quinta-feira, 28 de abril de 2022

 



                                                   0 MUNDO É BOM

 

Igreja dos Remédios S. Luís Ma.




 

A tia de Maria já estava na sala à sua espera, impecavelmente vestida, com uma saia de tweed cinza escuro e casaco de lã cinza claro por cima da blusa de seda branca. Um rico lenço estampado completava a roupa, de corte impecável, feita sob encomenda. Uma figura emblemática essa tia, ali de carne, osso e simpatia diante da sobrinha, até aquela data  na expectativa de conhecê-la. Baixinha, parecia brilhar. Foi incisiva ao falar:

—Eu tenho notícias de você. Sei que gosta de ler, assim como eu. Já tens o curso médio completo, feito com louvor. Ótimo. O mesmo aconteceu comigo. Espero que te dês bem aqui. Tua prima esteve em S. Luís e falou-me que querias trabalhar, chamei-te porque soube que há vaga de estagiária no Banco, cujo gerente é de longas datas amigo da família. Telefonei para minha amiga Maria Inês e fomos convidadas para um lanche em sua casa.  

                Saíram.

                 Apenas alguns poucos passos, e chegaram à esquina, início de uma ladeira. Uma pequena venda ali chamou a atenção de Maria, coisa de lugar pequeno, o bairro não muito diferente de onde morava. Fim da linha do ônibus, que demorou um pouco,  e partiu quase vazio. O Morris da família parado na garagem, as mulheres não guiavam na época. Iam demorar a chegar ao destino. E não era surpresa que a tia se mantivesse calma, enquanto a sobrinha estava apreensiva na expectativa de uma oportunidade de trabalho na então capital do país. Mas a jovem era reservada para falar, com todas as letras, de suas ambições, além de trabalhar queria cursar a faculdade. 

Desembarcaram uma quadra antes do endereço. Como esperavam, foram bem recebidas, e tudo ficou acertado para Maria assumir seu primeiro emprego.

Finda a visita, que demorou pouco mais de uma hora, de afagos de ambos os lados, a tia avisou que ia passar na casa da filha casada, que  acabara de dar a luz. Pegaram outro ônibus. Chegaram quando a mãe amamentava seu bebê, o casal dando início a uma prole de seis filhos. A família ainda era  constituída de pai, mãe e filhos. Um bolo lhes foi servido, o sabor da felicidade reinante naquele lar. 

De volta para casa a tia falou para a jovem que sorria ao seu lado:

  — O Mundo é bom. Mas tem cuidado, querem acabar com esse nosso mundo, bom de verdade, que resiste. Mudanças devem acontecer para a mulher, e são bem vindas, o trabalho fora de casa, por exemplo.

Maria encarava tudo como um desafio para si mesma. Conciliar trabalho e faculdade parecia moleza. Aprendia a não se importar muito com perder ou ganhar, desistir ou ir em frente, fazia parte da vida. Essencial é não desistir de dar um sentido à sua vida. Veio o casamento e os filhos, uma escadinha de três. Fez uma pausa quando eles ainda eram pequenos. Já tinha 30 anos quando ingressou no serviço pública federal. Tudo dava certo na vida de Maria. Como imaginar que podia fazer mais, ou menos, do que fez? Mais tarde iria confirmar para sua tia:

               —Sim, minha tia, o mundo é bom.  

 

Península S. Luís - Ma