segunda-feira, 27 de março de 2023

 



                              DA FRUSTRAÇÃO


S. LUÍS MA


 

Frustrar-se jamais poderia ser aceito por uma pessoa que possua amor próprio, ou tenha bom senso — seria deixar-se abater. Embora pareça absurdo há pessoas que frustram a si mesma, e ainda tentam frustrar os anseios dos outros. Maria conhece gente assim. De onde vem esse modo de proceder, quando o ser humano deve estar intelectual e moralmente preparado para vencer, o que na modernidade seria inquestionável? Ir em frente, perseverar, ter um ideal de vida, o que não significa passar por cima dos outros.

No presente momento o Brasil envia ao país de Xi Jinping uma comitiva de mais de 200 pessoas, entre políticos e empresários para negociar seus produtos. O aço  extraído a duras penas no solo brasileiro, que faz avançar o progresso para mais de um bilhão e meio de habitantes do país distante. Em troca entram os dólares necessários para o desenvolvimento nacional. Até quando? A poderosa China, herdeira do comunismo, que frustra o indivíduo nos seus anseios pessoais, por conta de uma igualdade a serviço do regime, da nação. A burocracia, maior que a democracia e o mérito pessoal, o que no país asiático vem de um passado bem mais distante. A antiga China, chamada país do sol nascente, não é mais a mesma. Virou comunista, e nela é que o presidente Lula confia hoje, menos  que no tradicional parceiro do Brasil democrático, que são os EUA. Tem lá suas razões.

O texto inicia falando da frustração que cada um possa sentir. Maria pensa numa amiga que amava se frustrar e frustrar os outros em suas expectativas. Gozar daquela bela propriedade cercada de verde, que o marido amava cuidar? Nem pensar. Nem ele, nem ela iriam usufruir daquele paraíso. Passou adiante à contragosto da outra parte interessada. Sua abastada família de origem em auto impostas frustrações. E o que dizer da frustração do povo, que simplesmente quer comer, se educar, ter um emprego, e assim possa sanar a miséria em que vive em um país tão rico? Os governos, uns após outros, frustrando as expectativas dos brasileiros. 


sexta-feira, 17 de março de 2023

 



Um pouco de história

 

            

        HERANÇAS DA RUA DAS HORTAS  





 

         Localizada no Centro Histórico de S. Luís, a Rua das Hortas desemboca na Praça Deodoro, a poucos passos da Biblioteca Benedito Leite. A casa da avó de Maria era a segunda da rua, uma meia-morada herdada do pai, Antônio Lopes Dias, investidor português, que faleceu às vésperas de seu retornar a Portugal. O coração não resistiu a tão profunda nostalgia da “santa terrinha” e a saudade que já sentia da encantadora cidade, onde viveu com a esposa, dona Amelinha, e tiveram seis filhos. A cidade de S. Luís em grande parte idêntica a Porto, sua cidade natal.  O casal residiu na Rua Rio Branco, numa morada-inteira em frente à Praça Odorico Mendes, até o falecimento de ambos.

Nascida e criada na Rua Rio Branco, a avó de Maria, após sua viuvez, passou a residir na Rua das Hortas,  sempre ativa, começou a receber encomendas dos seus doces, após experiência entre famílias amigas. Foi nessa rua que Maria viveu infância e juventude, por um tempo chamada de  Rua Siqueira Campos, até voltar ao nome antigo, quando a cidade de S. Luís recebeu o título de Patrimônio da Humanidade. Famílias ilustres habitaram a aprazível Rua das Hortas, o caso do desembargador José Pires da Fonseca, casado com a herdeira de uma morada-inteira.

O irmão mais novo de Carmem Dias herdou a casa ao lado da sua, na Rua das Hortas esquina com a Praça Deodoro. Vendida para o filho de Helena Balga, foi demolida, e no terreno o proprietário construiu uma bela casa com jardim, época em que a cidade tentava se modernizar, antes das pontes, antes da cidade ter crescido em direção às praias. Do outro lado da rua, na mesma época, Clovis Teixeira construiu sua bela mansão, pondo abaixo velhas  residências. Ali morou com a família por muitos anos. Hoje o local abriga uma repartição pública.

Na Rua das Hortas a doceira Carmem Dias garantiu por anos o sucesso das festas com seus doces. A filha, com o mesmo nome da mãe, Carmem Dias Pereira dos Santos, conhecida como Carmita, foi a quem sua mãe passou o bastão. Casada com Pedro Araújo, foi morar na Rua Grande, continuando a confecção dos famosos doces, que a certa altura promoveu o sustento da sua família, e ainda garantiu a universidade particular em Pernambuco dos seus cinco filhos homens. Hoje, sua filha Marcia Helena é quem garante a continuidade do empreendimento, acrescida dos bombons, mais ao gosto atual, enquanto os doces finos são reservados para bodas e batizados. O que é bom resiste ao tempo, ainda bem. E tudo começou ali na Rua das Hortas 436. Local onde hoje abriga um laboratório médico.

 

 

 

 


 



 TEMPO DA QUARESMA

 

                     

              MOÇA DE BRINCO DE PÉROLA

 


 

 

Luminoso rosto feminino salta da escuridão no quadro Moça com Brinco de Pérola, do pintor holandês Johannes de Vermeer.  A pérola tradicionalmente associado à ortodoxia pende do turbante oriental, colocado com ousadia artística na cabeça de uma ocidental, que tem uma história a revelar. O domínio do Islã no Ocidente chega ao fim após séculos de dominação, e parte sem demonstrar alegria, dor, tristeza, nem compaixão, mas com uma espécie de desdém, o que reflete a imagem. O Oriente grande patrocinador do movimento de renovação que ocorrera no Ocidente, inclusive, o Renascimento. Também vai embora a velha ortodoxia cristã, por se opor ao protestantismo, e não mais confiar em Roma. A cristandade reformada vai seguir rumo à modernidade, como tempos atrás havia partido para as trevas, após as invasões bárbaras.

A moça do brinco de pérola seria, pois, uma ocidental travestida de oriental. A decadência moral assola o Ocidente, necessita recristianizar-se, o que de início acontece através da ortodoxia espiritual, logo depois descartada.  A parte frontal do turbante da personagem concebida pelo artista de Delft, tem a cor azul, e forma ondas, tal qual o mar agitado da navegação por onde as mercadorias trafegavam de lá par cá e vice-versa. O azul também da religiosidade Mariana vinda do Oriente, que se perpetua no Ocidente.  No alto da cabeça o adorno forma um coque em amarelo ouro, que está parcialmente desfeito. O ouro da riqueza espiritual que em parte se desfaz. Como no passado, ortodoxos e latinos acusavam-se mutuamente de heréticos, assim acontece entre católicos e protestantes. 

O primeiro cisma na igreja cristã acontece quando os cristãos orientais buscam exilar-se com sua fé tradicional, do mesmo modo a cristandade latina quer evitar as heresias que pipocavam no Oriente. Os ocidentais ficam sem o saber antigo, sem a filosofia,  e acabam culturalmente empobrecidos em relação aos bizantinos. Os árabes, em sua cultura nascente, tomam conhecimento dos filosóficos gregos em esparsos manuscritos preservados pelos monges orientais, os heréticos nestorianos. Tornam-se assim herdeiros do conhecimento, que iriam transmitir  aos latinos quando invadiram o Ocidente. Foi quando os monges ocidentais passaram a se dedicar aos estudos, à leitura e escrita, com o que se capacitaram para ciência e tecnologia, como ela veio a se desenvolver no Ocidente. Mestres na escrita tornaram-se também pioneiros na agricultura,  astronomia,  economia, e tudo o mais.

 No quadro de Vermeer a moça parece falar algo incompreensível, remoto, além do que se pode entender, até mesmo o artista, que pinta em cores luxuriantes o Oriente, a olhar com ironia para Ocidente numa triste encruzilhada. Sabe-se que no Ocidente, ao tempo dos mulçumanos, havia disciplina e tolerância entre as crenças, numa convivência pacífica. Na Espanha islâmica era grande a efervescência cultural, centro de discussões eruditas, de leitura e escrita, onde abundava a poesia cortesã, e o número de livros era superior ao volume das maiores bibliotecas do Norte.  O caminho fora aberto para o conhecimento, ainda pouco científico, numa sólida, próspera e bem governada, Holanda, mas em vários aspectos bizantina, de um passado esplendoroso. Estaria a moça a lançar impropérios contra hereges, escravocratas, anunciando castigos? Parafrasear maldição era costume em Bizâncio, no enfrentamento entre heréticos e ortodoxos.

A igreja reformada, tanto católica quanto protestante, faz parte da progressista civilização ocidental da palavra escrita. Já a civilização oriental tem o predomínio da oralidade, com talento para a retórica, daí os lábios entreabertos da moça, que parece balbuciar algo, e sangrar.  Estaria a moça a lançar impropérios contra hereges, escravocratas, anunciando castigos? Parafrasear maldição era costume em Bizâncio, no enfrentamento entre heréticos e ortodoxos. Lamenta as civilizações sanguinárias, que avançam em conhecimento, como também na descrença, sem fé. O ortodoxo Dostoievski diz através do personagem Ivan Karamasovski: “Se a alma é mortal e Deus não existe; tudo é possível”. A crítica do  escritor russo é contra toda forma de moral e ética a partir da imanência, ou seja, do plano da natureza, ou da história. Justamente as armas do humanismo que iriam despontar como força propulsora do progresso alicerçada na natureza. Já para a ortodoxia só há salvação com Deus, na transcendência.

A moça pintada por Vermeer pode ainda representar uma pseudo-egípcia a proferir palavra articulada, força dinâmica, de certa magia, em contexto cultural específico. Ou a ortodoxa moça estaria entoando o Kyrie Eleison para entrar em estado de contemplação, uma das chamadas coroas místicas da igreja bizantina? Ou salmodiando? E quem sabe profere a prece canônica do islamismo: Allah hu’ Akbar (Deus é grande)?

 

 

 

 


quarta-feira, 8 de março de 2023

        8 de março- DIA INTERNACIONAL DA MULHER

         


         INTRODUÇÃO A VERMEER





Época de Ouro da pintura holandesa, da qual faz parte Johannes Vermeer de Delft, ao lado do também genial Rembrandt de Amsterdan. Século XVII, início da Era moderna, albores da ciência, condutora de um progresso nunca dantes imaginado para a humanidade. Século que abrigou cientistas do porte de Isaac Newton e Galileu. Os maiores influenciadores do pensamento moderno estiveram elucubrando naquele mundo mágico, livre do ateísmo, com Descartes, Hobbes, Pascal, Espinosa, Leibniz, Locke. No século anterior, a Cristandade sofrera ruptura causada pela Reforma de Lutero, que rejeita a arte como forma de expressão religiosa. A Igreja de Roma, em busca de uma saída honrosa para o grave impasse,  procura defender seus dogmas e sua ética, também quer salvar sua estética, refletida na deslumbrante capela Sistina, ápice da perfeição artística. 

O catolicismo continuaria no papel de mecenas das artes através do movimento barroco, expressão maior da Contrarreforma. O barroco italiano diferente do barroco da Holanda protestante. Convertido ao catolicismo após o casamento com uma católica e vizinho dos jesuítas, Vermeer apresenta em sua telas do barroco alegórico o rico e obscuro cotidiano da aristocracia holandesa, ao tempo em que surge uma incipiente burguesia urbana. Modelo de jovens, suas próprias filhas, que se exibiam ao expectador,  espécie de ensaio teatral para o drama da modernidade. Dramática modernidade, e a ideia de teatro, também do oculto, por trás das cortinas descerradas em algumas telas. E o xadrez no piso das telas sugere que se trata de um jogo de cena para a reflexão. O jogo e o lúdico característicos da arte barroca. A Holanda reformada segue o novo espírito de renovação da fé e dos costumes. Uma sociedade desbravadora de horizontes que experimenta o progresso  material para o homem moderno, naturalmente filosófico e mítico. 

O pintor no deleite de divulgar conceitos, também de fazer propaganda da produção moderna, que incluía o recém-inventados espelhos. O intuito precípuo de instruir, próprio da corrente artística a qual pertence o artista. A modernidade de Vermeer na promoção dos dons e dos dotes femininos, e que elas estejam bem informadas. Holanda republicana, de cultura nacional emergente, cujo maior empenho era adquirir o necessário para uma vida de conforto material  e dar conforto ao espírito. Uma conclamação para as mulheres preservarem sua integridade.  Arte como meio de promover a mulher, sobre a qual é contada uma história vivida e por viver. Doces os frutos da modernidade, amargas as irracionalidades vigentes, que não param de acontecer. Constantes os conflitos externos e as turbulências internas, não muito diferente do que acontece hoje. 

A sociedade chegava a tão elevado patamar social e econômico, contando com o respaldo da burguesia. As mulheres no dever de se habilitarem para o sucesso pessoal.  A vocação que as mulheres têm para a vida prática, produtiva, como também intelectual e criativa. Livres da total dependência do poder masculino. No exercício do amor, a mensagem de Vermeer em seus quadros, é que as mulheres evoluam do impulso instintivo para o agir consciente, olhar para o outro e entender suas verdadeiras intenções. As boas e as más intenções que as cercam, daí vermos algumas jovens constrangidas com as ofertas de bebidas, também estejam atentas  às mensagens recebidas por cartas e mesmo panfletos de propaganda que passam de mão em mão. Mulheres maduras que agem sem constrangimento ao tratarem com o outro sexo, uma vez que negociam os produto nas suas lojas, assim como o vinho nas tabernas. Diferente das jovens constrangidas em seus locais de abrigo, onde eles a assediam sem constrangimento. 

Janelas abertas e semiabertas para que as mulheres olhassem o mundo lá fora, que despontava, se expandia, que clareava também para elas, para uma vida verdadeiramente compartilhada. Confiassem as mulheres em si mesmas e  guardassem  a fé em Deus e no futuro. O fator econômico sobe ao palco da vida. Economia, ciência e arte, ou técnica, move o mundo, para que a humanidade siga em realmente em frente, na paz e prosperidade para todos, Mas que poder é esse do mercado? Vive-se o mito de Pandora, aberta a caixa, ou a casa, a oficina, o ateliê, o cérebro, ou a própria alma, tudo isso em  destaque nos quadro do pintor da produtiva cidade de Delft com seus famosos azulejos. Não tardariam a surgir a produção em grande escala nas fábricas, e um numeroso contingente de trabalhadoras.  A mulher livre para o acesso ao trabalho e ganhar seu próprio sustento. A sociedade progressista, em liberdade de costumes, mas que deve manter fé e ética, pilares da reforma protestante, e também da católica. A tendência é seguir os valores da  burguesia, que trata dos desejos terrenos, calcados na cultura da  inteligência e, na elevação do espírito. Já no século seguinte, em uma sociedade descuidada dos consagrados princípios que a deviam nortear, o extraordinário escritor e poeta Goethe exclama:  “A burrice não conhece nenhum cuidado."


Texto extraído de livro inédito da autora Revelando Vermeer  

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