sábado, 23 de fevereiro de 2019







                           MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA
                                     Para não dizerem que não falei de samba

        


          É carnaval, as Escolas iniciam sua entrada na passarela do samba, no enredo nenhum assunto fica de fora, meios de expressar a alegria. Alas após alas os milhares de passistas desfilam frente ao público, com suas fantasias. O mestre-sala se rende, faz mesuras e se joelha diante da porta-bandeira, cujo estandarte tremula conforme a habilidade da dançarina, que rodopia para o seu par. O casal pode ser íntimo, ou pouco se conhece, ainda assim se compreende enquanto dançam, é como se só esta mulher fosse a alegria deste homem, só este homem fosse a alegria desta mulher. Dançarinos que tentam se alcançar, mas na vida real cada um levanta sua bandeira. Naquele momento mágico de amor pela Escola se afastam de qualquer maldade, estão livres de todo ciúme. Não param de dançar, até o fim da travessia, proporcionam momento de paz e alegria, é o que importa. O público aplaude, e mesmo se não levarem a maior nota, fizeram o que podiam para saírem vitoriosos. Por fim, têm os corpos cansados, mas os corações adoçados pelo amor, no caso, amor ao samba.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019






                                   
                                   

                                                  MARIA e MARIA









         Desde que se conheceram - ainda nos bancos escolares - Maria da Paz e Paula Maria eram amigas.  Já casadas e com filhos mantinham o costume de todo fim de mês tomarem um cafezinho e porem o assunto em dia. Paula chegou um pouco atrasada por conta da chuva, teve que atravessar a cidade que estava debaixo d´água, quase não chega ao seu destino. Pediu desculpa, e sentou-se ao lado da amiga, que não percebeu de imediato sua presença. Alguns segundos apenas, e Maria da Paz manifestava a alegria com a visão da recém-chegada. Logo estavam fazendo seus pedidos ao garçom, e a seguir deram início à conversa, que prometia ser difícil, foi aquela uma semana de acontecimentos ruins de se viver.  

        
       - Quando você chegou Paula, eu estava mantendo um diálogo com meus personagens, gosto de atiçá-los, e que eles me surpreendam. É um costume que tenho desde jovem, ficar absorta com meus pensamentos, e quando surpreendida recebia advertência: "Estás pensando na morte da bezerra?" Olhando para trás reconheço que nossa geração era meio desligada, jovens sem grandes preocupações, talvez por termos vivido nosso dia a dia num mundo menos problemático. Na época se podia dizer: "O que tiver que ser será" Ou então falar: " O que é meu ninguém põe a mão". Hoje temos uma geração "ligadona", todo mundo preocupado com o mundo todo,  resultado da globalização, tem o aquecimento global e a violência, e tudo o mais que mexe com a vida de uma maneira geral.

       - Devido às atuais circunstâncias - uma catástrofe atrás da outra - encontro-me nostálgica do passado. Estamos no início do ano e já aconteceram desastres que seria para o ano todo: primeiro desmoronou a barragem de Mariana com mais de uma dezena de mortes,  a seguir o desmoronamento em  Brumadinho, com mais de duzentas mortes na lama. No mês seguinte aconteceu a morte cruel  de 10 jovens num alojamento do Flamengo, que pegou fogo. No presente momento somos surpreendidos com esta enchente, a cidade inteira mergulhada n´água, com dezenas de árvores caindo por cima de casas e carros, e pela segunda vez a queda de parte da malfadada ciclovia Tim Maia, tudo que podia ser evitado, não é mesmo Maria? A incompetência, a irresponsabilidade, além da falta de fiscalização. Tempos atrás não fazia muito sentido a preocupação com o presente, muito menos com o futuro distante. E o futuro estava logo ali.
  
           Chegou o pedido dos dois capuchinos acompanhados de torradas com geleia. Maria da Paz agradeceu a atenção do garçom, enquanto Paula Maria deu sequência à conversa: 
     
          - O futuro parece que nos pegou a todos de surpresa, não é mesmo? As mulheres ainda na luta contra seus direitos, agora vítimas do feminicídio, que a tal ponto cresceu no nosso país, que a ministra da Mulher, da Família de Direitos Humanos, Damares Alves chegou a aconselhar os pais de meninas deixarem o país para só assim poder livrá-las do assédio e morte. Pode isso, uma mulher ser espancada por quatro horas no seu apartamento?  É demais. Um contrassenso diante  do progresso mundial, que  contribuiu para que as mulheres ascendessem ao mercado de trabalho e tivessem sua independência assegurada, um salto dado pela humanidade.  

        - Sim, minha amiga, as mulheres hoje são privilegiadas, podem trabalhar e ter a liberdade necessária para, pelo menos, ter uma vida adulta sem a tutela do homem, seja pai, irmão, marido. Sabemos que as necessidades nos fizeram avançar, e avançamos muito nas últimas décadas, mais que nos milênios anteriores, o progresso a trazer muita coisa boa, mas outros tantos problemas, infelizmente. As restrições que atualmente se fazem a esse mesmo progresso, o que me leva a indagar se não era melhor aquele jeito antigo de viver, as pessoas confiantes, despreocupadas, concordas, Paula? Mas, para frente é que se anda.


          - Preocupação é uma coisa, e atenção é outra, bem diferente, as inovações dependendo das intenções. Não ter de se lastimar  por perder o melhor da festa, a cascata de camarão, por exemplo. KKKKK. Lembra Da Paz? Chegamos atrasado à mesa onde estavam empilhados os deliciosas crustáceos. Para as glutões uma grande perda. Hoje temos os ligadões, desses que primeiro avançam nos atuais bufês dos chefes especializados, seus pratos elaborados na maior competência, sabores para todos os gostos. Mas todo cuidado é pouco, tem até farofa de louva-a-deus. Falo de comida porque gosto de comer e cozinhar, amo quase tanto quanto escrever. 

               -  Alegria, Alegria! cantava o baiano em uníssono com o pernambucano e sua Banda, desafiando quem estivesse ocupado para que deixassem seus afazeres e escutassem seu canto. E quanto mais desafiavam as pessoas com suas ideias, mais sorriam. Tempo das ideologias, as mais estapafúrdias. De repente, acabou a paz e alegria... Que pena! Ou foi melhor assim?


        - Minha amiga, o inesperado acontece. No tempo das prisões  recebemos aquela ordem que mudou a vida  dos funcionários públicos, mesmo assim, não foi fácil a transferência do Rio para Brasília. Um sonho, ou um pesadelo as pessoas se perguntavam. A sorte gosta de surpreender. Surpreendente o sucesso da nova capital! Outra vez no Rio e cá estamos acompanhando os novos tempos, a falta grave que é não de dar atenção ao que acontece em volta,  e o que se deve é sempre estar preparado para as mudanças, que tem o momento certo para acontecer, sem pressa. E mais que nunca haja discernimento sobre o que é para o bem, e o que é do mal. 

       O garçom, um idoso, vem retirar as xícaras vazias, há décadas trabalha no Cirandinha, mesmo aposentado continuava servindo os clientes, com filhos doutores, o que ele disse orgulhoso às clientes do café, mais famoso de Copacabana. Recebeu o pedido de água, e foi com o mesmo sorriso de sempre  que perguntou se era com ou sem gaz. Elas queriam com gaz. 



           - Reparaste, Paula Maria, hoje em dia até os mais velhos não param mais para ver passar a banda, levantando a poeira das ruas. Progredimos, e cada um faça a vida toda o que gosta, sem acelerar no asfalto. Os novos tempos com esse consumismo, que para os antigos seria um comportamento inadequado, idem o vocabulário, tão pobre, para o nosso gosto, não é mesmo, amiga? Escrevo diariamente em meu blog, e mesmo não tendo especialização nesse ou naquele assunto, é como diletante que escrevo sobre o que é relevante no momento, com o vocabulário caprichado. Tenho boas leituras, onde pesco os assuntos de que vou tratar, e dias atrás pesquei uma conversa de dois ícones das letras, Clarice Lispector e Millor Fernandes, quando então esse articulista disse que o gênio do ser humano está na bondade. A escritora concordou. Seria então por conta da burrice que a maldade impera no  mundo, não é mesmo? 

           - Pode haver soberba na segurança quando escrevemos, mas também uma insegurança que beira o pânico, não é mesmo? Afinal a escrita de um texto é muitas vezes um resgate consciente, ou inconsciente das vivências. Mas a grande jogada é ter a possibilidade inigualável de uma comunicação, o que é  deveras agradável e saudável. Escrevo, menos que você, minha amiga, e quando estou elucubrando minhas ideias, posso sentir um certo poder mental, que não sei de onde vem, enquanto minha emoção sobe às altura. Não acontece o mesmo contigo?

           Maria da Paz estava de acordo com sua amiga Paula Maria em quase tudo, mas a conversa ficou nesse ponto, tinham um trânsito caótico a enfrentar. Fazer o que? Separaram-se, pedindo notícia quando chegassem em casa, era sempre assim, além dos assaltos, tinha a chuva. No volante do carro ambas redobravam a atenção no asfalto esburacado pelas águas, mas tinham fé e esperança que iam chegar sãs e salvas. Paula Maria ao volante do seu BMW, ainda assim, sentia saudade dos bonde, correndo nos trilhos, como tudo o mais que andava seguro, mesmo devagar, quase parando. Maria da Paz dirigindo com cautela seu antigo fusquinha branco estufado vermelho, também pensava na falta de segurança, e na velocidade como as coisas ruins aconteciam. Ainda no Café ambas comentaram que os avanços deviam andar mais devagar, como os velhinhos, afinal o mundo estava caquético, e o Brasil que tratasse de desacelerar sua mineração, afinal os chineses estão com menos gula para devorar o ferro brasileiro. 




  

domingo, 17 de fevereiro de 2019



      



   
                                          HOMO SAPIENS







                As possibilidades que o homem tem de agir são determinadas e exíguas, não  como pensa o mais ilustre habitante entre os seres animados da Terra. Uma explosão de energia imensurável resultou em infinitos pontos de luz a girar na imensidão do espaço infinito, corpos celestes, que se agruparam em galáxias. Estrelas, planetas e tudo o mais que compõe o vasto universo. A galáxia onde encontra-se nosso planeta é uma entre milhões de outras galáxias. Primórdios da vida terrena, os animais em profusão, e uma espécie racional está determinada a evoluir, até uma vida superior, e um plano espiritual. Desde sempre assim estava escrito,  que o homem cresceria mental e espiritualmente, viajaria por terra e por mar, hoje possuidor de uma tecnologia avançada para realizar viagens espaciais. Na realidade, o que o ser humano queria era meios para viver menos inseguro e em paz neste mundo, tão prazeroso quanto adverso. Encontra-se ainda em busca de atingir seu alvo.

              Um ser de inteligência superior aos demais animais, evoluído espiritualmente, um dia torna-se filósofo, faz-se religioso, por fim, homem de ciência. Início dos tempos, e entre as espécies que emigraram do mar para a terra, uma muito especial, a do homo sapiens. Frágil espécie humana, que com inteligência e habilidade haveria de criar meios de caminhar com menos insegurança por caminhos nada fáceis. Teria o homem cumprido seu destino? De simples caçador passa a também a plantar e colher, e como coletor atinge a meta necessária para suprir a fome não apenas pessoal e da família, mas da coletividade. 

               O homem se fez civilizado, e com progresso necessário para que se formasse na terra uma grande e feliz humanidade. Sem perder o sentido da vida, por sua natureza e nobre intenções, conseguiria o homem ser feliz de verdade. O que aconteceu? Falar mal das conquistas humanas é fácil, tantos erros cometidos, mas são tantos os acertos, que temos de reconsiderar nosso pessimismo. Erro maior é dizer que as pessoas religiosas seriam como peixes presos num aquário. Engano, somos livres para crer, e descrer, até mesmo para nadar em águas turvas e morrer espiritualmente, por falta do precioso ar, que é a fé em Deus. A razão nos deu meios de enfrentar grandes desafios, tantos quantos nossa ambição almeja, além das necessidades. 

           O mar é piscoso e nos dá fartura de alimento, mas é bravio, nele as tempestades são constantes. Assim é o sol, fonte de vida, mas de raios inclementes. E há pedras, com as quais construímos  castelos, mas pode nos fazer tropeçar pelo caminho, se não houver cuidado. Tudo que nos beneficia também nos pode prejudicar, se não soubermos usar o que temos com racionalidade. Precavido, fez-se o homem obediente aos Mandamentos, de inspiração divina, cravados na pedra, escritos no pergaminho, impressos no papel. Sempre viva na consciência humana as leis de Deus, e possa o homem se salvar, inclusive, da própria insensatez.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019





                 NÃO FORCE A BARRA!










           A vida é breve e o mundo vasto - vasto mundo - que pede salvação, ou solução, para os problemas, que se avolumam, apesar do esforço sobre-humano desempenhado. Fazemos muito, e estragamos em igual proporção. Deixar a vida seguir seu curso seria o certo! Pagar o preço justo por viver, uma vez que sai muito caro ignorar o fato de que o homem não  pode tudo. É com minha faxineira que sinto mais de perto o quanto se pode viver o cotidiano com competência, o que não é para qualquer um, mas ali está um exemplo da vida como tem de ser, ou pode ser.  Ela mora na cidade vizinha de Brasília, em Goiás, casa própria. Sai de madrugada para pegar a condução que a conduz ao trabalho, que o sabe e gosta de fazer, desde cedo acostumada com o ofício, é solteira sem filhos. Chega às sete, anunciando o tempo para aquele dia, e tudo o mais, que ela já teve informação através da internet, como quase todo mundo hoje em dia. A patroa que não venha dar palpite sobre o que não faz e não entende, sua faxina. Fujo do assunto política, que Maria tem tudo na ponta da língua, um gênio da comunicação.  

                     Preciso dos serviços de Maria, tanto quanto ela precisa da boa remuneração que lhe pago. O segredo da boa convivência é não forçar a barra, e não nos percamos em desconfianças e queixas. Guardarmos nosso segredo, imortal segredo, aquele que nos basta, nos faz sermos quem somos, para cumprirmos nosso desígnios, sob pena de pagarmos um preço além da conta. Verdade que pagamos por nossa vida, em prestações, até a morte. E o que se deve é simplesmente viver em paz com as pessoas, com o mundo que nos rodeia, em especial, paz conosco mesmo. Os momentos raros, já não são tão raros assim, uma enxurrada de males, como lama, que desce de uma barragem que desaba. Nossa vida banalizada; os bandidos aos montes e heróis idem, tantos quanto a nossa loucura atual produz. Desaprendemos a arte de viver. Hoje nossa evolução por conta da vida nas nuvens da internet.

   

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019






        ALGUÉM TEM QUE RESISTIR







Ela perguntou a sua tia filósofo se sua sobrinha era retrógrada, embora Maria não pudesse exprimir bem o que sentia. 

- Nem marciana, nem lunática, minha tia, mas pouco entendo esse novo ciclo de vida na terra. Parece que vivemos uma nova idade da pedra, o medo que sentimos por estarmos constantemente ameaçados, nessa selva que é a vida nas grandes cidades. Não somos selvagens, pelo que se sabe, vivendo no século XXI. De minha parte prefiro permanecer naquele nosso medieval. Pode ser?

- Pode, sim, filha, conquanto  tão longe e tão perto estejamos do canibal que um dia fomos. O ano 2000 para quem estava nos anos cinquenta, era quase uma eternidade chegar onde chegamos, e cá estamos. E ainda tem muita gente passando fome nesse lindo planeta terra, que os humanos teimam em destruir, sem dó nem piedade. Paradoxal e pantagruélica fome que temos para engolir tudo, sem mastigar - tudo mesmo. Isso é que não pode. A voracidade com que engolimos, não apenas a carne sangrando no prato, muito mais sangue devoramos, não apenas o que sai daqueles pedaços de carne, que levamos à boca. Devoramos nosso próprio sangue e de nossos irmãos.

Provocada, Maria pensa nos irracionais, mortos para saciar a fome humana. O assunto tão em voga era se havia necessidade, ou não, do homem matar para comer,  ou matar para se defender. Falou para sua interlocutora:

- Tia, os veganos acreditam que os homens estão sempre prontos para  a fazer jorrar o sangue do sacrifício, seja de quem for. Mas se matamos para comer, há um beneplácito, somente quando for para a sobrevivência.Também podemos matar para nos defender, quando ameaçados de morte. Do contrário é crime mesmo. Só os humanos, só nós, seres racionais, ainda sanguinários, matamos por ódio, vingança e tudo o mais. Embora nossa razão aponte o erro cometido, isso para quem tem boa consciência, não é mesmo?

- Querida sobrinha, como resistir à carne, bem ou mal passada, em especial, ao ponto? Perguntam os carnívoros, a maior parte da população mundial. Que me perdoem os que são contra o consumo de carne, inclusive, por acharem que dessa forma salvam o planeta. Também os que são contra as armas nas mãos da população. Quanto a mim, sou de opinião que devemos comer com moderação, mas nunca querer matar um semelhante, seja por qual motivo for. Matar não é preciso, viver é que é preciso. Diante da opção sanguinária, alguém tem que resistir.