quarta-feira, 29 de junho de 2022

🥪 👜 Ma’amalade sandwich Your Majesty?

 


                                                             TEMPO DE AGORA

 .

SAUDOSOS TRILHOS DE S. LUÍS-MA

 

  — Detestável a desumanidade dos nossos dias atuais. Ou então estamos demasiado humanos, e somos detestáveis por isso.

Palavras de Laura naquela tarde de encontro daquela tarde com as amigas. Já estavam confortavelmente sentadas no sofá da sala.  Tinham acabado de degustar um café da tarde acompanhado de um delicioso bolo feito em casa, do que se orgulhava Maria, a dona da casa. Depois de alguns segundos de reflexão, Janete responde:

— Hoje não ignorarmos mais nada, sumidades nos tornamos. Mal moderno, que leva o mundo a um estado grave de soberba. 

 Maria suspira antes de intervir na conversa:

—Nossas cabeças estão cheias, enquanto procuramos a todo custo esquecer de nós mesmos. Ninguém mais pode estar só, não sabe mais pensar por si mesmo. Imperioso participar do jogo coletivo, do ativismo, do anarquismo, do comunismo, e mais. Tem que estar atrelado a qualquer causa, ou grupo. As famílias, desde as crianças, todos engajados. Preparados para as fotos colocadas a seguir nas redes sociais.

Janete volta a falar:

— Não deixar de comparecer aos eventos, em especial, os que arrebanham multidões. Nem pensar em individualidade, em privacidade, quanto mais participação melhor para ter um bom perfil social. Até mesmo os namoros não são mais aqueles antigos encontros entre um homem e uma mulher, mas uma brincadeira infantil a ser compartilhada. Jovens para além da juventude,  querem estender ao máximo essa fase, longe das responsabilidades da vida adulta. Nada de compromisso com a maturidade, que parece só existir para a pessoa se amofinar. A religiosidade negligenciada, humilhada.

A bola volta para Maria:

— Pobres e ricos compartilham o mesmo destino. O pobre sem o esforço necessário para sair da situação em que se encontra  e poder alcançar uma boa posição na vida. Os ricos arriscando perder o status, ao deixarem o barco de suas vidas correr sem que estejam empenhados no seu comando. Uns esperando o maná cair dos céu, outros sonhando com uma mágica qualquer para . Quando só há um modo de vencer na vida, é com o trabalho, mas não adiante se matar de trabalhar, sem ter paz de espírito. Vencedor é quem se sente feliz com o que faz.

Por último, fala Laura, que deu início ao debate:

—Banais as relações humanas hoje em dia, brincadeira e nada mais, uma infância que não acaba nunca. Sem a poética da relação homem e mulher, como deve ser. “Sem drama”, o que se pedem mutuamente os pares de agora. E assim pretendem levar a vida adiante. Adultos portando-se como adolescentes, livres, leves e soltos. Tudo transitório e incruento, cada um tentando  a seu modo ofuscar suas neuroses,  na coletividade, no barulho, ou de alguma forma esdrúxula.

Encerram o encontro cantando. As convidadas pegam suas bolsas, e logo depois saem para a noite, que escurece mais cedo naquela época do ano. Estão na Asa Sul. A próxima reunião será na casa de Laura, na Asa Norte.


 

PAULETTE GODDARD 


PAULETTE COM OS FILHOS DE CHARLES CHAPLIN 

E SHIRLEY TEMPLE




PAULETTECOM CHARLES CHAPLIN 
DURANTE AS FILMAGENS DE "TEMPOS MODERNOS"

 


FACEDBOOK


terça-feira, 28 de junho de 2022

 


                                       MOCIDADE E VELHICE

 

PAUL NEWMAN E JOAN SUA ESPOSA

 

Nascer e já começa esse nosso lentíssimo processo de envelhecimento. E sem  darmos conta disso chegamos aos oitenta anos, deixando lá atrás os verdes anos. Observo filhos e netos, e sou por eles observada, na tentativa de decifrar-nos mutuamente. Pior é sermos ignorados. E o quanto é familiar aos mais velhos o que acontece hoje aos jovens, a vida experimentada com ardor. Fazem os moços agora o que sempre se fez.

Fácil julgar, sendo assim, não nos deixemos ficar velhos em ruínas, mas sejamos gloriosos monumentos, preservados pelo tempo. Que nos vejam de cabeça erguida, mesmo que imaginem que aos idosos só resta a decrepitude. Que os moços possam admirar nosso passado, e nos convidem a compartilhar com eles o presente, por estarmos ainda em bom estado, principalmente mental. Nos anos cinquenta de minha juventude não me recordo de ter convivido com velhos decrépitos, ao contrário, os via aos setenta anos, ou mais, em plena atividade, dando o melhor de si em apoio aos mais novos. Agradeço a Deus.

Ver uma juventude enaltecida em detrimento aos mais velhos não é nada agradável, aconteceu há pouco tempo, o desprezo a quem atingisse certa idade. A coisa ficou feia. Melhorou. Perdem os mais moços oportunidade de ver as coisas boas vindas do passado, quando não se vivia anestesiado por tantas promessas vãs de felicidade, como acontece com a atual juventude.  O tédio dos dias não nos alcançava, nem a desesperança, sempre tínhamos planos,  e uma missão a cumprir. Havia o reconhecimento do ideal humano a ser atingido. A vontade de realização indo a todo vapor. Encantava-nos viver, e ver as coisas como eram de verdade.

Se o mundo mudou, e com estupenda rapidez, ainda guarda vestígios do  que amamos no passado, onde os octogenários, como eu,  empenhamos nossas energias, nossas esperanças — e como éramos esperançosos. Triste observar  viver o aqui e agora dessa geração de moços e velhos. Os mais moços hoje menos aptos para a vida que têm pela frente, enquanto os mais velhos perdem a aptidão para acolher os ciclo de vida que se fecha e o outro que se inicia na vida pessoal, como no mundo.

Triste observar a atuais moços e idosos, não tão idosos (aos sessenta e mais anos), que só acreditam em si próprios, acham que pode tudo, perderam a fé e a esperança, por fim, fazem do amor uma brincadeira. Dessa forma, o que podemos ter senão um tempo sombrio? E até mesmo aguardar um mundo futuro inabitável.

 


quarta-feira, 22 de junho de 2022

 

PARABÉNS!



 


                              

                               BONS ESPOSOS

 

PRAÇA GONÇALVES DIAS - S. LUIS MA


O que mais se espera dos jovens é que se apaixonem. Corações e mentes prontas para fazerem suas escolhas, o que se espera. E não se desfaçam os laços tão facilmente, o que acontece com os casais modernos. Gente nova, cheia de vida, livre e descontraída a reclamar que havia “romance” demais na nossa história passada.

O mundo deixou, sim, de ser aquele testado pelos mais velhos. Os esposos hoje com menos sorte de perseverarem nas promessas de para sempre se amarem. Mas  saibam que o segredo das famílias de tempos atrás era a devoção que desabrochava em cada um, a despeito das ofertas mundanas. Nos dias atuais, em vez da piedade, inúmeras benesses ofertadas, algumas tão falsas quanto desastrosas, que podem levar à impiedade, afastar o ser humano de si mesmo e de Deus.

Bem verdade que as mães, hoje em dia, estão mais alegres e joviais, divididas entre cuidar da casa e se dedicarem ao trabalho fora, profissionais requisitadas, além das solicitações mundanas que cumprem a contento. Os pais, como sempre, preocupados com os negócios, atentos ao que acontece na política, e tudo o mais que eles atendem na sua moderna ambição de sucesso. Os benefícios da ciência, e as pessoas gozando de mais saúde e vida prolongada. Maravilhas tecnológicas surgem a toda hora, sem a qual não se pode mais viver.

— Não sei, realmente, onde vamos parar.

Maria riu das palavras da avó, que segurava um vaso de planta que acabara de regar, analisando-o bem, antes de colocá-lo de volta sobre o aparador da sala. O genro da filha acabara de chegar e reclamava do aumento dos preços do combustível. Vinha buscar a mulher que fazia uma visita aos parentes próximos. Mas antes do casal ir embora ia “fazer uma boquinha”, ou seja, degustar a sopa, a melhor refeição da tarde com um frio que fazia nos últimos dias. Todos se dirigiram à cozinha, de onde vinha aquele cheiro característico. A sopa de lentilha.

O casal ainda sem filhos, de volta para casa, no carro, Maria falou para o marido:

— Tive uma conversa com mamãe, contei a ela sobre como eu ando nervosa, agitada. E quem mais sofre com minhas arrelias é você, meu marido.  Sei que não há razão para eu estar tão fora dos eixos, como me acho. Peço desculpa, e que você me ajude a sair dessa.

Em casa da mãe Maria havia escutado da avó:

— Maria, você é o sol da família, não se feche em seu mundo, esteja atenta ao que se passa com as pessoas que estão ao seu lado, dê a eles mais amor e se preocupe menos. Deixe de criar problema em sua cabeça, tudo isso afeta você e os seus familiares. Tenha uma vida mais leve e descontraída. Seu marido é uma pessoa sensata, pode achá-la tola, quando o que todos querem é que você seja mais agradável e menos reclamona.

Suspirou Maria para si mesma: "Pobre Mário, como o tenho negligenciado".  

Em sincronia com a mulher aos eu lado ele pensa: "Pobre Maria, devo tratá-la com mais afeto."

Mesmo longe dos grandes conflitos mundiais, as pessoas sofrem suas consequências. Um mundo avançado no conhecimento, mas em nada mudara no sentido da paz. E o muito havia piorado quanto aos conflitos pessoas e às guerras. A sonhada paz embelezadora da vida, enquanto a feia guerra só destrói. Os artefatos cada vez mais belicosos, com alto poder de destruição. As mentes cada vez mais afiadas para desafiar o outro. E quando uma nação, como a Rússia, avança no espaço da vizinha Ucrânia, despedaça as famílias na sua crueldade, e são as mulheres e crianças as  pessoas mais prejudicadas. A renitência dos males, que, com maior incidência, invade o século XXI.  

O carro está parado no sinal, Maria chama a atenção do marido para dois jovens esposos que saiam da igreja onde acabaram de se casar. Fala que certamente estão sonhando com um mundo melhor, e que parem as guerras de perturbar suas vidas. E se encontre o mais rápido caminho da paz e prosperidade duradoura. Cada um em seu lar olhando para o outro com mais afeto e menos cobranças, basta o que acontece lá fora.

 

 


sexta-feira, 17 de junho de 2022

 



                                 PRIMEIRO AMOR

 

IGREJA DE S. JOÃO S. LUÍS MA

 

Quando Mário, lá pelos nove anos, beijou Rejane, três anos mais velha que ele, os dois estavam atrás de um sofá na sala de TV na casa da vizinha, que comemorava bodas de prata. Criança ainda ele fazia companhia para a mãe nas suas visitas à amigos e conhecidos, quando então ficava o tempo todo em pé ao seu lado. Dessa vez foi diferente. Alguém chega perto dele, justo ela, que passava pelo garoto tímido da rua, na maior indiferença. Escuta:

— Você quer vir comigo?

A voz dela era desafiadora. Ele ficou tragicamente paralisado. E com a cabeça baixa saiu para realizar o que seria por muito tempo, ou para sempre, o melhor encontro de sua vida. As demais crianças corriam pelos cômodos da casa e os adultos conversavam no salão ao lado, as vozes distantes. Inesquecível  aquele beijo nos lindos cabelos ondulados de Rejane, que tinha recebido elogio dos convidados. Ela era a perfeição em pessoa, pensou, boa nos estudos, comportada, a melhor em tudo.

Por um tempo ficam os dois deitados atrás daquele sofá, a porta fechada, ela de costas fingindo que dormia no tapete, o rosto dele afundado na bela cabeleira dela. Mário sente então que a linda menina ao seu lado estava inclinada a ser sua namorada. E ao ver surgir por entre seus cabelos o diáfano pescoço, aproxima os lábios para beijá-lo. A intenção amorosa é interrompida.  Ela salta para o lado e pede para que fossem andar na calçada.

Saem, e ao atravessarem  o salão Mário perde Rejane de vista no meio daquela gente toda. E quando topa com ela está ao lado da amiga implicante, que  fala alto para ele ouvir:

—Tu tens coragem de olhar para esse fedelho?

— Eu queria estar com um menino maior, aqui só tem criança pequena. 

Daí por diante foi estranho para Mário perceber a indiferença de Rejane, que nunca mais lhe deu oportunidade de estar com ela outra vez. Mas como podia esquecer aquele momento mágico? Dias depois Mario ia sofrer o que julgou ser sua definitiva decepção, na frente dele a professora particular do "exame de admissão" disse para sua mãe: Esse menino tem merda no crânio. Como Rejane ia gostar dele, um fracassado? E ainda tinha as bandalheiras que sabia, e não eram poucas, podia ter um lugar reservado para ele no inferno.

Quando Rejane  fez quinze anos, Mário soube que ela havia noivado, para logo depois romper com o noivo e casar às pressas com um diplomata endinheirado. Foi morar no exterior. Enquanto aos quinze anos ele passava a maior parte do tempo na biblioteca lendo numa sofreguidão, devorando dicionários. Aos dezoito já dominava o português e mais duas línguas estrangeiras. Seu ser tomado por uma feroz ambição, ser escritor.

Precisando trabalhar para seu sustento, aos vinte e um anos, Mário fez concurso e assume no BB. E já perto dos trinta anos reservava o início da noite para o namoro com a jovem Margarida, uma flor de pessoa, que não lhe exigia nada, disposta a esperar toda vida que ele se dispusesse a casar. Mais tarde, quando fazia lua cheia, visitava discretamente Almerinda. Continuava a escrever e escrever.

Cinco décadas de vida, Mário já pertencia a duas importantes academias de letras e inúmeras agremiações culturais. Sua antiga namorada, Margarida, cansada de esperar casou com outro. Almerinda havia morrido há algum tempo em um ataque fulminante do coração. Mas ele parecia feliz com sua imaginação, e ainda naquela loucura de ler e escrever, com centena de livros publicados, ou engavetados.  Foi premiado mais de uma vez, quando a moda era ter uma escrita de difícil entendimento, escrever coisas que nem o próprio autor entendia, muito menos os leitores. Empolgado, parecia um doido varrido a escrever os disparates que lhe vinham à cabeça, tendo recebido de volta as  publicações autorais que enviara a um escritor consagrado para apreciação. Riu do susto que pregara.

Rejane é que não era louca para ficar toda vida andando mundo a fora, foi o que ela pensou certo dia de frio intenso na Europa. E em vez de ir esturricar na África, sua próxima moradia, resolveu voltar para o Brasil, havia passado vinte anos acompanhando o marido diplomata, deu um basta. Tempo precioso de sua vida que aproveitou para escrever, em especial, sobre suas viagens. Mário soube que ela estava divorciada, acabara de publicar uma edição luxuosa sobre o assunto que conhecia muito bem. Quando se encontraram, e tinha que ser numa livraria,  quedou-se encantado olhando de longe para ela. 

Rejane  não o viu? Ou fingiu não reconhecê-lo, e saiu de mansinho? Sumira de repente. A dúvida foi o que restou para Mário. A mulher que vira tirando um volume da prateleira seria real, ou apenas fruto da sua imaginação?

 

 


domingo, 12 de junho de 2022

 

                                                     ENVELHECER É VIVER

 

S. LUÍS - MA


Os oitenta anos da mãe de Maria lhe chegaram sem maiores dores que as normais da velhice, está em boa forma física e mental e mais atilada  que nunca. Foi conferir na farmácia e havia perdido três centímetros de altura, ciente que com a idade a pessoa encolhe até uns cinco centímetros, ou um pouco mais. Pequenina e sempre  bem disposta, nunca a vida lhe pareceu um peso, só reclama os avanços tecnológicos e da ciência que não tornaram o mundo melhor, parece que virou do avesso. O pior é a desesperança, coisa que passou a existir até entre os jovens. No passado a pessoa dizia estar pronta para o que der e vier.

Maria concorda com a mãe que os mais novos acham que os mais velhos são paranoicos. Atualmente todo mundo afetado por essa paranoia, tantos são os crimes. Os velhos sendo vítimas frequentes dos golpistas. Quando o telefone toca, e é um desconhecido, dona Clara entra em alerta. E quando percebe que a pessoa do outro lado da linha está tramando algo sinistro, em vez de ficar assustada trata de revidar, aconselha que se regenere, e teve um preso em condicional, que ficou agradecido pelos conselhos, disse que ia voltar para a terra natal.

Hoje é normal que haja medo ao atender um estranho ao telefone, assim como falar com desconhecido na rua, não faltam casos de gente que cai em golpes, os golpistas cada vez mais imaginosos. Os bancos passaram a avisar que não pedem número de conta nem informação alguma para seus clientes. Aconteceu de uma jovem ter passado para um vigarista todas as suas economias a um simples toque no QRCode.

Vivemos hoje uma “sociedade tóxica”, o que dizem sobre essa nossa diversidade adversa. Os mais fracos atacados de todos os lados. Maria questiona para a mãe, como alguém pode viver do crime e ainda pensar que o luxo de um carrão o faz feliz? Pessoas más, que roubam e ainda matam. Cometem um crime hediondo e diz que é surto de loucura, o caso do rapaz que atacou uma escola e  matou mais de vinte pessoas numa escola nos EUA, a mãe dele pedindo que o perdoasse, que ele não era uma pessoa má.

Dona Clara tem uma explicação para o que está acontecendo com a sociedade, com as famílias, e seria por falta do amor maternal, filial, as pessoas também sem o devido amparo social e da religião, como devem ter. Crianças e jovens descuidados, abandonados, desorientados, que enveredam cedo pelo crime, e acabam criminosos de alta periculosidade, assassinos, estupradores. Gente que não recebe amor — e quem não tem, não pode dar.

Maria está de acordo que só a bondade faz renascer a esperança, a confiança. Procurar ajudar alguém é o melhor a fazer para levantar a cabeça, elevar o espírito. Uma boa ação pode, inclusive, ajudar na depressão causada por ansiedade no trabalho, ou por falta de meio de subsistência e realização, coisa que aflige o indivíduo e a sociedade. Ser bom dá retorno certo. Uma boa ação é como uma oração. Exemplo de boa ação é escutar alguém, dar atenção ao que ela tem a dizer. Dar um pouco do seu tempo ao próximo. Mas que se evite ser invasiva,  chata, quando se impõe a fé, o partido político, e por aí vai.

Dona Clara sempre diz que quer estar de bem com a vida em respeito a si própria e aos demais. Gosta de escutar as pessoas, quando elas  só querem ser ouvidas, afinal, todos têm o direito de se manifestar publica ou particularmente. Conta que uma idosa do seu convívio em criança chamou-a: “Senta aqui, eu estou para deixar vocês!” Apenas alguns segundo e ela já estava indo embora, quando a tia velhinha certamente ia falar-lhe  do seu amor.  Lastima não ter ficado mais tempo escutando o que sua madrinha  tinha a dizer!

Maria fala para a mãe que havia acabado de ler o livro “O Que Você está Enfrentando” da escritora Sigrid Nunez, um tanto negativo quanto à velhice. A certa altura um filho se vê diante das manias de sua velha mãe e lastima: “É tão triste o que acontece com os velhos.” A seguir diz que preferia morrer a ficar velho. Um disparate falar assim, pois se os mais velhos são ignorados, lastimados, nada mais vai faltar para que o pessimismo se instale no mundo. A amiga desse mesmo personagem, convidada a visitar a mãe do rapaz duvida que signifique alguma coisa aquela visita. Claro que falta empatia das partes envolvidas. Os velhos querem atenção, respeito, carinho. Os jovens também.

 

 


sábado, 11 de junho de 2022

Strauss ~ The Blue Danube Waltz

 

FICÇÃO

          

                                     LIÇÕES DA PATAGÔNIA





 

Ela gostava de viajar. Aos oitenta anos o sentimento de Dalva a respeito do assunto era de todo modo contraditório. Andou demais por esse mundo afora, viagens uma atrás da outras, isso desde que se aposentara. Não pretendia mais enfrentar aeroportos, e tudo o mais que as viagens exigem, parecia estar satisfeita, feliz com tudo que viu, agora era só recordar. À tarde costumava assistir um programa na televisão sobre lugares exóticos, quando  viu a Patagônia na tela, e de imediato disse para si mesma: Como havia deixado de fora essa aventura?

Pela manhã, coincidentemente, a amiga Maria, que há muito não via, lhe falara ao telefone que ia para o Rio, tinha comprado um apartamento em Copacabana. Ligou de volta, propondo fazer-lhe companhia, caso concordasse.  Sua ideia era aproveitar e dali partir para a Patagônia, que ficava entre a Argentina e o Chile, ver os animais de perto, não apenas admirá-los nas gravuras e na tela da televisão. Ia por os olhos cansados nos mais interessantes animais existentes na terra.

Comunicou ao marido a nova viagem, só a do Rio, não a aventura na Patagônia, embora ele jamais tenha reprovado alguma coisa que ela fizesse, era da santa paz, aprendera no seminário. Ele dera um basta, alegava estar farto após três excursões ao exterior. Enquanto a mulher continuava a viajar, numa quase compulsão, essa a verdade, até que ela mesma resolveu parar, afinal os anos já lhe pesavam. Mas de repente veio esse seu desejo de Dalva conhecer o lugar onde Darwin deu início às pesquisas que resultaram na sua teoria da seleção natural, ou da evolução das espécies. Católica fervorosa, adepta do criacionismo, também admirava os avanços da ciência. “Ai de nós se não fossem as vacinas nessa pandemia do covid19”, dizia para os incrédulos, gente que não acredita em nada.

Maria aceitou de bom grado ter a companhia de Dalva naqueles quinze dias que ia passar no apartamento novo. Sem que estivesse em seus planos estender o passeio. E quando a amiga ao chegar falou da ida à Patagônia ficou aflita. Terra erma, sítio que remetia à vida selvagem, à ancestralidade. Sentindo-se responsável pela amiga tratou de entrar em contato com o marido dela, que de imediato disse ser impossível dissuadir a mulher de alguma coisa que quisesse fazer, em especial viagens. E mais, confiava na sua acompanhante para a aventura naturalista, nas pegadas do cientista inglês.

Ainda em Copacabana Maria percebeu que Dalva estava o tempo todo pondo a prova sua amizade por ela. Disse-lhe então que podiam, sim, fazer aquela viagem. Pensou: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Boa ideia observar os animais no seu habitat. E assim partiram as duas para a aventura. Uma surpresa o tamanho minúsculo dos pinguins, seu andar desengonçado, escorregando nas pedras como em tobogãs para caírem na água, namorando, e o que se sabe é que esses animais são alegres criaturas e os mais fieis dos amantes, para inveja dos tristes e infiéis seres humano. Darwin, todavia, ficara abalado com o problema do mal. Observou o sofrimento e a dor no reino animal, por exemplo, uma  vespa paralisa uma lagarta para servi-la viva como alimento aos filhotes. 

Quando Dalva viu um mandrião em disparada mergulhar nas comunidades dos pássaros e pegar um filhote e voltar a disparar, grita revoltada: “Solta ele, bicho mau”. A infeliz presa esperneia, e logo chega outro mandrião para compartilhar o repasto. Maria rebate:

— Não, Dalva, o mandrião não atacou a presa por maldade, agiu por instinto. A única forma dos irracionais conseguirem alimento é essa que acabamos de ver. A violência e tudo por mais estranho que seja, faz parte da vida selvagem. Darwin relutou em perder a fé em Deus, mas parece que nunca foi um ateísta. Deus é o Bem. A fé em Deus que redime de todo mal. Amém!

Encantada com os pinguins, Dalva faz a observação:

— Os pinguins e as focas mergulham para pegar o peixe e devorá-los ainda vivos, mesmo assim, transmitem uma imagem de inocência infantil, como crianças. Só que diferente dos irracionais os seres humanos, racionais, têm sentimento, e há pessoas que não comem carne em consideração aos outros seres vivos, mesmo que seja um bom alimento.

Conclui Maria:

— Como é o sentimento que nos move vale observar nossas ações, se há maldade. E quanta maldade há no ódio, na inveja, no ciúme, na ganância. Sendo assim, vivemos tão perigosamente na cidade como na selva, temos que nos acautelar. A maldade é contagiosa, mas, felizmente, a bondade também. Podemos aperfeiçoar-nos no sentido de sermos bons, cada vez melhores.

Já estavam de volta, Dalva havia abandonado sua desconfiança e fastio, e Maria podia dizer sem medo de errar: ”Se alguém quiser conhecer outra pessoa faça uma viagem com ela.” Verdade.

 

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