terça-feira, 29 de julho de 2025

 

ARTE- JEAN VERMEER


                                      "ATELIÊ DO PINTOR" - A MODA 


FERNANDA TORRES COM O SEU CHANEL NO OSCAR 2025

 

O estilo solto das vestes femininas passa a ser adotado para livrar as mulheres dos apertados corpetes até então na moda, o que Vermeer mostra em seus quadros, a par dos tecidos preciosos como o da modelo, que  representa Clio no quadro Ateliê do Pintor. O barroco Vermeer, cuja arte visava difundir conceitos, e não teria feito uma simples ilustração de moda, como a dos célebres irmãos Bonnart em Paris, que “faziam propaganda das pessoas e roupas, na mesma proporção”, segundo o escritor Jean Dejean, que informa ter sido justamente a moda que fez as mulheres tornarem-se empreendedoras no passado, já no tempo de Vermeer. As costureiras em seus ateliês de alta costura, as cabeleireiras com seus penteados, verdadeiras obras de arte em Paris e adjacências.  Já no século XX surge o nomeado mantô, que libertou as mulheres dos espartilhos vitorianos. Roupa mais decente e saudável, ao esconder as formas do corpo e libertar as mulheres dos apertos, e Chanel, a grande stilista parisiense teria criado a veste inspirada nas roupas usads pelas meninas do orfanato onde morou.  Paris que ia ditar a moda no mundo ocidental séculoas depois. Uma abordagem que nos leva a Machado de Assis, aliado dos ideais da elite liberal do seu tempo, e que se valeu da revista de moda “A Estação”, para publicar “O Alienista”. Ambos, escritor e o pintor, difundindo sua arte de escrever, ou pintar, ao lado da elegância, do progresso, quando  então se passou a utilizar as riquezas, o que se pode dizer, superficial. Vermeer e Machado, aliados das mulheres, para que elas fossem cultas e também elegantes, assim como chamavam atenção para que tivessem parcimônia nos gastos. O escritor chega a internar no hospício a gastadora mulher de Bacamarte por sua exagerada vaidade. 

Restabelecida em 1806 a monarquia nos Países Baixos ressalte-se a elegância de Máxima, rainha consorte da casa Orange-Nassau, casada com o rei Guilherme  Alexandre. No quadro de Vermeer um suntuoso tafetá cobre a Musa, assim como há chalés de seda caindo da mesa do Ateliê, o que representa os produtos comercializados pelo avô do pintor através da cobiçada Rota da Seda entre a China e a Europa. O mesmo esmero encontra-se nos trages das demais imagens femininas pintadas pelo artista de Delft, desde as mais simples, até as de grande esmero, luxo, o que leva a imaginar que pode, inclusive, ser  propaganda de algum ateliê de costura. Mas a intenção de Vermeer como pintor barroco é alertar as mulheres sobre o papel ético feminino, além do bom gosto e elegância, que devem ser cultivados no momento em que o consume se introduz na sociedade. A propaganda que Vermeer faz é do ideal de sociedade que quer exorcizar os demônios da irracionalidade, assim como da racionalidade exaltada, que teimavam em corromper os costumes. A vida liberta das  obscuridades, e possa propiciar uma modernidade com pessoas compromissadas principalmente com o trabalho, além do consumo, o que é diferente e questionável o desejo de agradar, ou desagradar, de gozar a vida sem freios. Vermeer está afinado com as melhores cabeças do seu tempo, no desejo que homem e  mulher sejam modernos e feliz, ressaltem o bem e o belo em cada um, e se tenha as melhores ideias, adotem-se os bons costumes, que evitam o desalento. Lógico que surgiu o que de longas datas já se temia, uma geração de deslumbrados diante dos grandes avanços científicos e tecnológicas, de uma produção de bens materiais para o consumo.

E ao fazer tombar a máscara sobre a mesa do seu Ateliê, estaria Vermeer assumindo uma postura frente à história, anunciando o fim de um ciclo, abandonando, inclusive, o ideal renascentista, clássico, de endeusamento dos poderosos, cujo expoente é a arte de Donatello. Entra em jogo a pintura artística, que passa a ser considerada superior à escultura, de visão limitada, conforme afirmação do próprio Leonardo da Vinci (1452-1519). A clássica máscara mortuária no quadro se confronta com a máscara do pintor, evidente em sua cabeleira gorgônica, que esconde sua face, por conta das afinidades infernais que orientam as investigações nas profundas águas da racionalidade, também da irracionalidade. O duplo papel do artista de cultor e desbravador, como também de sentinela dos lugares proibidos.

 O piso onde trabalha o pintor no Ateliê lembra um tabuleiro de xadrez, jogo que acabara de ser inventado, com ladrilhos brancos alternados com os pretos. Muitas coisas estão em jogo, com na antiga Grécia dos jogos píticos foram instituídos para celebrar Apolo, o deus sol, da luz do conhecimento, vencedor na competição com a serpente Píton, das obscuridades. Os jogos transformados em festival musical pan-helênico, com os vencedores recebendo coroas de folhas da árvore sagrada do deus do sol. E Píndaro, para homenageá-los, criou odes píticas executada na flauta, acompanhada por cítara e salpinge, espécie de trombeta. Aristocratas e burgueses  devotados à música e às artes, dedicados à caça, meios de aprimoramento, ou sublimação dos desejos primários, também afeitos ao conhecimento. Principalmente, se dedicam à navegação, com a qual  expandiam seus negócios e enriqueceram. Theodor Adorno (1903-1969) fala sobre a ilusão do ser humano que para não sucumbir ao vazio, em tempos de enlouquecer qualquer um, apela para a ascese através dos jogos, uma barbárie como que para reconstruir o não-bárbaro.

Vermeer num jogo de paradoxos, em sua metamorfose, parece pisar chão minado em busca de inspiração para seu trabalho, e faz sangrar. É o que insinua o vermelho das meias do personagem, que sofre com suas buscas. O jogo louco, mas loucura no sentido de paixão pelo que faz, na produção da arte, que negocia, sim, sendo que o dinheiro pode levar à usura, o que se teme. O drama da civilização, ou da própria vida, que é um jogo perigoso, quando se pode fazer pacto com o diabo. O jogo da modernidade, que aposta no progresso, sabendo que o tempo é limitado, que o momento de felicidade é curto. Acontece com a alma que busca a felicidade nas profundezas do irracional, onde  reencontraria a unidade espiritual, o caso da alma alemã, gêmea da holandesa, mas em certos aspectos totalmente diferentes uma da outra, como disse o argentino naturalizado canadense Alberto Manguel, que nos faz entender um pouco mais de Vermeer. O pintor mira na História, que, segundo o escritor  é capaz, sob certas condições, de curar, iluminar, indicar caminhos, sobretudo mostrar nossa condição, romper a aparência superficial das coisas, ou das correntezas e abismos subjacentes: “A história que pode não nos dizer quem somos, mas que existimos, e com histórias para contar, confrontar”. Um dilema para quem se dispõe a verificar as coisas a fundo, no que diz respeito à natureza humana racional e também irracional. O fator econômico e o político entram como coringas no jogo, em que o interesse financeiro é importante, mas que haja bom senso nas decisões.

 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário