FILMES



                      
                         



                         VIAJAR, IR, FICAR, MUDAR

      


Celine e Jesse, ainda muito jovens encontram-se pela primeira vez em um trem, quando então engatam uma conversa afinada sobre o que pensam e acham da vida, opinam sobre tudo. Quando chegam em Roma, ele resolve saltar com ela para continuarem o papo. Passam o resto da tarde percorrendo as ruas da Cidade Eterna e à noite ficam juntos. No dia seguinte ele continua viagem, mas marcam um encontro para algum tempo depois, o que não vai acontecer por força, menos do destino, que das contingências da vida. É o resumo do filme Antes do amanhecer, o primeiro de uma trilogia. O segundo filme, com os mesmos atores, é Antes do por do sol – dez anos depois, quando então Celine vê o anúncio do lançamento do livro de Jesse numa livraria da cidade onde mora. Corre para lá e se dá a conhecer, e como se o tempo não tivesse passado, põem o papo em dia, outra vez andando pela cidade. Mas Jesse tem uma esposa em casa, e o fim do filme deixa em suspense se eles reatam ou não.

        Antes da meia noite é o terceiro filma da trilogia, que inicia com um suspense, se o casal está junto ou não. No aeroporto Jesse está com o filho que vai pegar o avião de volta para a mãe, após os dias de férias na Grécia com o pai. Não, não é Celine a mãe da criança. O casal está muito bem, e com duas filhas gêmeas. Celine aguarda o marido no carro, onde continuam com aquela costume de conversar, agora apenas trivialidades, enquanto se dirigem de volta para a pousada. Jesse, como sempre, é a tranquilidade em pessoa, e parece aturar uma Celine chata, que fala, fala, fala, tratando de assuntos que podem enervar qualquer marido, os problemas da vida cotidiana, em especial da mulher, o que o intelecto masculino quer ignorar. Como sempre, ele fica na defensiva, e tenta driblar a companheira. Ele faz sucesso como escritor e ela tem o trabalho, do qual não está disposta abrir mão disso, num momento de mudança, o que pode influir na relação dos dois. O problema dos filhos se faz presente, e eles agora têm que pensar menos em si próprios e mais nas responsabilidades para com a família. E o filho que Jesse tem com a esposa anterior  está com a mãe em outro país, o que causa apreensão ao pai, e certa tensão no casal.

        
          Celina fala, fala, fala, sinal de que não existe mais aquela mulherzinha que ficava esperando alguém decidir tudo por ela, que servia as refeições do marido, cuidava da casa e dos filhos, que ao pai competia apenas dar a última palavra. A última palavra hoje dada na prorrogação, ou resolvida nos pênaltis. Não há bonzinhos nessa história, mas duas pessoas dispostas a ganhar o jogo da vida juntos. E nenhum dos dois ouse trapacear. Outros casais participam do debate de ideias e algumas frases foram ditas com muita propriedade sobre suas relações. Mas é o senhor viúvo, dono da pousada, quem diz a frase mais sábia, tendo vivido feliz por décadas com a esposa, que viu morrer, o que pode servir de exemplo para uma vida a dois como deve ser vivida, ou seja, que cada um seja responsável por sua felicidade, e não colocar na conta do outro: “O amor que sentimos por uma pessoa nunca deve ultrapassar o amor que sentimos pela vida”. Amar a vida, ter paz no coração, o que já é a maior felicidade.           







                        “O HOMEM IRRACIONAL”







        É  o segundo filme de Woody Allen em que o cineasta se reporta à obra de Dostoievski, Crime e Castigo. Para o autor russo, é questão de moral e de justiça que o crime receba o devido castigo. Em Match Point (2005) um casal de irmãos, pertencente a uma rica família, ambos noivos fora do seu ciclo social, quando então o noivo da irmã envolve-se com a noiva do irmão. O casal vive sua história de amor na clandestinidade, até que acontece a gravidez indesejada, e a noiva infiel, interpretada por Scarlet Johansson, não quer abortar, e então o amante resolve eliminá-la, para que o fato não atrapalhe seu casamento por interesse. O criminoso sempre busca uma justificativa para enganar, matar, e a mulher é quem costuma pagar, até com a própria vida, pela ofensa moral. O crime contra a vida praticado por medo, herança do homem primitivo, indefeso diante das feras, ou de algum adversário, ataca para se defender. O medo hoje presente no cotidiano desse ser, dito civilizado, que criou outros medos, ainda mais difíceis de dominar.





As contradições dos personagens de Allen, são da espécie humana, o bem e o mal que existem no homem e vai morrer com ele. Freud explica! Kant também explica! Kierkegaard, Heidegger e Sartre explicam. Filósofos citados por Wood Allen no filme O Homem Irracional, protagonizado por Joaquim Phenix no papel do filósofo Abe Lucas, celebridade em sua área, e que acaba de chegar de uma missão em defesa da floresta tropical, dessas que não dão em nada. Ele tenta então retornar à sala de aula, mas está desmotivado. Por sua boa reputação no meio acadêmico, o professor é recebido com o maior consideração e respeito pela direção da Faculdade, tendo ainda a acolhida prestimosa da madura professora (Parker Posey) que é casada, e também de uma aluna, a bela e jovem Jill (Emma Stone) que, mesmo noiva, lhe dedica toda a atenção, ambas a se revezarem no papel de confidente e amantes do professor. O fascínio que o intelecto, dito masculino e racional, tem sobre a alma feminina, tida como irracional. Papeis que aqui e ali se invertem. Não por acaso a atriz que faz Jill é a mesma jovem charlatã no filme Magia ao Luar, onde, a reboque do charlatanismo, é enfocada a espiritualidade versos incredulidade. Neste filme o protagonista é fã de Nietzsche, criador do irracional super-homem, que faz contraponto como o homem religioso (Dostoievski). Mas no final o que salva a mulher é amor, a magia do amor.



       Jill está noiva com um rapaz ideal para ela, mas que de repente se sente atraída por aquele homem de modos estranho. Mas nem a sala de aula, nem as duas amantes, são incapazes de sanar a indisposição do filósofo e ativista,  inclusive para o sexo. Não há estímulo que o satisfaça, desde que deixou o ativismo e passou a habitar e trabalhar no campus universitário. Quando, de repente, a adrenalina volta a subir, ao mesmo tempo que retorna o desejo sexual, fato que acontece depois que ele escuta uma conversa de bar. Pensa que tem uma nova missão a cumprir, ou seja, eliminar um juiz, que vai dar uma sentença injusta, com a qual a mulher vai perder a guarda do filho.  O crime é então premeditado, e praticado com relativa facilidade, crime perfeito, mas as pistas não tardam a surgir.



       No mundo moderno e contemporâneo faltam valores morais, o que faz as pessoas se equivocarem em seus julgamentos, em suas atitudes.  A vida de Jill corre perigo, desde que fraquejou em sua lealdade para com  noivo, uma bom rapaz, que a ama, e ela também ama, mesmo assim, pensa como uma moça moderna, ser livre para fazer o que quer. Mas ela fica emocionalmente abalada com o crime e, principalmente, com a possibilidade de um inocente pagar por algo que não cometeu. Insiste então que o professor confesse que foi ele quem matou o juiz. E como um crime puxa outro, o professor premedita o próximo, matar Jill. Dessa feita Allen faz com que o crime tenha o merecido castigo, que virá, não da justiça comum. A moral de que o bem sempre vence o mal, aproxima Allen  do cristão ortodoxo Dostoievski e o afasta de Nietzsche, um homem irracional, típico. No filme anterior quem paga pelo crime contra a moral é a mulher na sua irracionalidade. Neste último filme é o homem irracional quem vai receber o castigo merecido. O mundo hoje tão louco, tão irracional, que se o intelecto falha, se a alma anda trôpega em sua moral, é certo que aconteça o pior. Mas o que salva Jill é a intuição que ela tem ao escolher uma simples lanterninha como prêmio numa quermesse. A alma feminina, intuitiva e emocional, leva a que ela se salve, mas também pode provocar sua perdição, no caso da traição, uma espécie demência moderna. Um novo e sempre o mesmo Wood Allen.






    cinema                  
                        QUE HORAS ELA CHEGA?






        Até há pouco tempo existia um arranjo socioeconômico entre empregada doméstica e patrões, típico do jeitinho brasileiro. Ajeitar as coisas aos interesses desse ou daquele, em vez de tentar fazer o que é certo, cada um saber dos seus direitos e deveres. É do que trata o filme Que Horas Ela Chega?  Até parece aquele antigo assunto cri-cri - criada e crianças - que hoje tem novos ingredientes. A diretora Anna Muylaert é hábil e precisa na condução da história da empregada Val (Regina Casé) e seus patrões, a socialite Bárbara (Karine Teles) e o deprimido Carlos (Lourenço Mutarelli). O casal  paulistano com único filho, Fabinho (Michel Joelsas). A mãe esforçando-se longe de casa para fazer e acontecer, e o pai andando pelos cantos, a espionar e palpitar, enquanto a empregada atende a todos, dando especial atenção e carinho ao menino, desde que ele era criança e ela veio do nordeste trabalhar naquela casa do Morumbi. Fabinho criança é quem fez a pergunta título do filme a Val, que tem uma filha, Jéssica (Camila Márdila), deixada aos cuidados de parentes no interior pernambucano. Coisa do passado as mães terem os filhos por perto para amar e educar, nos novos tempos o que todos querem é ter sucesso pessoal e ganhar dinheiro, o que sobra para uns e falta para outros. O ser humano pouco confortável e feliz nessa situação de progresso tosco e bárbaro, o que as duas personagens, Val e Bárbara, representam. Emociona a postura empregada doméstica, mas é  irritante a dos demais personagens, que beira a demência, quando a qualquer momento uma tragédia pode acontecer.

          Exposta no filme o que existe de bom e leal, ou de ruim e desleal, nessa relação familiar, inclusive, entre empregada e patrões. O trabalho de Val é quase escravo, ela mora na casa onde trabalha, coisa de antanho, mas ainda perdura. O brasileiro é bonzinho, sim, mas chega uma hora em que as coisas têm que entrar nos eixos, tanto para um lado quanto para o outro. Tratar as relações com devem ser, com consciência e seriedade, o que seve para todos e para tudo na vida, cuja falta provoca desarranjos sociais, tanto mais graves quanto sutis. Brilhante a atuação de Regina Casé no papel de Val, uma das muitas jovens do interior do país, principalmente nordestinas, sem condições de estudar, ou mesmo sobreviver na terra natal, que se dirigem em peso para as capitais, em especial as do sul para trabalhar e estudar. Mas, se falta a elas preparo intelectual para que consigam emprego em algum escritório, sobra talento para atividades de importância nos lares da classe média, onde as mulheres saíram para trabalhar fora. Uma nova classe média que só pensa em exibir status.

        Mesmo que há anos viva longe da mãe, Jéssica está querendo vir fazer vestibular de arquitetura na USP. Mas Val nunca cuidou em ter casa própria, morando com os patrões, que consentem a garota dormir no quarto com a mãe, pois têm grande apreço pela empregada, ou não concebem viver sem ela.  Quando Jéssica chega não entende, nem quer entender, porque a mãe mora com os patrões, e estranha ainda mais não ser tratada como hóspede na mansão. Mesmo que os patrões digam que que ela é quase uma pessoa da família, afinal foi ela quem criou Fabinho, é cada um no seu lugar. Desconfortável com a descriminação, a filha ainda recrimina a mãe por ser servil. Val não vê as coisas desse jeito, mas há possibilidade de conflito no ar, principalmente com a ajuda do dono da casa, também dono do dinheiro que herdou do pai, o que ele faz questão de contar a Jéssica, e vai provar o que diz. Carlos avisa a vestibulanda para que habite o quarto de hóspede, e que pode comer, sim, do sorvete especial, exclusivo do filho. Uma afronta para sua mulher, Barbara, quando então a coisa só tende a complicar, numa família sem um  comando firme masculino, nem a devida atenção feminina, como deve ser.

        A câmara é conduzida com competência para que se veja a família pela perspectiva da empregada, e os patrões são coadjuvantes da história. Tão doce quanto  tosca, a empregada faz o melhor que pode para aquela família. Mas é uma situação que reflete a irresponsabilidade pessoal e social que reflete o que existe no país. Jéssica está preparada e passa no vestibular, enquanto Fabinho é reprovado no mesmo exame. Mas a rebeldia que a moça manifesta desde sua chegada, conquanto justa, leva a mãe a abandonar o emprego. Cansada, e ao saber que  Jéssica tem um filho, Val resolve largar o emprego para cuidar do neto. É o problema da gravidez precoce. Jovens que podem ter um bom futuro, até mesmo brilhante, mas param de estudar. Drama que passa de mãe para a filha. Fica a dúvida, se a filha de Val seguirá adiante nos estudos para ter uma profissão e sair do sufoco. É possível que isso aconteça, pois a jovem parece que tem força de vontade e pode contar com uma bolsa de estudo, além de ter a mãe ao seu lado. Isso se  ela não deixar que atrapalhem seu sonho, inclusive, outros relacionamentos inconvenientes, e mais filhos. Quanto ao filho de Bárbara, que não passou no vestibular, ele optou por viajar para a Austrália, fazer o que, ninguém sabe. Segue os passos dos pais sem grandes ideais, sem gosto para fazer algo que valha a pena, em primeiro lugar, cuidar bem da família, pensar  no futuro. Mas Fabinho parece ser um bom rapaz, que vai ter uma experiência no exterior, coisa que pode ser importante para alargar seus horizontes e ele passe a valorizar a família e o país em que vive.

      Nunca esquecer que a realização pessoal, a própria felicidade, deve estar assentada numa boa estrutura familiar, no cultivo dos valores, o que falta em todas as classes sociais. Val mais feliz que os patrões endinheirados, por seu amor e dedicação ao que faz. Sentiu amor verdadeiro pela família, mesmo que não fosse dela, o que sente pela filha, que amou e sustentou à distância, e ama mais ainda agora, com o neto. Mesmo que não seja uma família ideal, de pai, mãe e filhos, com pessoas que orbitam em volta, e podem ajudar, mas se não atrapalhar já é de bom tamanho. Val vai ter oportunidade de vivenciar sua própria  família, mesmo desse jeitinho tosco. E nem pensar em outros arranjos familiares, que não passam de jeitos tortos, loucos, no mínimo, infantis. O amor que responde aos anseios da humanidade, na força do conhecimento, na maturidade dos sentimentos. E que sejamos leais a nós mesmos, em primeiro lugar, sem sermos desleais a ninguém. Sem isso não há felicidade justa e verdadeira.

      O filme já ganhou vários prêmios pelo mundo afora. E acaba de ser selecionado pelo Ministério da Cultura para concorrer a uma indicação ao Oscar de 2016.








CINEMA


                            O PEQUENO PRÍNCIPE





       Antoine de Saint Exupéry (1900-1944) é um dos raros escritores fenômeno de popularidade, com o livro O Pequeno Príncipe, de 1943, best seller desde sua primeira publicação. O livro já passou para o domínio público e vemos esse ano sob todas as formas de publicações nas livrarias. Uma verdadeira febre que volta, como aconteceu por ocasião da sua estreia. Trata da singela história de um aviador que sofre uma pane no deserto e recebe a visita de um garoto lourinho, uma espécie de anjo, com quem mantém uma conversa afinada. E acaba de chegar ás telas dos cinemas de todo o país uma adaptação da insigne obra, a cargo do famoso diretor Mark Osborn, mestre em animação, com uma história dentro da história, onde entra uma Garotinha para mexer ainda mais com a imaginação, no caso, do espectador. O roteiro é de Brignull e Bob Persichetti. A música de Hans Zimmer.

       A coitada da Garotinha, com aquele olhar curioso, tem uma mãe que só está preocupada com o sucesso da filha nos estudos para ingressar numa conceituada escola, na qual ela já foi reprovada mas a mãe não desiste. Um drama que faz a história se desenrolar no sentido moderno, com alguns personagens ainda mais lúgubres que os originais. Guarda, todavia, o fascínio dos diálogos, que os milhões de leitores ao longo dos anos não esquece. O Príncipe diz ao Aviador acidentado uma frase memorável: “Você é responsável por aquele que cativou.” Outra frase que faz parte da memória de todos vem de uma raposa: “O essencial é invisível aos olhos.”

        Aconteceu do próprio Exupéry ter sofrido uma pane com o pequeno avião    que pilotava como correspondente de guerra. Na adaptação para o cinema, o velho Aviador seria o próprio Exupéry que, se vivo fosse, estaria completando 115 anos. Ele é habitante solitário uma velha casa, ao lado de uma nova moradia, para onde há pouco a Garotinha mudou com a mãe. Mas, enquanto o velho respira liberdade e imaginação, sua vizinha é intimada a cumprir um escorchante agenda de estudo imposto. Até que sua atenção se volta para o vizinho, desde que ele lhe fez chegar às mãos um aviãozinho de papel, justamente onde está narrada o início da história do Pequeno Príncipe. O fascínio é imediato, e ela fica curiosa por descobrir os segredos do morador ao  lado, e acaba por encontrar um ser tão fascinante quanto estranho, que tem até um avião no quintal, que espera consertar e fazê-lo ainda decolar, sem acreditar muito nisso. O velhinho é colecionador de coisas velhas, e tem ainda um carro, com o qual sai um dia com sua nova amiga para tomarem sorvete, e acaba trombando contra um poste, pondo em risco a própria vida e a dos transeuntes.  

       É clara a irresponsabilidade daquele  velhinho imaginoso, que tenta ignorar o mundo moderno a sua volta, do qual não parece fazer parte. As leis de trânsito, por exemplo, que ele ignora. Um velho imaginoso e uma Garotinha, que estão sujeitos às armadilhas da vida. A falta de compreensão e mesmo abandono da velhice como da infância no mundo moderno!  Até que a Garotinha curiosa e estimulada pelo velhinho seu vizinho, resolve sair em busca do Pequeno Príncipe, que deve ter crescido. Mas, onde encontrá-lo? Ele é um pobre limpador de chaminés, e ao descobrir isso a garotinha fica inconformada, e faz com que ele se lembre que é um Príncipe de verdade. Após o convencimento saem os dois para salvar o velho aviãozinho tirado da casa do seu dono pela polícia, a essa altura, prestes a ser triturado por uma cruel engrenagem. Para tanto enfrentam juntos os poderosos que a comanda, e o que mais faz é escravizar, triturar, pessoas, como as coisas. Uma crítica aos tempos modernos, o que nos remete ao filme de Chaplin.

       Depois de salvarem o avião, e destruírem a engrenagem trituradora, eles tratam de soltar as estrelas aprisionadas numa redoma de vidro. Uma bela imagem no meio daquela destruição toda. Com o aviãozinho liberto da máquina trituradora, o Príncipe e a Garotinha passam a fazer voos rasantes sobre os prédios e sobre as pessoas em seus carros. Uma ressalva que tem de ser feita quanto essa loucura toda, pois a destruição lembram as ações terroristas. As loucuras do velho Aviador seria um acrítica velada ao velho best seller ? Principalmente ao mundo moderno que não dá valor ao sentimento, no que eles pode  fazer de bem para o ser humano. O velho sentimental e o novo racional, que precisam se reencontrar, em busca de equilíbrio. Ao final, reencontram-se mãe e filha, e vão visitar o velhinho que está no hospital por ter sofrido uma parada cardíaca, depois da visita da polícia à sua velha casa.

        Nota: Por ocasião da Eco 90 conheci o Pequeno Príncipe, pelo menos um dos seus inspiradores, pois dizem que a mulher do autor também consta da lista, assim como o próprio autor, privilegiado com uma infância de príncipe. Ao fim de um seminário na Faculdade Santa Úrsula, eis que um dos professores é apresentado aos participantes do encontro como o inspirador do célebre personagem. Estupefatos, víamos diante de nós alguém revelar fatos ocorridos no seu passado, na ocasião um garoto de 8 anos, com quem Exupéry gostava de conversar durante a visita que fez à casa de seus pais no Canadá, o pai filósofo, como o filho se tornaria. Ele estava no Brasil a convite do Instituto de Filosofia do Rio de Janeiro. Realmente havia nas feições do canadense certa semelhança com os desenhos de Exupéry. Infelizmente não gravei o seu nome, muito menos tenho seu retrato, o que é uma pena.         


  LITERATURA



                         QUARTA FEIRA DE CINZAS




Porque não mais espero retornar

Porque não espero

Porque não espero retornar

A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto

Não mais me empenho no empenho de tais coisas

(Porque abriria a velha águia suas asas?)

Por que lamentaria eu, afinal,

O esvaído poder do reino trivial?


    Porque não mais espero conhecer

A vacilante glória da hora positiva

Porque não penso mais

Porque sei que nada saberei

Do único poder fugaz e verdadeiro

Porque não posso beber

Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam

Pois lá nada retorna à sua forma


    Porque sei que o tempo é sempre o tempo

E que o espaço é sempre o espaço apenas

E que o real somente o é dentro de um tempo

E apenas para o espaço que o contém

Alegro-me de serem as coisas o que são

E renuncio à face abençoada

E renuncio à voz

Porque esperar não posso mais

E assim me alegro, por ter de alguma coisa a edificar

De que me possa rejubilar

    E rogo a Deus que de nós se compadeça

E rogo a Deus porque esquecer desejo

Estas coisas que comigo por demais discuto

Por demais explico

 Porque não mais espero retornar

Que estas palavras afinal respondam

 Por tudo o que foi feito e que refeito não será

E que a sentença por demais não pese sobre nós

...

No ar agora cabalmente exíguo e seco

Mais exíguo e mais seco que o desejo

Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo

Ensinai-nos a estar postos em sossego.


     Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte

Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.  


EXCERTO DO POEMA QUARTA "FEIRA DE CINZAS" DE T.S.ELIOT
Tradução de Ivan Junqueira 

T.S.ELIOT








Pintura                     

                         GUSTAV KLIMT
"O BEIJO"


O artista nasceu em 14 de julho de   1862 em Baungarten periferia de Viena, filho de um ourives, Ernest Klimt, e de uma cantora lírica, Anna Finster. Aos 18 anos, depois de um curso de decoração na Escola de Artes e Decorativos em Viena, fundou com o irmão Ernest um atelier de decoração, passando a decorar paredes, tetos de casas, teatros, edifícios públicos. Apenas dois anos depois já era famoso por suas pinturas decorativas. Para Klimt a arte devia despertar a consciência de forma diferente do que acontecia com a pintura acadêmica e diminuir a distância da arte dita menor dos objetos. O mundo devia ser  transformado pela arte.  Funda o movimento Secessionista de Viena em 1897. O estilo achatado, decorativo, com o uso sutil e, às vezes, forte das cores a sugerir estados emocionais ambíguos e atitudes que exigem interpretações sofisticadas por parte do observador. A secessão em Viena pode ser vista como a ponte entre o Esteticismo do século XIX e o Modernismo do Século XX. Em 1905  os secessionistas vienenses se dividiram : de um lado  os apoiadores de Klimt  que queria fazer a ligação  entre a arte e o comércio; do outros naturalistas  interessados em a firmar a supremacia da arte.

       Em 1898 Klimt pinta “Pallas Attenas” que marca o início de seu afastamento da arte oficial, que representa a deusa agrega como “femme fatal”. Uma arte considerada provocativa, e chegaram a duvidar da sanidade mental do artista a ponto de provocar-lhe uma depressão.  Aproximou-se dos escritores do Impressionismo e Simbolismo, e o período de 1902- 1903 foi de intensa produção, quando ele iniciou o uso do ouro em seu quadro “Serpente de Água” e o retrato de Adele Bloch-Bauer, também em “Danaé”, outra figura mitológica.  “O Beijo” de 1905 é sua obra mais conhecida, e que até hoje continua sendo reproduzida  em diversos materiais decorativos mundo afora. A obra de Klimt foi a expressão de um período de mudanças que aconteciam no mundo e por isso ele é uma referência na história da pintura. Foi um pintor do seu tempo, corajoso, que viveu ativamente as profundas transformações a partir do século XX na vida humana e na arte.  Namorou uma moça que tinha uma casa de costura, Emilie Floge, e morreu de apoplexia em 1918.


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      CINEMA

                           A DAMA DOURADA


         
Filmes sobre a Segunda Guerra não são poucos, pois é um assunto que nunca se esgota, sendo crucial a questão do holocausto do povo judeu. No século XX a civilização sofreu  duro golpe, quase fatal, da irracionalidade, por conta do ditador nazista Hitler, que não era um ser do outro mundo, mas gente como nós, o que mais assusta. O povo alemão considerado o mais inteligente do planeta, deixou-se seduzir por um austríaco louco, o que dificulta o entendimento de como a coisa aconteceu. O preconceito no cerne da questão, que já vinha de longas datas e resultou no que o mundo viu de mais cruel, pura barbárie. Em contrapartida, houve reação oportuna, encabeçada inicialmente pela  Inglaterra de Churchill, e também a Rússia no Leste europeu. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra a coisa se definiu a favor dos aliados contra o eixo.

      Os judeus eram presos, destituídos de todos os seus bens, colocados em campos de concentração, por fim jogados nos fornos nazista. Em vagões de trem superlotados eles vinham  de várias partes da Europa para morrer na Alemanha de Hitler. As obras de arte pilhadas iam fazer parte de um museu idealizado por Hitler para ser o mais espetacular até então existente. Entre essas obras estava o quadro A Dama Dourada de Gustav Klimt, pintor austríaco, tido em Viena como rebelde quando pintou o quadro. A rica Áustria invadida e pilhada, assim com outras nações, antes que fosse dado um fim àquela loucura, seguida por parte da humanidade, feita de carneirinhos.  Triste a ignóbil acolhida dada a Hitler pelos austríacos como aconteceu na França e pelo mundo afora.

     Mesmo com a distância dos fatos ocorridos, o cenário era de guerra e perseguição, mas o filme dirigido por Simon Curtis apostou no sentimentalismo, para atrair espectadores para as salas de exibição, e foi perdida a oportunidade do tema ser  abordado com mais vigor e suspense. Era questão de justiça, mas fica claro o interesse financeiro do advogado inexperiente que cuidou do caso, interpretado por Ryan Reynolds, que se dedicou em tempo integral à empreitada de impetrar ação contra o governo austríaco pela posse do quadro, que estava no Museu de Belvedere na Áustria. Ele estava ali por ter sido negociado de forma irregular pelas autoridades austríacas, que não quiseram fazer acordo com a herdeira, antes que ela se decidisse trazê-lo para a América.

     Maria Altmann (Helen Mirren) havia perdido os pais e alguns parentes nos campos de concentração nazistas, tendo escapado de igual destino, ao fugir para a América. Justamente para onde ela trouxe o quadro A Dama Dourada, retrato da aristocrata Adele  Bloch-Bauer,  que hoje pode ser visto no Museu de Nova York. A bela e rica pintura de sua tia atravessaria o oceano para a liberdade, como Maria um dia havia feito. A vitória da herdeira que em parte deve à interferência da justiça americana. O tribunal austríaco não teve outro jeito a não ser dar posse definitiva à herdeira do bem, surrupiado pelos nazistas, junto com outros quadros e joias, irremediavelmente perdidos.








CINEMA




                             “QUE MAL EU FIZ A DEUS?”

     


A pergunta acima é título do filme francês dirigido por Philippe Chauveron, uma comédia de temática atual, fruto da globalização.  Um casal católico e conservador, com quatro belas filhas em idade de casar, tem a decepção de ver as três primeiras escolherem para parceiros pessoas de diferentes religiões. Para elas não constituem empecilho, como para os pais que cedem ao desejo das filhas a contragosto. O primeiro que entra para família é um argelino mulçumano, o segundo um judeu, e o terceiro um chinês. Apesar da inicial resistência  do pai das noivas, os rapazes acham-se confortáveis na situação, quase de penetras, tornam-se amigos e se divertem, pensando mais em possíveis negócios entre si do que fazer apologia ou mesmo guerras por suas religiões.

     A mãe Marie Vermeuil não questiona a novidade de ter essa gente em casa, até acha bom, a ponto de irritar o marido intransigente.  Mas a esperança é que a caçula, Laure, afinal escolha um católico para casar e levar adiante a tradição da família. O que acaba acontecendo. Ufa! Só que o pretendente é um ator católico e negro, o qual traz a reboque uma família exibida e superficial até mais não poder. Hospedam-se na casa dos futuros sogros onde vai ocorrer a festa de casamento. Não há problema entre a duas mulheres, que se entendem muito bem, principalmente através da dança. Mas, quanto aos maridos, a coisa fica negra de verdade.  Desentendimentos acontecem a cada passo entre os dois.

    Até que o pai da noiva, Claude, resolve afastar-se de casa para pescar. O pai do noivo Sr. Koffi vai atrás dele, para encontrá-lo no justo momento em que pesca um peixe dos grandes, e trata de ajudar o pescador a tirar o pescado da água. Após o que vão os dois juntos ao bar para comemorar o feito. Exageram na bebida, e chegam a trocar de vestes. Bêbados e abraçados é como retornam ao lar para espanto do restante da família. Daí para a frente, é dar prosseguimento ao casamento. Antes disso há que resolver uma questão pendente e crucial.

      Diante das confusões que suscitou nas famílias, a noiva resolveu desistir do casamento, e pega o ônibus de voltar à cidade onde trabalha. Mas é interceptada pelos pai dela e também pelo futuro sogro que a convencem de que tudo está bem entre eles. Finalmente, após o sim diante do padre, a música afro alegra o ambiente da festa. A moral da história é que, na sociedade atual, não há preconceito que resista a alegria de viver a liberdade na prosperidade. As antipatias não resistem aos reclames do amor e ao sucesso de uma boa pescaria. É só relaxar e gozar, como disse a sexólogo e senadora paulista Marta Suplicy. Simples assim!

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    APENAS UMA BRINCADEIRA



O filme em cartaz no país, Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte, é quase uma brincadeira do cinema com o romance de Gustav Flaubert,  Madame Bovary. Brincadeira de bom gosto, diga-se a bem da verdade. Como acontece no texto literário, numa pacata cidade do interior da França uma bela e jovem mulher vem morar com o marido, com quem se casa logo depois de uma decepção amorosa. Instalam-se em frente à casa onde mora o padeiro Martin com a mulher e um filho, no local onde também funciona seu comércio de pães sofisticados.  A protagonista é decoradora e chama-se Gemma Bovery, lógico que para fazer  analogia com Emma Bovary, mas é também o nome da atriz (Gemma Arterton). O marido tem o ofício de restaurador, e pouca aparece em cena. A sedução do padeiro pela moça é de imediato, uma tração fatal, revestida de forte suspeição.  Equivocadamente ele vê naquela mulher de expressão doce e sonhadora, a personagem que é a insatisfação em pessoa, no romance de Flaubert, do qual Martin guarda na memória todos os diálogos, como acontece também com Ana Karenina de Tolstoi.

 O padeiro amassa o pão com volúpia, sem conseguir matar o tédio, nem saciar a fome da alma, o que  faz lendo os clássicos da literatura,  focada em adultério coisa ultrapassada para os novos tempos de liberdade feminina. Gemma veio a calhar para Martin, que desde sua chegada não mais desgruda dela, acompanhando seus passos, ora de perto, ora de longe, com curiosidade, mesmo vício, pensando, inclusive, em livrá-la do triste fim da personagem do livro de Flaubert. O interior da França seria tão belo quanto monótono para quem vem de uma cidade grande, e  logo ele apressa-se em mostrar-lhe alguns locais, e em oferecer-lhe o livro de Flaubert para ela ler e se conscientizar do perigo que corre. A moça parece não se dar conta disso, da tragédia que Martin imagina de antemão, pensando no quanto a vida imita a arte. Quando Gemma foi comprar pão pela primeira vez em sua padaria, o padeiro fez com que ela provasse de cada um dos seus sofisticados pães, para poder observar o quanto ela se delicia com o produto. O pão que vai ser peça fundamental na tragédia final, uma farsa das boas de se ver.

Quando Gemma conversa com um rico e belo  jovem local, Martin de longe sente o perigo iminente na situação. Repete os diálogos que eles falam, os mesmos dos personagens do livro, ciente do quanto a vida imita a arte. Uma tragédia que pode, sim, ser induzida pela força do pensamento, a  pessoa ser levada inconscientemente a agir segundo a criação de uma mente doentia. O poder do inconsciente de Martin, numa cruel contradição, como é a própria vida. Mas se a alma da mulher é a mesma de sempre, sensível, ou fraca, em questões sentimentais, na modernidade ela goza da liberdade, o que não existia no passado. As circunstâncias as mesmas, mas não a mentalidade das pessoas envolvidas. Só na cabeça do padeiro, no seu poder de intuir, através da ficção realista  do século XIX, o que não deve ser ignorado, mesmo nos tempos atuais.  O pão sofisticado e delicioso que o padeiro Martin oferece a Gemma, é a metáfora do prazer primordial, presente em todos os tempos, que se sofistica para continuar a causar tragédias, como essa, anunciada.       


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