terça-feira, 31 de janeiro de 2023

 



 

 

                        COISAS DA VIDA

 


S. LUÍS - MA



Na década de 60 um jovem casal aluga uma simpática casa em João Pessoa, no pequeno jardim canteiros forrados de antúrios, folhagem de belo colorido, muito em voga. Pintura nova, inclusive das janelas, mas quando Maria olhou para o piso foi aquele susto, nunca tinha visto coisa igual, os antigos moradores haviam deixado o piso em estado deplorável, os tacos sumidos em camadas e mais camadas de cera, que iam do amarelo ao ocre, com rajadas de vermelho, mistura demoníaca, de arrepiar. Na época, as boas donas de casa mantinham o piso da casa no maior capricho, eram mulheres que não trabalhavam fora e se ocupavam em cuidar da casa. Havia uma competição de quem, por exemplo, tinha seu precioso chão de taco mais brilhante, embora não houvesse enceradeira elétrica, e o sinteco ainda longe de ser inventado. Mantinha-se o piso de taco encerado e brilhando, o trabalho feito com um escovão, e haja braço. A cera velha removida a cada quinze dias.

Inacreditável o que Maria via sob seus pés.  Na manhã seguinte pôs mãos à obra para remover com lixa grossa toda aquela cera acumulada. Findo a primeira parte do trabalho, os tacos já mostravam sua beleza, mas ia deixar para espalhar a cera e passar o escovão no dia seguinte, o calor estava de rachar. Lembrou que havia visto um galho repleto de limões, que avançava para seu quintal, o limoeiro plantado rente ao muro de separação das casas. Resolveu fazer uma limonada para se refrescar. Mal pegou o primeiro fruto uma voz gritou do outro lado que tirasse a mão dos frutos de sua propriedade. Como assim, tinha vigia de plantão?... E aquele galho não estava invadindo a propriedade alheia? Deixou pra lá, tinha duas crianças para buscar na escola. No dia seguinte ia comprar limões na feira do bairro, perto de casa, e  sem saber ia satisfazer o desejo de grávida do terceiro filho.

Quando o marido de Maria chegou do trabalho e soube do ocorrido, foi consultar o Código Civil. Leu alto os artigos 1,282 e 1,284, que tratam do assunto: “Os frutos caídos numa propriedade vizinha pertencem ao dono do solo onde caíram, mesmo que o tronco da planta encontre-se no terreno confinante”. No caso de Maria, os limões não estavam no chão, mas no galho que dava para seu lado, ou seja, ocupava espaço alheio. O caso acabou ali, não ia brigar com vizinho, mas comprar o produto no dia seguinte, na feira. Já estava grávida do terceiro filho e o desejo da limonada aumentou.

Tem gente sem noção, ou simplesmente abusada, pronta para tirar proveito dos outros.  Uma amiga da mãe de Maria, contou o acontecido mesmo com todo o aperto financeiro, raspou as economias para mandar fazer um vestido de tafetá azul celeste, cor da esperança, e ainda pagar os olhos da cara pelo chapéu exigido para a cerimônia. E lá se foi em companhia da irmã prestigiar as bodas do filho que acabara de completar 20 anos, recentemente empregado no BB. Tempo em que ainda muitos jovens iniciavam-se na vida de casados. E tinha a justificativa do dito popular, que “casamento e mortalha no céu se talha.” As bodas em outra capital, e houve ainda a despesa das passagens de avião. Não contavam com a  pouca simpatia da família da noiva, que viu  aquelas duas mulheres chegarem sem seus maridos, fato que se devia à falta de dinheiro para eles comprarem a fatiota. A tia do noivo, que era do ramo,  foi incumbida da confecção dos doces e salgados para recepcionar os convidados. Como assim, não haviam contratado o serviço local de Bufet para a festa, como seria o certo? Mas nada havia sido providenciado nesse sentido para oferecer aos convidados. “As magrelas que paguem a hospedagem com trabalho, não fiquem mal acostumadas, pensam que somos ricos”, palavras segredadas pelo pai da noiva para a mulher. Resultado foi que faltou o que oferecer aos convidados, não houve tempo de dar conta de tudo. Na despedida outra surpresa, a sogra abusada do filho falou para a mãe dele: “Agora o casal vai precisar de nossa ajuda financeira.” Resposta à altura:  “Nunca pensei em receber ajuda do meu filho, e penso que o casal, que ora se forma, deve cuidar de si, não contem comigo nesse sentido, tenho ainda três  filhos para terminar de criar.” O noivo nas nuvens... Mas não ia demorar a cair na real.

A mãe de Maria, funcionária pública, sempre ia passar as férias com a filha no Rio, ou onde estivesse morando o casal, que andou muito por esse Brasil. Dia de passeio pelo comércio no centro da cidade, acompanhada pelo seu querido tio Joaquim, senhor de idade avançada, mas andejo que só ele. Quando chegou da rua  não demorou a passar mal, o calor de fevereiro estava nas alturas dos 40º. Foi chamado o médico indicado pela vizinha, que ao examinar a paciente, informou haver algo errado, que fosse ao seu consultório para um exame mais minucioso. Assim foi feito, sendo coletado pelo médico o material para exame de biopse. A palavra “biopse” caiu como uma bomba nos ouvidos  daquela senhora na menopausa, que se disse possuidora de uma vida longa, desde que não soubesse que tinha câncer, uma doença incurável na época, “pena de morte”, acusou. A filha foi deixar o material no laboratório, sendo avisada que o resultado só sairia em  quinze dias. Uma eternidade para   Maria, que comunicou aos parentes e amigos cariocas sobre o estado da mãe, que não mais deu uma palavra e sentou-se em frente à janela, em perigo. Desde então não parou de chegar visitas, e quando se achou que houvesse passado o susto, a mãe pensou em se jogar diante do ônibus, mas, emfim, estava ali contando sua história de superação. Também não havia câncer algum na mãe de Maria... e nunca houve alegria maior para mãe e filha como aquela notícia tão alvissareira. Foram 105 anos de vida lúcida, ainda que com o mesmo temor da morte, que tristemente também chegou para ela. SAUDADE!

 

 


terça-feira, 24 de janeiro de 2023

 



 

 

 

                                       VIA LACTEA







 

“Dentro do quark (partícula subnuclear que habita os nêutrons e prótons) existe um filamento de energia, que vibra como cordas de um violino,  com diferentes padrões de vibrações, que determina a natureza  de diferentes tipos de  subpartículas.” Teoria que o cientista Brian Greene, esplana no livro O Universo Elegante, entre muitas outras teorias científicas, que podem ser acatadas, ou sofrem alguma contestação.

Bilhões de astros vagueiam na imensidão do universo, uma imensidão sem fim de estrelas e planetas, e outros astros, ordenados em galáxias. Na Via Láctea uma ordenação de planetas orbitam em torno de um magnífico astro rei, o sol. É onde está nosso planeta Terra, de constituição única, que possibilitou a vida, sua evolução, e que entre os animais surgisse um ser dotado de razão. Há milhões de anos o homem a tudo observa e estuda, sendo também um criador, à semelhança do Criador supremo. O milagre da existência dos seres humanos, detentores da consciência de si e do mundo que o cerca.

E onde está Maria neste fabuloso planeta Terra? Ela responde que  vive muito bem, obrigada, e mesmo que lhe pesem os anos, tem saúde e boa memória. No seu reino de 247m2 de área construída, em Brasília, alterna-se nas atividades amadoras de cozinhar e escrever, vocações tardias, prazer de ser útil, através da  comida que faz e coloca na mesa para o deleite da família. E tem o blog, onde posta seus textos. Recorda que o espaço mais importante da casa no passado era a sala de visitas, mas nos dias de hoje é a sala da TV. Também o computador tem seu lugar garantido, dois aparelhos no lar de Maria, ambos na biblioteca, para ela e o marido comunicarem-se com o mundo, sem precisar sair lá fora. Certo é o idoso não deve desistir de viver intensamente, mas redobrar os interesses, mesmo que questione algumas coisas neste  mundo de hoje, mais misterioso e de maior gravidade que antes.

Certo que não dá para escutarmos a sinfonia que o universo produz. Elegante e misterioso universo, sim, que extasia o poeta: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / Perdeste o censo! / E eu vos direi, no entanto, /Que, para ouvi-las, muita vez para ouvi-las, desperto / E abro a janela, pálido de espanto.../ Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir  e de entender estrelas.”

O magnífico manancial de vida que são as estrelas do poeta, que certamente representam a bondade, a paciência, a esperança, o amor. Bens que afastam a  raiva, inveja, o ciúme, a cobiça, e por aí vai.  

Louvado seja Deus!

 


terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Aquela casa simples Roberto Carlos HD

 



 

 

 

                                  O TREM E ALGO DA  HISTÓRIA

 

 

Trem antigo de 130 anos

 

A primeira viagem de trem ninguém esquece, Maria lembra quando aos cinco anos viajou numa daquelas antigas locomotivas movidas a vapor (queima do carvão), as fagulhas da brasa entrando pelas janelas, o que assustavam as crianças. Susto maior foi escutar o apito da partida do trem na estação de Caxias, e ver a madrinha ao longe, pensar que ela não ia chegar a tempo de seguir viagem com a família de mudança para S. Luís. O trem era o meio de transporte na época, hoje só resta aos brasileiros lastimar a ausência dos trilhos cortando o país, como acontecia no passado. Mesmo desconfortáveis e deficitários os trens de passageiro no Brasil daquela época davam conta do recado.

Como todo o mundo o governo brasileiro providenciou sua expansão ferroviária visando à integração do território nacional através desse meio de transporte. Desde 1870 que as ferrovias tornaram-se responsáveis pelo escoamento da produção agrícola do interior, o café produzido em grande escala indo em direção aos portos. Em 1957 foi criada a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) que durante o regime militar sofreu grande abalo orçamentário. O modal rodoviário mostrou-se  mais eficiente à época. Com o crescimento econômico a inserção do Brasil no mercado internacional,  a alternativa mais racional era o transporte rodoviário de enorme potencialidade. 50 anos depois de sua criação foi extinta a RFFSA e todas as linhas de passageiros. Em 1997 o Governo Federal outorgou à Companhia Vale do Rio Doce a concessão da Estrada de Ferro  Vitória à Minas Gerais e a Estrada de Ferro Carajás, que permanece até hoje em suas mãos. Hoje existe um sistema de trilhos em menos da metade das unidades federativas do Brasil. Ínfimo o sistema brasileiro de trens e metrôs urbanos.

Ah, os trens de antanho! Maria também não esquece quando aos dezessete anos fez uma viagem de trem, coisa do destino. Era hóspede de uma família de três, e houve aquele passeio ao interior, mãe e filha morando na capital, mas passavam os fins de semana no interior onde o pai tinha um comércio. Desde 1922 a “atração elétrica” havia sido substituída pela “atração a vapor” e na estação, quando chega a hora de comprar as passagens Maria apressa-se em pegar o dinheiro, abre sua elegante bolsa de palhinha, última moda, presente da tia que gostava de dizer que era uma pobre “besta”. E cadê a carteira de lesar que a prima fez questão de lhe emprestar, onde a avó havia colocado parte dos seus ganhos como doceira, para a neta não parecer uma pobre desvalida? Olha para a moça ao lado e a mãe dela, que não lhe dão oportunidade de falar nada, apenas viraram a cara para o outro lado. Será que pensaram que ela estava mentindo sobre o dinheiro? Ou que ela seria uma pobre coitada se passando por rica, e o dinheiro talvez fosse do irmão que acaba de entrar para o BB, e não teria nenhum direito sobre ele, devia aprender isso. Maria ficou assustada com o fato, e ainda ter passar aqueles dia na dependência financeira daquelas pessoas que mal conhecia, até para comprar um picolé Kibom. No outro dia o pai da noiva  colocou um maço de cédulas velhas sobre o móvel da sala, bem à vista. Até hoje Maria indaga a si mesma se aquele dinheiro foi colocado ali para ela tirar o respectivo valor e se pagar. Conclui então que teria sido roubada maldosamente por uma daquelas duas, ou por ambas, em conluio, pois a bolsa estava fechada, quando na estação abriu para pegar o dinheiro da passagem, e não havia ainda os batedores de carteira de hoje. Viagem complicada!

Há décadas que os trens de passageiros deixaram de circular pelo território nacional, uma pena. Na Europa maravilhosos trens fazem parte do cotidiano das pessoas, que viajam confortavelmente pelo continente. E que maravilha viajar em um desses modernos comboios, como são chamados os trens de Portugal. Pessoas, como Maria, que aos setenta e mais anos faz suas viagens de turismo, e acha que o transporte nos trens europeus é o melhor dos passeios.

 


sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

 



                                                            ELEGÂNCIA

 



Maria detecta em sua gênese familiar um elegante histórico. Gerações de memorável bom gosto no vestir e se comportar, que gozavam de respeitabilidade pela  elegância no trato pessoal e na atenção ao social. Nos novos tempos, ao desprezarem os valores familiares, as pessoas passaram a se sentir um quase nada, e optaram pela transgressão. Um pertencimento aleatório passou a dizer tudo sobre fulano, e menos sobre quem ele é de verdade. A distinção pessoal sendo medida pelas roupas, viagens e tudo mais consumido e exposto para inflar o ego. O tal consumismo, e os moços “estilozos” em exposições ambulantes de mau gosto.  Uma apoteose sugando o viver.

Certo que no passado havia excesso de restrições, a mulher vivenciando um estado absurdo de opressão, cujo maior sonho era ganhar liberdade de ser e agir.  Não dava para continuar sentindo vergonha dos seus anseios, inclusive, sexuais. Daí que surgiu a pílula anticoncepcional, para dar início à revolução nos costumes. A princípio condenada, por limitar a natalidade, que estava no auge. Pairou no ar o medo de faltar gente para trabalhar e pagar os aposentados. Ainda no início do processo libertário, o cantor Tom Zé cantava para as mulheres um refrão: “Parem de tomar a pílula.”

As grandes transformações que ocorriam não davam impressão de que progredíamos. Aflição geral. O conhecimento se dilatava no tempo e no espaço, com o inacreditável pouso na lua, enquanto minguava a consciência do homem sobre si mesmo. “Nada será como antes” diziam aos quatro ventos. Lulu Santos escancarando: “Nada do que for será do jeito que já foi um dia...” Quedamos irreconhecíveis diante de nossos próprios olhos, a tatear no escuro.

Como todos sabem o homem é um animal político, e o mundo polarizou-se  numa direita conservadora e uma esquerda mais para destruidora que qualquer outra coisa. Os brasileiros por mais de uma década com a triste experiência de uma deselegante e enganadora mentalidade esquerdista. Eis que foi substituída por uma direita atípica, também sem elegância, isso por pouco tempo, acaba de sair de cena. E em retrocesso é como se encontra a política brasileira no momento.

Resta a saudade de um tempo em que era óbvio o certo e o errado, normalíssimo que as pessoas prezavam a elegância, que significa respeito aos valores universais. Estudo, trabalho, amor à vida, dando medida às realizações. Que bom se avançássemos no tempo sem perder a dignidade, sem abandonar a compostura.