terça-feira, 30 de março de 2021

 

                                 SANTA MAGIA

 


 

 

Hoje no Facebook postaram as cenas do filme dos irmãos Lumière, feito para o público, A Chegada do Trem na Estação. O autor da postagem na afirmação de ter sido aquele “um tempo feliz para quem o vivenciou”. 

Volto no tempo, e lembro de uma viagem que fiz nos meus seis a sete anos, a família vindo de Caxias para a capital maranhense. As janelas abertas do trem e as pessoas lá dentro fugindo das fagulhas resultante da queima do carvão para produzir a energia que impulsionava a locomotiva. 

Não havia estação nas pequenas localidades, e numa dessas paradas no meio do nada a madrinha desce para comprar algo nos ambulantes, ou simplesmente esticar  as pernas. Alguns minutos depois escuta-se pela segunda vez o apito para a partida e nada da passageira, que já havia desaparecido de nossas vistas. Quando então meu irmão e eu, os mais velhos da trupe de cinco, começamos a gritar assustados, como medo de o trem partir sem nosso anjo da guarda. 

Lá longe, sem escutar nada, lá se vinha nosso anjo da guarda, caminhando calmamente, possível que fosse sua intenção evitar que levantasse a poeira do chão batido. Gritávamos desesperados:

- Anda mais depressa, Dindinha! Mais depressa!

Penso na esperança que de uma experiência marcante do passado se aprenda a apelar aos sentimentos para transformá-la em algo maior. E se possa até mesmo curar certas dores desse mesmo passado, nem tão feliz como se apregoa. Santa magia!

 

 

sexta-feira, 26 de março de 2021

♥ Engelbert Humperdinck - Love Me With All Your Heart ♡

 

 

                        UM MILAGRE ACONTECEU...

 

 



 

Ele tergiversava  sobre  “o dia anterior”, que antecedeu a tudo que viria depois. Pouco enxergava após um acidente, a falta de visão que avançava, num quase cegueira, não apenas dos olhos. Examinava o passado através do  microscópio do ressentimento, revia a trajetória  realizada para chegar até onde chegou, sem valorizar nada.

Poucos conseguem realizar o que  ele realizou, mas ele sempre com a dúvida se teria sido feito o melhor para si. Ele próprio não lidava muito bem com a incerteza, a inspiração ligeiramente convulsionada pela dúvida. E sob o poder de uma conturbada imaginação deixou-se levar. O que era simples cogitações tornou-se compulsão, sem que ele pudesse encarar a vida de frente.  

Até que um dia, acordou mais cedo, esfregou os olhos e viu o sol despontar no horizonte. Era como se o mundo nascesse para ele, via tudo mais claramente. Na noite anterior tivera um sonho “deslumbrante”,  palavra que ficou em sua cabeça ao acordar. E naquele momento  se deu conta de um fato: era um amado hoje, como ontem, sempre.

A pressão do amor foi mais forte que tudo. O amor que exige um passado que redima o presente e o futuro. Quem pode dizer sobre aquele dia anterior, antes da tal explosão que deu origem ao universo e sua galáxias, essa extraordinária ordenação de planetas e estrelas girando sem parar, o buraco negro, e sabe-se mais o que? A terra com sua exuberante natureza e seus inteligentes habitantes. No topo do processo criativo surgem com seu deus os racionais seres humanos.

Um milagre aconteceu... 

              

 

quinta-feira, 18 de março de 2021

La Mer (Beyond the Sea) – Avalon Jazz Band

                                

                                        O QUE SERÁ DE MIM!

 


 

GERAÇÃO MILLENNIAL

 

 “Para que esperar algo vir a ser, quando a pessoa já é na sua intuitiva integridade?” Palavras provocadoras de Inácia para as freiras do Santa Marcelina, e já havia declamado na sala de aula um poema de Vargas Llosa, seguido de outro da sua autoria, nele inspirado.  Só mais tarde essa aluna começou a dedicar-se mais aos estudos. Escrever e fazer poesia era um prazer para a jovem nos seus 15 anos, em vez de estar em preparos para a festa de debutante, ao lado de algumas meninas do seu convívio, inclusive uma prima. 

Inácia lia sem parar, e o que mais gostava de ler era poesia, para depois ficar remoendo aquelas palavras, criando devaneios poéticos. O tesouro da sua imaginação cultivado em seu caderno de pauta, que  escondia dos olhares, assim como o diário da moça extremada, opinião da tia que ajudava a mãe na sua educação. Uma jovem com seus medos e dúvidas, só um pouco diferente da maioria. Chegou a fazer planos de pular a janela em busca das aventuras, necessárias para viver e escrever, o que ela achava. 

Difícil ser outra pessoa, e dizia. “O que será de mim se deixar de ser quem eu sou?” E não demorou a escreve textos feministas,  de contestação. Sabia que seu castigo era sofrer da eterna culpa. Mas não estava preparada para a incompreensão da irmã da sua mãe, que argumentava.

— Inventar coisas é muito grave, de onde você tirou tudo isso?

— Da minha cabeça. Foi a fria resposta.

 Na faculdade ficou ainda mais combativa. Mesmo que sentisse arrepios diante daqueles ameaçadores olhos, encimados por fartas sobrancelhas, como uma aranha caranguejeira na pele morena do professor de geografia, que implicava com a aluna rebelde. As incompreensões não abalavam aquela jovem cheia de garra, ou simplesmente uma estudante na tentativa de viver mais intensamente. Até tornar-se contestadora militante.

A vida podia mudar para melhor com seus esforços, mas de repente deu foi uma cambalhota, coisa de palhaço no circo. E se Inácia não tinha medo dos palhaços, era porque eles atuavam em seu devido lugar. Mas não achou graça naquela repressão, que se dizia revolução, e não tinha graça alguma.

 ....E foi assim que outras garras entraram em ação, prontas para arrancaram as farpas dos gritos contestadores. A coisa era séria. Grave, como diante de um túmulo, e eram tantos, Inácia parou para refletir. E chegou à conclusão que toda palavra, toda ação, por melhor das intenções, tem seu lado sombrio. 

Um passado que se fez aprendizado, e se tornou legado.

Hoje  uma pandemia assola o mundo, que  se pode louvar por estar unido em busca de vacinas contra o mal, que ataca indiscriminadamente a todos E o quanto seria bom, finda essa travessia, que não haja mais dissídios, pois nos tornamos mais compassivos, mais generosos, mais respeitosos, e muito mais comprometidos uns com os outros. Assim seja! Amém! 

 

 

sexta-feira, 12 de março de 2021

BOLEROS INOLVIDABLES. Roberto Bravo e invitados

 

 

                                                                    NONADA

 


 

“— Nonada”. Fala que dá início ao romance Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa. A estranha palavra poderia ser da lavra do escritor, mas trata-se da linguagem falada no Brasil “a fora a dentro”.  Em princípio, significar mentira, coisa sem importância, mas pode dizer muito mais.

As narrativas do sertanejo, plenas de imaginação e mistério, que o autor colhe em suas andanças pelo interior do seu país, e com elas faz literatura da melhor qualidade. Isso lá no onde “o Diabo pede passagem”, ou quer se abancar. Cruz em credo!

Verificável a sabedoria do sertanejo que quase nada sabe, mas de tudo suspeita. E na crença de que “quem muito se evita, se convive”, não tem medo. Não tem “falso receio”, conquanto saiba que há coisas das quais se deve fugir. E se não for por conhecimento de causa, que seja por séria suspeição, ou o que “revela efeito”.

A superstição, contrária “à puridade” da crença, de acordo com os Evangelhos, como explica o autor. E entenda-se de uma vez, o perigo que há para ”quem por si mesmo, por curiosidade, se entrete”. E saibam todos que há coisas que brotam dos “avessos do homem”. E não se deve brincar.

Do demo a imaginação? Nonada se for... Há coisas que afloram na mente, e quer tomar conta de tudo quanto é alma de cada um. “E por si só, ninguém se solte nesses desencalços da vida, há que ter a proteção de Deus.”