havia entre pais e filhos, também quanto às pessoas que frequentavam a casa. A casa, que era escola de ensino integral, e também servia de igreja no amor a Deus, na gratidão por tudo recebido do alto. A psicologia que havia na casa antiga, pela escuta, e pelos sábios conselhos. Era a casa referência de dentro para fora, a refletir no mundo o que acontecia lá dentro em amor e fé. 





A. Dvořák: Songs My Mother Taught Me (Stunningly Beautiful)

sexta-feira, 18 de julho de 2025


QUAL  É A MAIS LINDA DAS DUAS CASAS?











 

A MÃE NATUREZA!



 


 

 

                                        SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO – PARTE 5




 

É chegada a hora dos artífices, que se tornaram atores, apresentarem a peça preparada para os festejos das bodas de Teseu e Hipólita. Os reis de Atenas estão ansiosos para ver o que acontece no palco, com a prévia intensão de interferir no texto se necessário. Começa com o Prólogo apresentando os atores: Fio no papel de Píramo, Flauta como Tisbe, Trombudo como Muro, Faminto como Luar, Funileiro como Leão. O texto trata de dois amantes ao Luar, separados por um Muro, como um Leão programado para rugir, podendo até mesmo ferir a personagem feminina. Uma paixão que envolve os amantes, havendo entre eles um impedimento, e só por uma fresta no Muro é que os dois se comunicam. Em pleno Renascimento Shakespeare conta essa história, o que remete à cultura greco-romana, a começar pela fundação de Roma pelo troiano Eneias, neto de Príamo, o que aconteceu às margens do rio Tigre. Pode referir-se também à chegada os colonizadores nas terras do Novo Mundo, onde há feras a enfrentar, inclusive a ferocidade dos aborígenes, sendo os próprios europeus ferozes conquistadores.

                 Os sonhos da escuridão da noite, ou sob o poder do luar, quando surgem as lendas, a fantasia, além dos mistérios da fé. E  para que servem? Certamente para afastar as paixões exacerbadas, contra os poderes do mal, que pode dominar a humanidade. A certa altura diz a peça: “Esta é a hora sem lua...” Triste realidade que se apresenta à mulher, quando as necessidades matérias se sobrepõem a tudo o mais, e faz o Leão rugir, não sem ao fuçar Tisbe, e cair seu xale, ou sua feminilidade cair por terra. “Bem rugido Leão!”, exclama Demétrio. O rugido seria, includive, do Leão de Judá. Mas o Luar continua presente, mesmo tenuamente, e faz Hipólita, a rainha das Amazonas, exclamar: “Bem iluminada Lua!” E mesmo que o Leão ruja, que brilhe o Luar, o fato de Píramo não estar ao lado de Tisbe, torna o mundo ameaçador, principalmente para a mulher. E o sangue que aparece no xale de Tisbe expressa o sofrimento, inclusive das nações, dos gêneros e também das  raças ameaçadas. Morre Píramo, o guerreiro, e nasce o penitente, o mendicante, cujo último suspira: ”Minha alma sobe aos céus!”

           O espirito renascentista quis derrotar o primitivismo vigente, como Atenas derrotou Troia, de maneira drástica. Um falso suicídio, que merece a crítica de Demétrio: “Não é morrer, é ser o ás da morte! Ao que Lisandro acrescenta: “Um nada de ás, pois morto ele já está.” Essa morte pode referir-se à iniciação egípcia de morte e ressurreição. As orelhas de asno com que Novelo se apresenta em cena, remete ao polêmico assunto da ontologia. Após o martírio interior, restaurado no mundo do outro, retorna á antiga condição de “asno”, quando o “ser-em-si” (sein) passa à esfera do “ser-do-outro” ou “asno”. Hipólita se manifesta mais uma vez: ”Por um Píramo desse a paixão não deve se prolongar muito. Espero que seja breve.” Uma crítica da mitologia grega ao Cristianismo, que, todavia, deu origem a uma nova civilização. Os cristãos divididos em católicos e protestantes. O protestantismo retornando ao judaísmo em que o masculino se sobrepõe ao feminino. Já a fé católica guarda devoção à Mãe divina, que ao lado do Filho inspira o amor, a caridade, a compaixão. Santa Maria como exemplo do feminino em nível superior. E se é para rugir os católicos tiveram papas com o título de Leão, e hoje temos o papa Leão XIV.


quarta-feira, 16 de julho de 2025

 

FELIZES E INTELIGENTES.



 

 IMAGEM DO  SONHO REALIZADO DA VIDA HUMANA.

DEUS NO  COMANDO!



 


 

                                      SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO – PARTE 5

 


           Com o conquistador macedônio Alexandre fundem-se as culturas, o que faz Shakespeare criar seu drama, em que Hérmia é a oriental, altiva e impossível de fazer tábula rasa dos seus preconceitos e costumes, enquanto a espartana Helena tem grande beleza e símbolo da luxúria. A essência do helenismo que ambas representam. E já no domínio do Império Romano a cultura helênica persistiu, tornando-se base da formação do homem por séculos, e que renasce no Ocidente após as trevas em consequência das invasões bárbaras , dos povos que desceram das estepes. No drama shakespeariano, depois de toda confusão na floresta, é hora de voltar para Atenas, que está em qualquer tempo e lugar onde a civilização renasce, às vezes das cinzas.

           ”Já possam todos voltar para Atenas”- declara Oberon. E Puck, o folgazão gênio da floresta, retira então a mascara de burro em Novelo, o ator artífice, mas avisa: “ Vai acordar como burro ao natural.”  A filosofia da natureza de Aristóteles não estava ainda bem assimilada. O semi-selvagem  Oberon, na figura do conquistador, mesmo assim ordena que toquem os festejos.  É hora da decantar a glória e as dores das conquistas, inclusive, como fez Camões em “Os Lusíadas”.  Mas em meio aos festejos diz Teseu: “ E como o dia mal começa, meus cães irão cantar para meu amor”.  A semente das dissidências e da maldade, calcada numa floresta de sentimentos contraditórios. E mais adiante a fantasia teutônica iria incendiar a loucura de Hitler e alguns gênios do mal, capazes de perpetrar o genocídio dos judeus, que  morreram aos milhões no Holocausto.

          No contexto humanístico os amantes entram em uma nova fase, e diz Teseu: “Alegria, amigos gentis! Alegria, e a primavera do amor acompanhe vossos corações!” E o que se almeja nessa hora é que os planos de vida se concretizem, na satisfação do corpo e da alma. O materialismo ridículo dos artífices em suas representações bufônicas. “A alma que se eleva, eleva o mundo”, diz Santa Teresinha de Lisieux. Nas bodas em Atenas,  Filostrato é o mestre de cerimônia, que chega para dramatizar o passado e seu renascimento, e apresenta as peças que escolhe para ser representada aos reis, todas recusadas por Teseu, que quer ver a representação dos artífices, na alegação que se trata de uma peça, que mesmo mal representada, reflete as boas intenções daqueles atores, mesmo que seja que seja uma representação inferior às grandes Tragédias. O novo poder civilizatório acha, todavia, que essa nova expressão artísticada merece todo o respeito, por vir de mãos calejadas do trabalho nas artes e ofícios. E quando o prólogo é chamado, declara que estão ali “para persuadir e não para bajular, nem dar prazer”, numa alusão ao método de persuasão de Demóstenes. E são então apresentandos os atores aos nobres presentes ao evento: “Para entristecê-los, eis os atores.” O destino há de se cumprir, em que a arte de viver se manifesta, mesmo  em nível inferior ao que se espera  .


terça-feira, 15 de julho de 2025

 


 

                                   SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO – PARTE 4 

 


            A Grécia é considerada o berço da civilização Ocidental, e Shaespeare rememora a democrática Atenas na noite dos tempos, onde teria ocorrido um sonho de amor. Relembremos os nobres personagens atenienses que, às vésperas das bodas do rei Teseu com Hipólita, rainha das Amazonas. Naquela mesma ocasião o egemônico Egeu, que diz respeito àconquistas marítimas, quer que sua filha Hérmia, apaixonada por Lisandro,  se case com Demétrio, que é a paixão de Helena. Diante de tal situação os dois casais vão parar na floresta. Lá os quatro acabam por magoarem-se mutuamente, o que acontece porque por interferência e astúcia de Puck, este  resolve confundi-los em seus amores. O chefe dos duendes também faz a rainha das fadas esquecer o rei Oberon a se enamorar do chefe dos artesãos que ali ensaiam uma representação para os festejos das bodas dos reis em Atenas. E fica claro o pouco caso dado pelo bardo inglês aos personagens que representam os ofícios, afeitos à matéria, e pouco dedicados ao espírito.

             A ilusão de felicidade nas terras distantes, na Índia, como na América recém-descoberta, em que o prazer material entra em cena, conquistas que devem  ter sua concretização na vida adulta, com a maturidade. Diferente do que acontece através das conquistas no mundo atual, como nosso racionalismo, nossa democracia, nosso espiritualismo, nosso feminismo. A questão é saber o tanto que Hérmia  fará mal ou bem a Demétrio. Paixão e razão que se defrontam e se encantam, na realidade, impossível conviverem, e requer que o mundo amadureça. Helena fala com Demétrio sobre Hérmia, ou o tempo anterior à civilização: “Não te preocupes com ela, deixa-a em paz. Não a defendas pois se houver familiaridade, qualquer sinal de soberba te sairá caro.” Culturas que se defrontam, como os europeus na América, que acabaram de descobrir o limbus infantium.

              Hérmia transfigurada  quer deter Helena, e lhe diz: “Não fuja, não”. Ao que Helena responde: “Não confio em ti, não quero tua maldita companhia”. As duas saem então de cena por não se entenderem. Por fim entra Oberon, o rei das fadas, ou dos “mares nunca dantes navegados”, que ao lado de Puck, o gênio da floresta, ambos dizem que vão apagar os erros cometidos por engano contra Demétrio e Lisandro que trocaram de amores, também com Titânia. E que os casais novamente unidos voltem para Atenas, até que a morte os separe. Oberon avisa que é hora de procurar Titânia para livrá-la da visão disforme do filho indiano, que ela trouxe da fantástica Índia, por quem está apaixonada. Traições em vários níveis. Machado de Assis deixou a dúvida se Capitu traiu ou não Bentinho, o escritor achando melhor não afirmar nada. 

              Encontros fatídico, como acontece no mundo atualmente, os absurdos cometidos em nome da liberdade, o que as democracias vigentes não conseguem  deter, inclusive, porque elas mesmas padecem de fatídicas infiltrações.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

domingo, 13 de julho de 2025

 

 

                     SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO – PARTE 3



 

                      O teatro grego, composto pela tragédia e comédia, aborda os conflitos advindos das paixões humanas, com personagens mitológicos, contendo cunho moral para servir de catarse. Na antiga Roma o poeta Ovídio trata do amor, como seu  defensor e também difamador, enquanto Cícero era crítico ferrenho do amor estoico, que em seus escritos trata com certo desprezo, ou motejo. A cultura greco-romana por séculos relegada, esquecida, que retorna no Renascimento, quando então o amor volta ao centro do palco da vida, inclusive, através de Bocácio, com suas sátiras divulgadas através da impressão 

                Shakespeare no seu “Sonho de uma Noite de Verão” faz renascer o teatro grego e os sábios da antiguidade  ao tratar do amor em seus vários planos. A confusão que o homem faz com seus sentimentos. O bardo inglês conta na parte principal da peça a história das bodas de Teseu, conde de Atenas, com Hipólita, rainha das Amazonas, que é intercalada com a peça dos artífices, que resolvem participar dos festejos. E é na floresta vizinha que os atores bufões vão fazer seus ensaios, que escolheram ser debaixo do carvalho do duque, o que remete especificamente aos rituais pagãos. Lá reinam Oberon e Titânia como rei e rainha das fadas. Também é  onde habita Puck, um gênio alternativo, trapaceiro, que se infiltra no espírito universalista, causando a maior confusão.

                “É na vivência do real e do sonho que se perde o medo”, são as palavras de Trombudo (o funileiro), um dos atores da peça bufônica, intitulada “A Mui Lamentável Comédia e Crudelíssima Morte de Píramo e Tisbe”. Os outros atores são Novelo (o tecelão), Marmelo (o carpinteiro), Pino (o marceneiro), Flauta (o concertador de foles) e Faminto (o alfaiate). Os personagens representados pelos artífices são Píramo, Tisbe, Leão, Luar, Muro, e outros mais, com os atores a se revezarem na representação. Uma farsa, como fazem questão de declarar os atores, a começar com o Leão, a cargo de Pino, e deve rugir para causar espanto, por ser contra o amor, o prazer, enquanto o Luar, representado pelo mesmo ator, se infiltra por uma janela na sala. E a existência do Muro na representação é porque por uma brecha que os personagens principais Píramo e Tisbe se comunicavam, o que pode se referir, inclusive, ao Muro das Lamentações, em Jerusalém. Paixões que estão sendo posta a prova, e faz sofrer, e, até mesmo, morrer de amor.

                   Puck não está  satisfeito com esses atores ensaiando ao lado da rainha das fadas, ali adormecida, que acorda drasticamente enfeitiçada pelo gênio da floresta, ou da confusão. Intempestivamente acordada a rainha das fadas vê Novelo a sua frente e começa a elogiar-lhe a fala. Titânia encontra-se longe do seu companheiro, o rei Oberon, que surge, e faz Puck justificar a atitude de Titânia estar apaixonada por Novelo, que também enlouquece desse louco amor. E quando Novelo, o chefe dos atores, aparece diante  dos companheiros tem um máscara de burro, por conta do amor burro, isso durante o ensaio da peça. E  na floresta é o local do alternativo Puck, que foge da tragédia da irracionalidade de alguns personagens, e ora é “presunçoso” quanto ao convencional, ora modernamente “ansioso”, conforme lhe dá na telha. A democracia em Atenas, como em todo o mundo, no tempo e no espaço, precisa de movimentos, deve afirmar-se. E agindo conjuntamente razão e sonho possam sobrepor-se às insanidades.  Certo que deve haver um ideal superior para a harmonia social, a estabilidade das instituições, inclusive, no amor, e que o prazer tenha uma justa medida.