sábado, 30 de março de 2019





                     NO REGAÇO DO SENHOR




Tempos atrás li um depoimento de Raquel de Queiroz sobre seu irmão mais velho, depoimento que nunca esqueci, de uma pessoa marcante na vida da família, a quem todos recorriam em busca de orientação e uma palavra amiga. Naquele tempo de famílias numerosas os irmãos mais velhos olhavam pelos mais novos. As pessoas de um modo geral assumiam seu papel familiar e social, sem dificuldade. Hoje ficou fora de moda, como tudo o mais de bom que existia.

Firme em seus propósitos, esse era meu irmão João Muniz, e sua irmã aqui quando bem jovem e muito esperta, aproveitava o saber do irmão mais velho, sua paciência, tudo de bom que ele encarnava. O verbo está no passado, pois choro agora sua perda. Mesmo que ultimamente tivesse pouco contato com meu irmão, mas sabia que ele estava em sua casa, vivendo sua vida em paz, com a família. Sua longa enfermidade, e agora quedo em total desconsolo com essa perda irreparável. 

           O irmão mais velho foi encontrar-se com o mais novo, que também nos deixou dois anos atrás. Tão suaves e tão dignos que eles eram! É uma bênção ter irmãos assim. Por tanto tempo, e de um jeito especial ter convivido com pessoas tão especiais, numa relação fraterna, a melhor que existe. E do jeito que são suas almas, amando, amar, como só ele, Deus os acolheu em seu regaço. Amém! 

MEUS SENTIMENTOS PRA TODA A FAMÍLIA!   


quarta-feira, 27 de março de 2019









                                    SOU FILHA ÚNICA
           






            Tiveram o primeiro filho, outro veio logo a seguir, e só alguns anos depois, chegou o caçula da família Silva. Três homens, sem uma única filha, mesmo assim, por deliberação própria, encerrava aquela mãe seu tempo de dar luz. Poucos nascimentos para uma sociedade que exigia o maior número de filhos. O casal, em especial o pai, sentiu-se em dívida para com a sociedade, combinaram que iam criar duas filhas abandonadas pelos pais, sem condição financeira, ou imaturidade. Adolescentes engravidavam e davam os filhos para adoção.

          Adotaram uma filha, depois mais outra. Cinco filhos bastava, o dinheiro não era muito e quanto maior a família mais precisava de recursos. Os pais não estavam pensando em viajar, nem amealhar mais e mais riqueza, o foco era nos filhos, a maior riqueza, o que se dizia na época. Estavam certos? Pode ser que sim, ou talvez não. De saída entender que para ser feliz depende única e exclusivamente da própria pessoa. Os filhos são criados para o mundo, eles se vão um dia, podem até estar por perto, e os pais achar que aquelas são suas crianças, ou seus aqueles jovens, o que não o são, eles têm a sua própria vida, e é bom que seja assim.

         Nada melhor que filhos realizados e independentes, muito embora estejam ao lado da família para o que der e vier. A filha mais velha casou e foi morar em outra cidade, depois o casal mudou-se para outro país. Uma certa tarde, sentada no banco do parque em frente a sua casa Maria sentiu um estranhamento. Pensou: Sou filha única, e pior, sem pais. Uma sensação de abandono, também de liberdade. Naquela terra estrangeira viu a si mesma e tudo como se fosse pela primeira vez, e era assim mesmo. Daí para frente foi de muita luta, mas de boas e definitivas conquistas, e o orgulho por tudo que enfrentou e construiu junto com seu companheiro de toda a vida. Mas ela costuma dizer que não é parâmetro para ninguém se medir, nem tampouco serve de exemplo para quem quer que seja.   

terça-feira, 26 de março de 2019





CONTO
                   

                            TEMPO, TEMPO, TEMPO!



       

É preciso falar de amor, da felicidade que proporciona, desses amores que fazem o coração transbordar de alegria, que enche a alma de satisfação. Há cobranças nesse sentindo, assunto que Edelvais  estava tendo a ideia de abordar em seu próximo texto, foi então que pensou na sobrinha Clotilde, universitária de psicologia, que chegou logo a seguir, atraída pela força do pensamento da tia. Apreciavam trocar ideias uma com a outra. Nesse dia o diálogo foi o que segue:
       
— Tia Edelvais, como a senhora costuma fazer, estive pensando na sedutora Eva que se deixou levar pela conversa da serpente e levou Adão à desobediência, o casal acabando expulso do Paraíso. Virgem Maria, a nova Eva, recebeu de José compreensão para seu estado de gravidez. Situações que se equiparam, não é mesmo tia? Dizem respeito ao exercício do amor e também da fé mística. E eis que a modernidade faz surgir uma nova mulher, na realidade, anterior às crenças, fera na tocaia para avançar na presa.
      
Era a deixa para uma troca de ideias, que a tia não se fez de rogada:
     
— Um segredo, o amor vem de Deus e Ele nos fala: “Estou aqui”. Tudo no universo diz algo, e ainda mais, fala de amor. A vida é amor. Movimentos e encantamentos da natureza para serem depurados com o amor pelo ser humano. Ora é dia, ora é noite, e tem a chuva que cai para molhar o chão ressecado e refresca a tarde quente. Tem as nuvens no céu azul anil e tem o sol em seu esplendor de luz até que se ponha, dando lugar ao espetáculo das estrelas, e por aí vai. 
      
— Sim, tia Edelvais, se estamos aqui temos que aproveitar, mesmo sem entender as razões, e tudo que existe tem uma razão de ser, não é diferente do amor que sentimos. Como disse o sábio Pascal e virou lema, o coração tem razões que a própria razão desconhece. O amor move o mundo, também o ódio, que é seu oposto. A natureza parece indiferente, ou condescendente, ao ser racional envolvendo esse pródigo planeta, de nome Terra, que usa e abusa da hospitalidade. Mas pode acontecer uma radical reação aos abusos.
      
— Clotilde, é como se tivéssemos um rico armazém abarrotado de produtos para serem por nós consumidos, a todo momento sendo o estoque reposto, para manter o nível ideal, e nunca nos faltar nada. Mas que não falte amor nos corações humanos, às vezes tão desumano. Nunca se esgote o amor, a fé. Seja eterno o nosso tempo, tempo, tempo de amar. Até mesmo se estique o tempo, que sempre dá tempo de ser feliz.  
       
A tia Edelvais tinha acabado de falar, quando a sobrinha recebeu um telefonema do marido avisando que ia sair mais cedo do trabalho e vinha apanhá-la para pegarem um “cineminha”. Era um filme de amor como ela gostava, só que ele não lembrava o nome. Clotilde resolveu aproveitar para dar um aviso carinhoso àquele homem especial:
      
— Querido, não percamos tempo!


sábado, 23 de março de 2019





                        DA EVOLUÇÃO  




Os cientistas buscam o elo perdido da evolução, se for encontrado pode desvendar o segredo da ancestralidade humana, ou seja, saberemos como evoluímos de animal para ser humano, racional, emocional, espiritual. Diferente dos outros animais, o homem interage adequadamente, ou não, com a natureza e com os demais viventes. Em  relações afetivas, e, o que é melhor, em alianças duradouras, homens e mulheres se unem com vistas à procriação, à uma vida em comum. Daí surgem as famílias e organizam-se as sociedades, na comunhão de ideais e interesses. 

Alianças são feitas por interesse os mais diversos, e tem os laços afetivos que, simplesmente, acontecem entre pessoas que se admiram, se curtemO homem civilizado não raro faz e rompe seus laços com facilidade incrível. Evoluir significa preservar a vida e respeitar as alianças. No mundo das redes sociais, das "amizades" na internet, as pessoas, ou suas figuras na tela do computador, surgem sem pedir licença e somem sem se despedirem. Sofisticação de uma necessidade primal da relação entre os viventes, mas que sejam níveis que se possa tolerar. Há vigias de plantão no computador, até 24 horas do dia. As intenções nem sempre boas, essa a verdade.  

              Os afetos são elos da nossa evolução, sendo de importância capital não perder, nem deixar que se partam os laços afetivos, que nos fazem evoluir. Conservar os laços, não deixar que se percam os afetos, faz parte da sobrevivência de uma espécie rara, e que mereça o nome de humana. Canta Tim Maia, com aquele seu vozeirão: Me dê motivo para ir embora. É o lamento de quem está prestes a romper com um amor, no caso perder um elo da própria evolução.  Elo perdido, elo procurado, sob pena de se penar no deserto, sem água (ou sem amor), que é a fonte da vida.  Dê motivos para o amor ficar!


quinta-feira, 21 de março de 2019






                 AOS MEUS PAIS






Recordo meu pai e minha mãe com carinho e nenhuma mágoa, não poderia ser diferente. De nome José, meu pai ganhou, de saída, um especial protetor, São José, esposo de Maria e pai de Jesus, meio caminho para a vida dar certo, ainda que não tenha sido fácil. Era um bem apessoado rapaz de olhos azuis, disso meu pai não tendo consciência, mas o que não passou despercebido por minha mãe. O mais importante de tudo é que meu pai era uma pessoa que sabia ser impor,   visto com simpatia pelos familiares e amigos. Nunca roubou, matou, nem foi malandro, jamais acusado por abuso sexual, como acontecia sem ser crime.

Olhando para trás acredito que meu pai teve um histórico de frustrações, assim como quase todos os jovens da época, quando os pais não davam “moleza” aos filhos. Nascido numa família interiorana abastada, era o mais velho de dez irmãos. Sem grandes estudos muito cedo teve que ganhar o próprio sustento, não com um emprego público, ou exercendo profissão conceituada, médico, por exemplo, mas atrás do balcão, e atividades afins no comércio. Pouco, ou nada paradisíaca a vida dentro do lar, e aos expulsos do paraíso mais dureza aguarda a vida fora. O coração duro do meu pai sem incomodar muito a família.  

Sair do interior para estudar, ou batalhar na cidade pelo pão de cada dia era comum a muitos jovens, pior hoje sem trabalho garantido, e ainda faltando o consolo da fé. Sendo meu pai o mais velho teve a incumbência de encaminhar os irmãos no comércio, o que fez sem grande sucesso. Mas todos livres da pobreza, endêmica em terras maranhenses. A maior sorte de meu pai acho que foi casar com a pessoa certa. Sorte do marido, e azar da mulher, o que podem dizer, mas não é verdade. Minha mãe também teve sorte de casar por amor e gerar bons filhos. Um casal vitorioso com a família, vencidas com galhardia todas as dores que a vida lhe reservou, juntos por mais de sessenta anos. Parabéns, meu pai, parabéns, minha mãe!

Igreja de São José de Ribamar - S. Luís Ma 

terça-feira, 19 de março de 2019


CONTO



                                         EM DOSE DUPLA


LAGO PARANOÁ - BRASÍLIA




              De idades aproximadas, as duas filhas de Sr. Isaque e dona Marieta também são muito parecidas fisicamente. Mas no quesito temperamento parece o oposto uma da outra, o que não são. Costumam compará-las: Maria, por ser calma, um lagoa, e Dalva, por estar em constante movimento, uma pororoca.  

                Mesmo gostando de ser como são, as duas irmãs sentem uma ponta de inveja uma da outra, naturalmente pelo que lhes falta. Ponto importante a destacar, a "lagoa" não é tão pacífica, nem a pororoca uma agitadora. Não raro se via a tranquila Maria virar uma guerreira, e a impulsiva Dalva ser a pomba da paz. Intuitivamente realizam uma espécie de compensação

             "Compartilhassem o que tinham entre si, e seriam menos radicais", comentou a madrinha das filhas dos compadres Isaque e comadre Marieta. Olga estava na casa da irmã e aproveitou para falar da vontade que tinha de dizer para a afilhada Dalva o quanto é bom dar tempo ao tempo, esperar, e nada melhor que deixar fluir a vida, pois muita pressa e agitação pode resultar em depressão. A carapuça caiu na cabeça da menina ao lado, que escutava a conversa da tia com a mãe. Berta confirmou para a irmã Olga:   

               - O que dizes é pura verdade, acho que dar tempo ao tempo ajuda as coisas se arrumarem, como deve ser.

              A madrinha de Dalva continuou a falar, que tinha vontade de dizer para a outra afilhada, Maria, que ela interagisse melhor, fosse mais participativa, e que nunca perdesse a oportunidade de fazer o que fosse preciso para seu benefício, sem descuidar de prestar ajuda a quem precisasse. 

               - Penso como você, Olga, o quanto é importante saber deliberar sobre a própria vida e não deixar que os outros levem a pessoa para lá e para cá como carneirinhos. Aqui a nosso lado minha neta, Sônia, mesmo que ainda não tenha chegado à idade da razão, deve começar a  se conscientizar.    

          - Para findar, pois tenho que ir ao oculista, ainda quero dizer que o mais importante de tudo é cada um seja felizes. Vou ter oportunidade de falar com minhas afilhadas o que acabo falar aqui.

segunda-feira, 18 de março de 2019






                       MEUS  QUERIDOS




Agora mesmo estou pensando em vocês, jovens, alegres descontraídos, para quem a vida é uma festa, também quedo a pensar nos sombrios, com aquele ar triste e enigmático. Modos atuais de ser ou parecer. Do que serve pensar em odiar Deus e todo mundo? Ou amar desbragadamente. Tristezas não pagam dívidas, assim como prazeres em excesso fazem ruga. Sabe o que mais acontece? Perda de tempo e de vida. Amargas ou doces, bem lá no fundo de suas jovens almas vocês são simplesmente jovens que têm de aprender a viver, o que não é fácil. 

Em primeiro lugar cuidar bem de si, da saúde. Depois dar a maior atenção aos afetos, mãe, pai, avós, amigos, o namorado, ou namorada. Cuidar da imagem, que não é apenas o visual, mas comportamental. Nada de preocupação em agradar os outros. Valorizar as pessoas, melhor ainda, valorizar-se. Bom ignorar os problemas, na maioria imaginários, e tem aqueles que não nos dizem respeito. O desamor, a maldade, tudo de ruim que existe, não deixem que façam de vocês gato e sapato.

Almejar o pódio é bom, melhor ainda chegar lá. Mas nunca contraiam uma dívida que não podem pagar. Sabe o que faz bem? Elaborar planos, até mesmo um plano de fuga, que às vezes temos que fugir, e para bem longe. Mas não sejam covardes, leiam livros bons, de ficção e também textos instrutivos, que não sejam calhamaços. Moços vaidosos, nada de excessos! Descuidados, caprichem um pouco mais na aparência!

Dores de inveja, ciúme, podem atrapalhar a via de acesso ao prazer de viver, prejudicam o corpo e a alma. Que tal ver as coisas com outros olhos? Os amigos que falharam, por exemplo, alguns merecem uma segunda chance. E não deem a mínima oportunidade para os inimigos de carteirinha. Mas não tenham medo, enfrentem com galhardia uma inimizade gratuita. O luxo que é amar e ser amado, não desperdicem essa chance. E o lixo que é odiar seja quem for. A sofisticação que é amar ao próximo como a si mesmo.  

Não façam drama, encarem os problemas de frente para solucioná-los,  não deixem  que temores infundados tomem conta dos seus dias. Desprezem o mau conselheiro, e do bom conselho saibam tirar o proveito. Cada minuto é precioso, não percam tempo com dissabores, e saboreiem cada segundo da vida. Há cheiros e sabores, que valem a pena experimentar, mas nunca se embriaguem, nem com os melhores vinhos. A sobriedade seja seu ponto forte, e não tenham medo de ser feliz. Saibam que o melhor prazer fora de casa não se compara com estar ao lado das pessoas que amamos no recesso do lar. 

             Disse o papa Francisco: Jovens, trabalhem por um mundo melhor!



sábado, 16 de março de 2019






         
                          TESOURO




RUA DO SOL - S. LUÍS - MA




A cidade de S. Luís é tombada como patrimônio da humanidade, hoje com o moderno Porto de Itaqui, construído para a exportação de ferro e alumínio, situado há poucos minutos do centro histórico. Os minérios extraídos da terra promovem emprego, mas, em especial, enriquecem grandes empresas.  Pessoas de fora são chamadas pela firma extratora para calcular as rochas, prepará-las pra a explosão, e também contensão dos perigosos rejeitos minerais. Não poucos trabalhadores fixam residência na capital, o caso do casal de engenheiros, que estavam de folga e foram visitar o centro histórico. Uma casa entre tantas outras em ruína chamou-lhes atenção, trataram de adquirir o imóvel por uma bagatela. Por fora a destruição era menor devido os azulejos, mas por dentro um total descalabro, o piso deteriorado, as paredes rachadas, teto para cair. Seus novos donos logo trataram de contratar mão de obra especializada para a restauração de tudo aquilo. Na primeira fase era colocar novos encanamentos e refazer o telhado.

             Na fase de restauração propriamente dita, os operários especializados começaram por remover as camadas e mais camadas de tintas. Alguns dias de raspagem e surge um verdadeiro tesouro, belos afrescos. Tesouro maior que o ferro enterrado perto de rios e mananciais, até em área de preservação ambiental, que a ambição humana cava sem parar as comunidades desconfiadas daquilo tudo, desde a tragédias de Mariana e Brumadinho. Na bela capital maranhense não é diferente, quem está por perto da exploração sente medo. Mas a vida segue adiante, e os prédios tombados do centro aguardam quem tenha dó deles. Uma feliz casa da rua do Sol teve a sorte de poder revelar raras pinturas, de Adão e Eva no Paraíso e outras representações bíblicas, de antiga tradição, que donos anteriores e moradores ocasionais, simplesmente haviam passado tinta por cima. Uma primeira mão de tinta, e outra, e mais outra, fez as belas figuras ficarem ocultas por tanto tempo. Sob camadas de verniz havia desaparecido um passado importante, por suas conquistas e sua fé. Riquezas encobertas pela poeira do tempo, escondidas pela ignorância, mas que acabou revelada para que todos possam ver e admirar. 

               A obra restaurada fala por si, é só ir até lá verificar.   

quinta-feira, 14 de março de 2019





                        MELHOR IDADE

               
TURISTAS IDOSOS NOS JARDINS DE GIVERNY - FRANÇA
  

        No  mundo atual há tanta novidade produzida pela engenhosidade humana, que avança, como nunca se imaginou tempos atrás. Tem o  computador, o projetor de cinema,  a televisão e, por fim, os aparelhos eletrônicos, que produzem sons na maior altura, ensurdecedores.  Tudo o mais que existe para encantar a vida do homem contemporâneo, mas que pode fazê-lo penar na ansiedade, por querer mais e mais benesses. Artefatos surgem como que do nada para criar sonhos, e  também promover pesadelos, essa a verdade. Enquanto nós, os antigos, somos criticados quando dizemos que no passado as coisas eram diferentes, os desejos eram regrados, e os sonhos sempre belos, com possibilidade de se concretizarem. Não tem, por exemplo, como comparar o pintor de Giverny, Claude Monet, com esses que expõem cenas degradantes nos museus, e se dizem artistas da vanguarda, é de chorar. Na velhice, como em qualquer idade, temos que caprichar na arte de viver, ou levamos a maior surra da vida. 

                  Os mais velhos não mais precisam, ou querem, fazer coisas para se mostrar, nem pensam mais ser elogiados por isso ou aquilo. Mas por amor à vida, e da felicidade nunca desanimarem, podem gozar uma vida plena, mesmo com certas limitações. Na verdade todas as idades têm suas limitações: na infância é a incapacidade de se deliberar; na mocidade são as obrigações do trabalho para ganhar o pão de cada dia, acrescidas do esforço físico, mental e emocional para criar  os  filhos, bênçãos em nossas vidas. Mesmo aos oitenta, noventa ainda são bons tempo para expor o saber, toda poesia acumulada. Melhor idade, não é mesmo?
                 
                Depois dos sessenta e pela vida afora, ainda há fartura de ideias e de desejos por realizar, mesmo na idade avançada. Se não se quer, nem pode mais  viajar, sentir alegria nas caminhadas pelo bairros, onde se descobre belezas antes ignoradas, por desatenção. O quanto a natureza é pródiga, é de estarrecer o sol se pondo. O que não vale é se meter na vida alheia, mas aconselhar é com Maria mesma. Falar para as pessoas da sua idade não serem glutões, e que  em tudo se reduza a quantidade e se capriche na qualidade. Escolher bem o que fazer e não deixar nada pela metade. Forçar a memória recente e tudo o que se faça, seja bem feito, como sempre foi, ou até melhor daqui para frente. Não perder oportunidades preciosas de ser e fazer as pessoas felizes. Realizar tudo que for possível e quiser realizar. 

terça-feira, 12 de março de 2019






                               ESCREVER E COZINHAR

               
A escritora Agatha Christie na cozinha



        O que é bom tem que satisfazer os sentidos e alegrar a alma, e diz respeito às escolhas que se faz. Entenda-se que não se pode tudo, e se considere o talento e a vocação que a pessoa tenha para exercer uma atividade. Por exemplo, dedicar-se a escrever, ou cozinhar, ou as duas coisas juntas, o prazer de alternar ora uma, ora outra , o meu caso. Em princípio, para a satisfação pessoal. Mas o certo é que o artista visa atingir um alvo, que é o consumidor do produto.

                 Na cozinha o desejo é que o prato do salgado seja degustado com satisfação, e o doce  atinja o ponto certo, para ser saboreado com prazer, os fregueses agradecidos. Ao escrever que o frescor das ideias seja o mais importante, o cérebro com maturação necessária para agregar valor ao produto, que vai ser consumido, seja por muita gente, ou apenas um único leitor, a própria pessoa. Não falte criatividade, e para tudo haja tempo, até mesmo que se dê tempo ao tempo. A pressa, como se sabe, é inimiga da perfeição. 

               Ao preparar um prato a intenção, em primeiro lugar, é saciar a fome de quem vai comer a iguaria,  mesmo um simples picadinho, mas que seja saboroso. Às vezes não era bem assim que a cozinheira imaginou fazer, ou a escritora quis dizer. Pior quando entendem tudo errado, cada cabeça é uma sentença. As palavras às vezes enganam. O texto foi pulicado, ou o prato já está na mesa, se o alvo não foi atingido, só resta apelar para a virtude da paciência. O freguês tem sempre razão, não pode ser diferente. 

            Há um gosto de vitória quando a intenção e o esforço empregados tem a devida correspondência ao que foi realizado, o que nem sempre acontece. Com tudo na vida. Expressar-se guarda em seu bojo um grande perigo, mexer com o gosto dos outros. Não raras vezes o escritor refaz a frase, concerta o texto, o mesmo acontece com o pintor que mistura as tintas com maestria em busca da perfeição. Criando, mas sobretudo aprendendo, é como a vida se aprimora. As dores fazem parte do aprendizado.   




domingo, 10 de março de 2019


CONTO



                                     
                                                          SE




              Era a família ideal para aquela época, cinco irmãos, com os pais em união indissolúvel, adeptos do bom convívio familiar; do lado da mãe pessoas conservadoras, tidas como intransigentes, que evitavam elogios, ou algo nesse sentido, o medo que a prole crescesse fraca de caráter, os jovens acompanhados com atenção, para que escolhessem bons caminhos. Por parte de pai os condescendentes, a se dizerem liberais, justificando que a liberdade era o ideal maior propugnado pela espécie humana.
               
              O poema Se de Rudyard Kipling estava colocado no mural da escola. Maria anotou-o numa folha de papel, e colou na parede da sala para todo mundo ver. Aí estão alguns versos:
               
                
                Se és capaz de manter a tua calma quando
               
               Todo mundo em redor já a perdeu e te culpa;
               
               Se és capaz de crer em ti quando todos duvidam,
               
               E para esses, no entanto, achar uma desculpa;
               
               Se és capaz de esperar sem desesperares...

              
               
            — Sentenças desafiadoras, pouca gente disposta a seguir o que dita o poeta inglês. 
             
             Foi a tia da parte paterna de Maria quem falou, certa tarde de reunião da família. O questionamento se era justo receber um tapa e dar a outra face, para se salvar, custe o que custar. Os brasileiros não tendo a obrigação de seguir regras tão disciplinares, ditadas por um anglo-saxão, frio por natureza. Veio a contradita materna:
             
           — O sol inclemente castiga nossa gente, que por qualquer coisa perde a cabeça, e tudo o mais que se perde, ou se ganha, por sermos quem somos.
              
            — Diferentes, sim, mas poderíamos ser melhores, ter uma boa política educacional, por exemplo, em vez de patinarmos no atraso. E acabamos nos últimos lugares nas pesquisas lá fora. Por acaso, seria melhor se habitassem apenas os índios por aqui?
             
               O mais velho da família, que parecia não estar nem de um lado nem do outro, quis dar uma aula:
              
           — Criou-se aqui um povo diferente, principalmente no quesito alegria e descontração. Aí está o ponto forte do brasileiro, ao mesmo tempo onde reside sua fraqueza. A espiritualidade dos brasileiros por conta do seu pluralismo cultural. Nosso país descoberto por um português, Pedro Alvares Cabral, cuja terra já era habitada, uma população numerosa a que deram o nome de índios, mais tarde aqui aportando os negros africanos como escravos. Para completar, hoje muitos brasileiros são adeptos do espiritismo, criado na França, que vingou aqui como em nenhum outro lugar. Mas que o espírito do nosso avozinho Portugal não nos abandone.
                 
              Alguém fugiu um pouco do assunto, para lembrar da postagem que saíra no Face:
                 
         — Há coisa boa e ruim cá, como lá. Uma piada de péssimo gosto comparar a centenária cidade de Porto em Portugal, com outra também centenária cidade brasileira de S. Luís, fundada por franceses e construída rua por rua pelos portugueses. Foi o que fez um engraçadinho em uma postagem no Face. A diferença é gritante. A principal rua da capital maranhense apinhada de gente passeando descontraída, sobre um calçamento recém-reformado, de comovente simplicidade. Enquanto em terras lusitanas, poucas pessoas passeiam bem vestidas por uma conservadíssima avenida, artisticamente calçada. Vendo de relance parece S. Luís, mas é Porto. Portugal de Camões tão perto da Inglaterra de Kipling, hoje infelizmente tão longe do Brasil do nosso grande e miscigenado Machado de Assis.
           
               O apoio foi geral às palavras do mais novo membro da família, nos seus 22 anos:
          
         — Ah se fosse diferente por aqui. O Brasil não perderia tanta riqueza mineral, extraída da terra, causando mais pobreza, mortes e uma irreversível falência ambiental.  E nosso país, a exemplo da capital maranhense, considerado a terra do “já teve, hoje não tem”.
            
        O debate foi interrompido para o café com beiju que estava sendo servido, e todos quedaram-se a degustar com prazer a iguaria nordestina. O poeta Kipling certamente apreciaria o silêncio, assim como teria apoiado a breve e democrática discussão sobre seu poema Se.
             
         Nada melhor do que trocar ideias em família.     
     

              
 

quinta-feira, 7 de março de 2019


CONTO



                     PADRINHOS E MADRINHAS



PIA BATISMAL ano 1100




                "Minha comadre Berta, meu compadre Baltasar”, falava com orgulho a mãe de Maria, referindo-se aos padrinhos de uma das filhas. De dar inveja a quem não tivesse padrinhos iguais. Em compensação, Maria tinha três madrinhas, mas um único padrinho, um apadrinhamento considerado de nível inferior comparado com aquele outro orgulhosamente citado, um casal de destaque na sociedade. Maria sem muita aproximação do padrinho, mas das madrinhas recebia a atenção devida, disso não tinha queixas, mas com um detalhe, suas queridas madrinhas nunca se casaram. Falavam que ela herdaria das madrinhas a sina de ficar solteira. Tantas madrinhas, como podia ser? Simples, era uma madrinha de Batismo, outra de Consagração, ou firmação, e por último a madrinha de Crisma. 

        Coisa séria a escolha dos padrinhos, que se convencionou serem os segundos pais para as crianças, que cresciam tendo essas pessoas, seus padrinhos, com que contar na vida além do pai e da mãe. Na escolha dos padrinhos levava-se em consideração o parentesco, ou proximidade, irmãos, parentes e amigos próximos. Catastrófico escolher padrinhos errados, quando então os pais perdiam a oportunidade de legar aos filhos amigos tão especiais. Maria pensava assim. 
                 
          A grande importância que há em ser madrinha ou padrinho, sonho de Maria a certa altura da vida, quando via nascerem as crianças da família, ela também uma criança. O desejo de ser madrinha perdurando por alguns anos mais, o que podia revelar a vocação de Maria para a maternidade. E se tivesse sido escolhida para madrinha, teria optado por  ser mãe mais tarde? Questionava Maria para si mesma, com a ressalva de que teve três ótimos filhos, exemplos de pessoas do bem. O certo é que o apadrinhamento, ou seja, dar a bênção na pia batismal para uma criança pode gerar um amor filial e amizades para sempre, não tem como ser diferente.
                  
           Maria aos 18 anos recebeu convite para ser madrinha de consagração de uma prima em segundo grau, enquanto a madrinha de batismo foi a tia, por parte de pai. Uma honra ser madrinha numa família de muita fé. Maria a recordar com delicada atenção os ritos católicos, que religam alma ao alto, e fortalecem os laços afetivos entre as pessoas. É aquela madrinha que reconhece a Igreja Católica como uma instituição, que não pode falhar, mas nos dias atuais sofre tremenda agressão em seu próprio seio. Diz convicta à filha ao lado:

         - Quem me dera pudesse eu um dia escrever um livro sobre culpa e redenção!... 


             
                  
                  




terça-feira, 5 de março de 2019


CONTO



            IDADES ÍMPARES E MÁGICAS
      



     Ela ia completar 18 anos por aqueles dias, a tarde chuvosa, na casa um silêncio assustador sem a mãe que saíra para buscar uma encomenda na costureira. Maria foi conversar com a empregada, e depois de afagar o gato, arrisco que só ele, entrou na sala. Esperou alguns minutos antes de abordar a tia, que estava sentada em frente à janela absorta em sua leitura. Falou como se fosse mestra no assunto:
    
       — Até os 7 anos é a infância, aos 13 anos começa o período da pré-adolescência, e já aos 17 estamos em plena juventude, três idades impares e mágicas, que marcam profundamente minha vida, e acho que a vida de quase todo mundo, e não tardo entrar nos 21, outro número ímpar, também mágico, sendo dever que a mulher se case para constituir uma família. É ou não é, minha tia, o que a senhora tem a dizer sobre isso?
     
       — Fui pega de surpresa com tua colocação, mas é certo, as idades que apontaste são realmente um marco na vida de cada pessoa, difícil  delimitar com segurança a juventude, que pode se estender até depois dos 30 anos, e tem gente que não sai da infância. Conheço quem envelheceu  mantendo a cabeça jovem, o que pode ser bom, ou simplesmente não levar a nada, a vida tem tempo e espaço para acontecer, temos que obedecer a cronologia.  
       
        A sobrinha de dona Maura verificou  ser um livro policial que a tia lia, indagou sobre o texto e a autora:        
       
        — Não tenho atração pelo gênero policial, que acabo de ganhar de uma amiga, e enche-me de curiosidade pela autora, a inglesa Agatha Christie, e em sua autobiografia soube que ela começou a escrever incentivada pela mãe, durante a convalescênça de uma doença. Como enfermeira na 2º Guerra passou a escrever nas horas vagas de seu trabalho como enfermeira, trabalhando na fabricação  de remédios, manipulava produtos venenosos, se não fossem bem pesados e utilizados adequadamente. E foi a causa da morte de alguns dos seus personagens, por envenenamento.
       
       — Gosto também de biografias, certos escritores são tão intrigantes quanto seus livros. Mentes comuns, ou mais que isso, de repente começam a escrever e não param mais, às vezes se saindo bem na empreitada no sentido do sucesso, que o prazer é certo. Mas a coisa não acontece por acaso, há um tempo de hibernação. Quero ser escritora, mas já sonhei em ser pianista e bailarina. Sei que precisa ter talento, com o qual a pessoa nasce, e ainda ter vocação, que se adquire com o tempo. No meu caso, estou para descobrir no que vou me sair melhor. Talvez me realize simplesmente como mãe, o que a tia acha?

       — Acredito que podes ser o que quiseres, talento nessa família não falta, só precisa haver determinação para realizar algo mais que viver o dia a dia, sem maiores perspectivas de sucesso profissional e social. Como diz o poeta “tudo vale a pena se a alma não é pequena.” Como mulher, se queres ter sucesso profissional vai atrás, para não te sentires frustrada. Mas se é tua vocação, se tens a amorosidade para simplesmente cuidar da casa, dos filhos, a família só tem a agradecer.  Sem que esqueças que a sociedade precisa de talentos em todas as áreas. 

       A casa começou a se encher de gente, tia e sobrinha foram ao encontro dos demais familiares, certas de que ganharam muito com a conversa que tiveram. 
         
         A chuva havia passado e o sol entrava pela janela.